1Coríntios 4.6-13

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O autor exemplifica por meio de ironia, quão fútil e tolo é se rebelar contra o mandamento do Senhor, considerando-se cada um como melhor ou estando acima de seu irmão, na igreja de Cristo.

Notes
Transcript
"[....] Aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos" (1Co 1.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Introduzindo o próximo parágrafo em que continua suas exortações à igreja, o apóstolo Paulo explicita o fundamento da argumentação que iniciara desde o capítulo 3, em que usa tanto Apolo quanto a si mesmo, como exemplos que espelham a atitude esperada dos membros da igreja para onde dirige sua carta.
No versículo 6, ele começa usando a expressão "μετασχηματίζω" (gr. lit. "mudei a aparência") a fim de deixar claro essa perspectiva figurativa, que também introduz o tom irônico posterior, o qual usa para levar os coríntios a perceberem sua postura equivocada em relação à igreja de Cristo.
A tese do apóstolo consiste na demonstração de que aquele que é sábio, não precisa de que ninguém lhe ensine (v.10), e o que é rico, de nada necessita (v.8), o que flagrantemente não é o caso da igreja, pois como já exposto (cf. 3.1-2), aqueles irmãos eram como crianças, alimentadas com leite ao invés de alimento sólido. Por outro lado, aqueles que se doam em prol do bem da igreja, desempenhando funções cruciais para o bom desenvolvimento do corpo de Cristo, são "considerados lixo do mundo, escória de todos" (v.13).
Em resumo, a tese central do texto de 1Coríntios 4.6-13 consiste na irônica presença da soberba na igreja de Cristo.
Elucidação
Segundo introduzido, a intenção fundamental de Paulo é aproximar-se da igreja, a fim de que esta perceba qual sentimento deve habitar seus corações em relação ao princípio da unidade e comunhão que devem ter.
Após já ter usado vários argumentos que expuseram a jactância corintiana, principalmente no que concerne às divisões que estavam sendo fomentadas naquela comunidade, tendo inclusive repreendido duramente aqueles irmãos constatando sua infantilidade e imaturidade (cf. 3.1), Paulo usa um último recurso antes de prosseguir seu tratamento pastoral com relação a outros problemas denunciados à ele pelos da casa de Cloe, qual seja, o uso da ironia que revela ainda mais o real estado espiritual da igreja de Corinto.
Como já dito, o uso figurativo (cf. v. 6 gr. lit. "μετασχηματίζω") a que se refere, de sua pessoa e de Apolo, tenciona fazer com que um princípio central seja notado e percebido por seu público: "não ultrapasseis o que está escrito" (v.7).
Embora as opiniões se dividam com relação a que Paulo se refere ao usar essa expressão, isto é, se foi ao que ele mesmo escreveu, ou às Escrituras do Antigo Testamento, é preferível compreender essa frase à partir da segunda opção proposta, tendo em vista as várias citações do AT (e.g. em 1.19 - Is 29.14; em 1.31 - Jr 9.24; em 2.9 - Is 64.4; em 3.19,20 - Jó 5.13 e Sl 94.11) que o escritor usou como base para suas exortações quanto a unidade do corpo de Cristo.
Assim, o apóstolo enfatiza o ponto de que tanto ele quanto Apolo foram servos do que havia sido estabelecido por Cristo através das Escrituras, tendo mantido-se sempre abaixo (cf. v.6 "não 'ultrapasseis' (gr. "ὑπέρ")), isto é, submissos ao mandamento do Senhor; atitude que deveria ser replicada por todos a quem se dirige.
Complementando essa ótica, a partir do versículo 7, Paulo começa um questionamento que será sequenciado pelo uso de ironias e sarcasmos que expõe os coríntios ao seu orgulho e simultaneamente, à sua verdadeira situação:
1Coríntios 4.7 RA
Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?
A pergunta do apóstolo é retórica e denuncia que, em sua postura arrogante, os coríntios estavam fazendo exatamente o que, segundo o exemplo dos apóstolos e demais cooperadores (e.g. Apolo), não deveriam, isto é, pondo-se acima do que foi ordenado pelo mandamento escrito, sendo orgulhosos. Entretanto, os membros daquela comunidade estavam se ufanando por algo do qual não desfrutavam por algum mérito, a saber, os dons e demais benefícios da redenção, o que justifica a maneira através da qual Paulo revela esse contraste ou antítese entre a graça salvadora e a vontade de Cristo e o coração orgulhoso daqueles irmãos.
A ironia paulina dos versículos 8 à 13, possui um objetivo duplo: serve tanto ao propósito de denunciar o pecado de muitos naquela comunidade, quanto de pastorear seus corações a fim de que abandonem essa disposição jactanciosa. A figura de linguagem que Paulo emprega é tão pujante e assertiva em seu intento, que a humilhação a que os coríntios são submetidos também expõe o coração pastoral dessa medida severa: levá-los à compreensão do sentimento e mentalidade que devem ter no que tange à igreja.
Se o mandamento escrito determina que não haja orgulho que à um exalte em detrimento de outro (cf. v.6), tendo em vista que todos os benefícios dos quais agora dispõem foram concedidos à igreja unicamente por graça e não por mérito, tal como Paulo aponta em seu questionamento, ao ver que aquela igreja não havia percebido tal princípio, o apóstolo então ironiza, mais uma vez usando a si mesmo e os apóstolos como exemplos de rebaixamento:
1Coríntios 4.8–9 RA
Já estais fartos, já estais ricos; chegastes a reinar sem nós; sim, tomara reinásseis para que também nós viéssemos a reinar convosco. Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens.
Gozando do título de "ministros de Cristo" e "despenseiros dos mistérios de Deus" (cf. v.1), os apóstolos ao invés de sentirem-se superiores ou excelentes em relação aos demais cristãos, vêem-se como postos em último lugar no Reino, a fim de que sejam usados como instrumentos de edificação da igreja. No verso 9 ele extrai a símile apostólica das arenas romanas, onde os condenados à morte serviam de entretenimento para as massas, que os assistiam ser devorados por feras ou mortos pelo gladiadores. É digno de nota que, embora Paulo e os apóstolos sintam-se assim, essa autopercepção é explicitada a fim de que os crentes em Corinto vejam a opinião que aqueles homens, que eles elegeram como símbolos em sua guerra interna (cf. 1.12; 3.4) , tinham em relação a si mesmos.
Como exposto no versículo 8, enquanto os coríntios se achavam fartos e ricos, os apóstolos viam-se como pobres, e esse contraste de visões é salientado a partir do 10:
1Coríntios 4.10–12 RA
Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis. Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos;
O balanço feito entre o "Nós e Vós", é a base da ironia/sarcasmo que fere o ego dos membros daquela comunidade, porém, também os trás à reflexão do quão distanciados estão do padrão cristão que edifica a igreja em unidade e humildade.
Segundo já percebido, é óbvio que os coríntios jamais poderiam ser comparados à uma igreja que de alguma forma era rica, farta, ou que já reinava, como se de alguma forma tivesse alcançado a plenitude espiritual, que os tornava expectadores perfeitos do tempo da glorificação. Assim sendo, todas as atribuições positivas que Paulo usa para caracterizar os membros daquela igreja (e.g. sábios, fortes, nobres), em contraste com as atribuições negativas (e.g. loucos, fracos, desprezíveis) usadas em relação aos apóstolos, humilham aqueles irmãos, a fim de que percebam que a arrogância os faz ultrapassar aquele padrão estabelecido por Deus em relação a como devem ver a si mesmos em sua relação comunitária com outros crentes, principalmente pelo fato de que essa descrição, infelizmente, não corresponde à realidade daquela igreja.
O último comparativo ou argumento, incide ainda mais sobre os coríntios a noção de que em vão se gloriam de sua sabedoria humana. Nos versículos de 11 a 13, o autor explora a imagem dos escravos que além de trabalharem “com as próprias mãos” (v.12), são humilhados e sofrem com situações e condições terríveis em seu serviço. No caso, os apóstolos são expostos a toda essa carga de dificuldade, para que a igreja possa desfrutar de todos os benefícios que, através deles, são dispensados ao corpo de Cristo, o que inclui serem até mesmo “sacrificados” para que tal bem possa ser logrado pelos irmãos.
Ao invés de os ministros de Cristo corresponderem o mal das circunstâncias com rebeldia ou arrogância, ele afirma que : “Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação […] (v.12-13”, e como não bastasse tudo isso, Paulo usa dois termos que revelam ainda mais a noção da humildade de suas atribuições como apóstolo: […] “temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos”. Os termos caracterizadores usados por Paulo (gr. “περικάθαρμα” e “περίψημα”) remetem aos condenados à morte que eram preservados da sentença imediata pelos gregos, para servirem como como oferendas aos deuses, quando uma calamidade assolava suas cidades, a fim de que a ira deles fosse apaziguada:
Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong 4067 περιψημα peripsema

Os atenienses, a fim de evitar calamidades públicas, anualmente jogavam um criminoso no mar como uma oferta a Posseidon; por isso, o termo passou a ser usado para uma oferta expiatória, um resgate, por nosso filho, i.e., em comparação com a salvação da vida do nosso filho que isto seja para nós algo depreciativo e sem valor. É usado de um homem que em benefício da religião passa por provas horrendas pela salvação de outros.

Transição
O modo como Paulo enxerga a si e aos demais apóstolos, deveria inspirar nos coríntios um sentimento completamente diferente do que eles estavam nutrindo. A mensagem que 1Coríntios 4.6-11 direciona a igreja de todos os tempos, expande a compreensão quanto ao dever Cristão exigido por Cristo de cada crente e relação aos demais.
O dever sintetizado do presente texto, pode ser elabora a partir do seguinte princípio:
Aplicação
O exercício do serviço comunitário cristão que de fato garante a edificação da igreja, não poderá ser executado, até que nossa autopercepção esteja avalizada e submissa ao que determina a Escritura Sagrada.
À primeira vista, a ironia proposta por Paulo parece ser exagerada, tendo em vista que intencionalmente ele humilha os coríntios. Além disso, tendo em vista todos os princípios abordados pelo apóstolo até este ponto, já deveria ter ficado evidente ao seu público que o mandamento do Senhor para sua igreja era que nos servíssemos e edificássemos a igreja, cooperando com seu crescimento e desenvolvimento espiritual.
Porém, para além da perspectiva de que devem servir uns aos outros verdadeiramente, isto é, de coração, é necessário entender antes a dinâmica da humildade no que concerne à relação entre irmãos: se de alguma forma não ajustarmos nossa percepção quanto a nós mesmos, vendo-nos “abaixo” do que está escrito, considerando-nos menores que nosso irmão, jamais poderemos nos adequar ao ao padrão de serviço que verdadeiramente promove o bem da comunidade da fé em que estamos.
Simplificando e resumindo; nunca poderemos verdadeiramente olhar para nossos irmãos com o genuíno sentimento de que este deve ser servido, se não nos considerarmos como abaixo dele. Enquanto nos acharmos melhores, superiores ou até mesmo iguais, de um ponto de vista individualista, nunca nutriremos em nosso coração a sensação de que precisamos amá-lo e servi-lo.
Ao servir nosso irmão, não estamos lhe prestando um favor, pois favores muitas vezes são prestados na relação de um superior para com um inferior, e não é esse o caso… ou estamos fartos? ou somos ricos? ou somos reis e rainhas que ao invés de amar, exibem um desdenhoso sorriso condescendente, como quem olha do alto?
Nada que nós tenhamos recebido ou desfrutamos da parte de Deus nos foi concedido por mérito, logo, assumirmos uma postura arrogante ou orgulhosa em relação aos nossos irmãos é uma incoerência que exala rebeldia contra o mandamento do Senhor Jesus Cristo.
Podemos não ser apóstolos, mas o Espírito que operou nos servos de Deus do passado, é o mesmo espírito que opera em nós a humildade a fim de que reconheçamos que somos todos blocos usados por Deus na construção de seu edifício; membros que unidos, formam o corpo do qual seu Bendito Filho é o cabeça.
Conclusão
1Coríntios 4.6-11 é uma severa repreensão, e um claro lembrete: no corpo de Cristo, não somos colocados um acima do outro, mas lado a lado, a fim de que não haja quem se ache melhor, mas que todos vejamos nossos irmãos como partes tão essenciais ao Reino quanto nós, e assim, deixemos de lado do orgulho e soberba, dando lugar a humildade e cooperação dignas do povo de Deus.
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