O Poder Salvador de Deus
O Evangelho é o poder salvador de Deus que revela sua justiça aos que creem.
Torturei-me com oração, jejum, vigílias e congelamento; tal austeridade poderia ter-me matado. […] O que mais eu buscava agindo assim senão Deus, o qual presumivelmente via minha extremada observância da ordem monástica e minha vida austera? Eu andava constantemente em meio a um sonho e vivia em meio a uma idolatria real, porquanto não cria em Cristo: eu apenas o considerava um severo e terrível juiz, pintado como alguém sentado sobre um arco-íris.
Ainda que vivesse como um monge irrepreensível, sentia ser pecador diante de Deus, com uma consciência extremamente perturbada. Eu não podia crer que ele fosse apaziguado por minha satisfação. Eu não amava, pior, eu odiava a justiça de Deus que pune o pecador, e secretamente, se não blasfemamente, com certeza murmurando intensamente, eu estava irado com Deus, e disse: “De fato, como se não bastasse que míseros pecadores, eternamente perdidos através do pecado original, sejam esmagados por todo tipo de calamidade pela lei do Decálogo, Deus, pelo evangelho, ainda adiciona castigo ao castigo, e também pelo evangelho nos ameaça com sua justiça e ira!” Assim, eu me enfurecia com uma consciência incendiada e atormentada. Não obstante, eu me importunava com aquela passagem de Paulo, desejando saber mui ardentemente o que Paulo tinha em mente. Por fim, pela mercê de Deus, meditando dia e noite, atentei bem para o contexto das palavras, isto é, “visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé.” Então comecei a entender que a justiça de Deus é aquela pela qual o justo vive por um dom de Deus, isto é, a fé. E este é o significado: a justiça de Deus se revelou pelo evangelho, isto é, a justiça passiva com que ele nos justifica compassivamente por meio da fé, como está escrito: “Aquele que é justo através da fé viverá.” Aqui senti que havia renascido totalmente e entrara no próprio paraíso através das portas abertas. Ali se me mostrou outra face da Escritura totalmente distinta. E assim eu puxei pela memória todas as Escrituras. Também descobri em outros termos uma analogia, a saber, que a obra de Deus, isto é, aquilo que ele faz em nós, o poder de Deus, com o qual ele nos faz fortes, a sabedoria de Deus, com a qual ele nos faz sábios, a força de Deus, a salvação de Deus, a glória de Deus
Ele veio a compreender que a salvação era uma dádiva para o culpado, e não um galardão para o justo. O homem não é salvo por suas boas obras pessoais, e sim por confiar na obra consumada de Cristo. Assim, a justificação somente pela fé veio a ser o dogma central da Reforma.
Para sermos amados por Deus, devemos antes ser justos diante de seus olhos, porquanto ele odeia a injustiça. Significa, pois, que não podemos obter a salvação de nenhuma outra fonte senão do evangelho, visto que Deus de nenhuma outra parte nos revelou sua justiça, a qual é a única que nos livra da morte.