1Coríntios 6.1-11

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O autor exorta a igreja quanto a dignidade do corpo de Cristo como instância adequada no julgamento e estabelecimento da verdade entre os santos, em detrimento do mundo que não desfruta de aceitação entre os lavados, santificados e justificados em Cristo pelo poder do Espírito.

Notes
Transcript
"[....] Aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos" (1Co 1.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após ter apresentado o conceito de disciplina bíblica na última parte do capítulo 4 (cf. 4.14-21), tendo Paulo, ao longo de todo o capítulo 5, executado tal princípio mediante o julgamento relação à imoralidade presente no meio da igreja, tencionando com isso chamar os membros da comunidade cristã de Corinto à responsabilidade para com a purificação do corpo de Cristo, o apóstolo continua tratando das questões que merecem orientação e retificação, a fim de promover a saúde daquela igreja, mediante a reafirmação do chamado divino à santificação (tema que abordou na saudação da carta (cf. 1.2)).
Se anteriormente a exortação consistiu na limpeza necessária por meio da remoção do velho fermento (cf. 5.7), que trazia prejuízo à imagem igreja como povo de propriedade exclusiva do SENHOR (i.e. santo), tal como demonstrado por meio da referência à páscoa (cf. 5.6-8), agora o caso é que a desunião e fragmentação da igreja advinha também de uma profunda incompreensão ou não entendimento da relação comunitária cristã, como única instância digna para o exercício do juízo entre aqueles que professam a fé em Cristo, em constraste com os mundanos, que não possuem "nenhuma aceitação na igreja" (v.4).
Havendo questões ou demandas em que se fazia necessário recorrer à um julgamento, os cristãos coríntios estavam preferindo levar os casos até os tribunais mundanos, ao invés de resolver entre os que, por meio do poder de Deus demonstrado em Cristo, que o publicou como Senhor sobre tudo, foram feitos aptos para estabelecer a sabedoria e a justiça em amor no meio da igreja. Esse comportamento estava causando não apenas a fragilização da unidade do povo de Deus, mas também, como salientado, estava denegrindo o testemunho do Evangelho naquela cidade, tornando o povo de Deus semelhante aos próprio injustos; aqueles que jamais herdarão o Reino de Deus (v. 9).
O empreendimento exortativo de Paulo consiste em repreender tal forma de pensamento ou ignorância quanto à irmandade, evidenciando a dignidade e propriedade obtida pela igreja através de Cristo, para que, mediante o constante vislumbre da obra salvadora do Deus Triuno (i.e. o julgamento vindouro, do qual a igreja participará estando ao lado de Cristo), possa julgar a si mesma, não submetendo-se ao escrutínio dos de fora.
Em face dessas considerações, a ideia central da passagem consiste na demonstração da dignidade da igreja para o exercício da relação comunitária.
Elucidação
A ênfase na propriedade ou "status quo" adequado da igreja como corte julgadora dos fiéis, é estabelecida por meio de argumentações que partem tanto de uma dedução lógica levando em consideração a situação da igreja diante de Deus e do mundo, quanto, por meio disso, de uma exortação franca contra o modo resolutivo equivocado do qual os crentes estavam lançando mão em relação a demandas judiciais entre si.
No versículo 1, Paulo identifica o problema:
1Coríntios 6.1 RA
Aventura-se algum de vós, tendo questão contra outro, a submetê-lo a juízo perante os injustos e não perante os santos?
O questionamento do apóstolo exibe certo tom de espanto ou surpresa, ao perceber que, diante da necessidade de que se estabeleça juízo entre crentes, os mesmo estejam preferindo submeter tal julgamento àqueles que são caracterizados pelo autor como "injustos" (gr. "ἄδικος" lit. "sem justiça").
A reprimenda é então iniciada com a articulação de uma dedução por meio da qual, o autor leva os coríntios a pensar e refletir sobre sua condição em detrimento dos mundanos: "ou não sabeis que os santos hão de julgar o mundo?" (v.2). O "silogismo" conduz à conclusão de que, se a igreja será posta como participante ativa no processo de julgamento de todo o mundo, isto é, de todos aqueles que mantiveram-se rebeldes contra o Senhor Jesus e o Reino dos céus, não é lógico crer que está apta a julgar questões entre os próprios santos? "Quem pode o mais, pode o menos", ou seja, se a igreja foi feita digna de se assentar ao lado de Cristo para julgar os incrédulos, não está pronta para exercer a mesma sabedoria e justiça divina consigo mesma, principalmente diante do fato de que, os temas que geralmente submetem aos tribunais terrenos são referentes às "coisas mínimas"? (v.2).
Ligado a esse ponto, o autor acrescenta que não somente os mundanos serão julgados, mas os próprios anjos caídos, que ousaram também rebelar-se contra o Criador, serão julgados pela igreja: "Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos?" (v.3). A primeira iniciativa exortativa de Paulo é fazer com que os coríntios percebam a posição que desfrutam no Reino, tendo em vista a obra de Cristo (como será apresentado ao final, no versículo 11).
Entretanto, o tratamento paulino ao invés de os fazer orgulhar-se por tal privilégio, estava sendo usado para os repreender, pois, além estarem submetendo queixas e ações judiciais à opinião dos ímpios, os coríntios o faziam por razões superficiais. Tanto no versículo 2 quanto no 3, quando Paulo destaca a matéria de discussão e julgamento enviada aos tribunais dos injustos, é usado os termos correlatos "coisas mínimas", "coisas desta vida", e por fim no versículo 4, "negócios terrenos".
Além de estarem declarando com tais ações que não acreditavam possuir condições de resolver as demandas "intramuros", as ações judiciais movidas de um crente contra outro giravam em torno de coisa banais, triviais, sem importância ou de menor valor. Não se tratavam de pecados cometidos, ou mesmo, de atitudes complexas que atingiam proporções que envolviam a esfera civil; tratava-se de coisas desta vida, que agora estavam sendo julgadas por aqueles que não tinham "nenhuma aceitação na igreja" (v.4), ou noutras palavras, eram "desprezíveis" (gr. "ἐξουθενέω").
Ao usar esse termo, Paulo não estava alimentando no coração dos coríntios algum tipo de elitismo ou mesmo repúdio contra os descrentes, apenas constatando o fato de que, no que toca ao estabelecimento da verdade e justiça entre os santos, ímpios não possuem qualquer qualificação. Essa atitude ou comportamento por parte dos crentes, estava sendo exposto "para vergonha" (v.5), pois estavam submetendo ao escrutínio ímpio coisas simples, que facilmente poderiam ser resolvidas pela própria igreja, se nela houvesse sábios, como ele mesmo indaga: "Não há porventura, nem ao menos um sábio entre vós, que possa julgar no meio da irmandade?" (v.5).
Dadas as circunstâncias, a única resposta possível era um atormentador "não"; não havia naquela comunidade nem mesmo um sábio que pudesse, à luz da obra de Cristo e da graça alcançada pela igreja para ser o povo escolhido para governar a criação ao lado do Rei dos reis, declarar o discernimento divino adequado ao santos, que deveria torná-los uma clara referência aos ímpios quanto ao poder de Deus em santificar seu corpo. A implicação disso era a vexação que declarava a derrota daquela igreja na missão a ela outorgada, de fazer notório o nome de Cristo no mundo, como próprio apóstolo coloca a partir do versículo 7, já buscando adentrar nas exortações que deveriam direcionar a igreja à mudança nesse padrão vergonhoso de comportamento: "O só existir entre vós demandas já é completa derrota para vós outros" (v.7).
A existência de disputas no meio dos crentes era um sinal terrível: não há glória na vitória de um processo entre irmãos em Cristo que é julgado por 'incrédulos' (cf. v. 6 "ἄπιστος" = sem fé), se isso ocorre, isto é, se a instância buscada para tratar de uma questão entre crentes é o conselho dos ímpios, não pode haver qualquer benefício para a igreja e ao renome do Senhor Jesus, anunciado por meio dela.
Se há algum prejuízo ou perda em razão de algum erro cometido por um irmão, Paulo questiona os coríntios quanto a porquê não optavam por "sofrer a injustiça?, por que não sofreis, antes, o dano?" (v.7). Seria muito melhor se, ao invés de envergonharem o evangelho expondo "as rugas da igreja", os crentes de fato experimentassem o dano da perda da causa que poderia ser levada à juízo mundano. Mais digno dos filhos do Reino seria sofrer certo prejuízo, para que outro irmão e a igreja não fossem maculados pela opinião insensata dos injustos, do que buscar cegamente a razão e o ganho da causa, às custas do testemunho do corpo de Cristo. Buscando isso acima do bem da comunidade, os coríntios estavam, na verdade, "fazendo injustiça e o dano, e isto aos próprios irmãos" (v.8).
A resposta paulina no versículo 9, ecoa os argumentos estabelecidos nos versículos 2 e 3: "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus?" (v.9). O argumento de Paulo agora enfatiza novamente o fato de que, aqueles que eram tão intensamente buscados pelos coríntios para resolverem suas questões, apesar de "poderem" de alguma forma "exercer juízo" nesse mundo, não teriam parte com eles no Reino dos céus. Toda a importância que os injustos tem nessa vida, está restrita a realidade terrena, que é, por sua vez, inferior quando comparada a grandiosidade do juízo vindouro que anunciará para a igreja as bodas da redenção com Cristo; uma nova realidade, numa nova criação, transformada pelo poder restaurador do Deus Triuno.
Do verso 9b ao 10, o autor traça um constraste entre os ímpios e os justos, desfrutando apenas estes, a condição de livres da culpa e mácula do pecado,
1Coríntios 6.9–10 RA
Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus.
Noutras palavras, Paulo estava afirmando que, os "juízes" ímpios, escolhidos pelos santos para julgar suas demandas, são os rebeldes que não tomarão parte do Reino, sendo isso na verdade uma forma eufêmica de afirmar sua condenação. Os coríntios estavam se submetendo ao juízo de condenados, ao passo que eles não eram, pois embora "tais fostes algum de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus" (v.11). Havia uma incompatibilidade inerente entre ímpios e justos, de maneira que a desqualificação daqueles para julgar estes, deveria ser evidente aos crentes.
Transição
Na presente seção da primeira carta aos coríntios, o autor divino/humano exibe a tentação sempre presente (embora nunca justificada), de a igreja de Cristo falhar em sua missão de glorificar a Deus, preservando a imagem de povo santo diante dos mundanos, recorrendo aqueles que não tem nenhuma aceitação na igreja, para buscar opiniões, ou mesmo expor-lhes os defeitos da igreja de Deus.
Não cabe aos mundanos arbitrar sobre como a igreja de Cristo deve proceder em relação a aplicação da justiça e juízo que nos edifica no Espírito, para refletirmos a glória do SENHOR. E mais inadequado é nós mesmos buscar a opinião dos de fora no que toca a vida da igreja.
O texto de 1Coríntios 6.1-11, elenca uma série de verdades que precisam ser observadas pelo povo de Deus, a fim de evitar incorrer no mesmo pecado da igreja de Corinto, agindo como sábios e prudentes, quais sejam:
Aplicações:
1. A igreja recebe de Cristo dignidade e propriedade para que possa, à luz do evangelho, tratar de questões do nosso relacionamento como irmãos, inclusive quando houver atritos ou querelas em nosso meio.
Paulo afirma no versículo 7, que só o fato de haver entre cristãos algum tipo de processo ou demanda judicial movida de maneira frívola e egoísta, é motivo de derrota e vergonha para a igreja. Porém, é pressuposto à relação entre crentes que, embora sejam santificados e tenha seus corações sido vivificados pelo poder do Espírito para agirem como cidadãos do Reino dos céus, que haja ainda resquícios do pecado em nós, que nos fazem ter problemas no relacionamento comunitário.
A questão não é apenas não haver demandas, mas o texto chama a atenção para como essas questões serão tratadas. Somos o povo que foi resgatado do poder do pecado pelo sangue de Cristo, e como um dos tantos benefícios que recebemos dessa graça, a mente de Cristo e a sabedoria do próprio Criador nos banham com a capacidade necessária para que possamos, entre nós mesmos, solucionar quaisquer problemas em nossa comunhão.
Como o próprio texto aponta, a igreja julgará tanto os anjos caídos, quanto todos os que não foram destinados à vida, e assim como os coríntios aprenderam, devemos nós também crer que não somente somos capazes, mas, por essa razão, dignos de apaziguar qualquer atrito em nosso meio, sobretudo quando se trata de coisas que não tem qualquer importância, o que infelizmente, quando investigamos, ocorrem na maioria das vezes.
Devemos olhar para a igreja como aqueles que foram dotados pelo criador com a sabedoria do alto, para estabelecer a paz e o amor entre nós, o que não ocorre com nenhum outro grupo que existe nesse mundo, pois apenas a igreja "foi lavada, santificada e justificada em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus" (1Co 6.11). Isso nos leva a segunda verdade exposta no texto.
2. A igreja de Cristo é a única jurisdição adequada para estabelecer juízo e verdade entre os crentes, o que exclui os mundanos.
Embora o contexto a que Paulo se refere na seção in loco, englobe de fato ações jurídicas, isto é, tribunais formais eram acionados a fim de resolver as questões e demandas entre irmãos na igreja de Corinto, o texto nos conduz à um princípio bem mais amplo, contra o qual, costumeiramente, incorremos em erro, qual seja: submeter assuntos da igreja, principalmente no que toca a problemas em nosso relacionamento, ao escrutínio e julgamento dos de fora.
Como já dito, é inevitável que ocorram problemas em nossa convivência, afinal, ainda somos imperfeitos e pecadores, o que naturalmente fará brotar ervas daninhas no jardim da igreja. Porém, isso não nos habilita a levarmos aos ímpios os problemas que enfrentamos, submetendo o corpo de Cristo a opinião daqueles cujas palavras (e ações) não possuem qualquer relevância diante de Deus, senão para despertar sua ira contra eles.
Embora achemos que não, isso ocorre com mais frequência do que gostaríamos de admitir. Não faltam situações (e.g. trabalho, escola, vias públicas, esquinas) em que comunicamos aos descrentes escândalos, fatos, acontecimentos, concernentes a problemas que outros irmãos estão passando, ou que nós mesmos tenhamos sofrido ou experimentado. "Minha igreja não me dá atenção"; "um irmão na minha igreja pecou..."; soube que duas mulheres, que fazem parte na comunidade onde sirvo há anos, não estão se falando..."; "descobri que um irmão da igreja falava mal de um outro", etc.
Comentários como esses, feitos por nós na presença de ímpios, fazem com que o testemunho do evangelho seja denegrido. João Calvino, tratando da gravidade disso, nos exorta por meio das seguintes palavras:
[…] O evangelho cai em descrédito [quando] o nome de Cristo é exposto, por assim dizer, ao escárnio dos ímpios. Pois os ímpios, inspirados por Satanás, se acham em constante alerta, ávidos pela oportunidade de descobrirem algo no ensino religioso que possa conduzir à falsa interpretação. Mas quando os crentes lhes revelam os detalhes de suas disputas, parecem estar lhes oferecendo, quase intencionalmente, uma oportunidade de ouro para a calúnia (CALVINO, 2013, p.202).
Se temos algum problema contra nosso irmão, ou se nosso irmão tem algo contra nós, o que a Escritura nos ordena fazer? fofocarmos uns aos outros o pecado ou falha do irmão? publicarmos a o ocorrido aos ímpios; serpentes cujas línguas venenosas estão sempre prontas para julgar e condenar a igreja? Como advertência, lembremos que o ministério de Cristo é apresentar a igreja "gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5.27). Seria prudente de nossa parte não nos colocarmos contra Cristo e sua obra, para que não soframos a devida repreensão e correção, por termos manchado a imagem de sua noiva, diante daqueles que cuja imagem já está manchada.
Conclusão
Por vezes, a comunidade cristã deve se transformar num tribunal, onde irmãos que falharam precisam ser julgados e corrigidos em amor, para que cresçam em graça e no temor do SENHOR, sendo todos nós santificados pela palavra e pelo Espírito.
Mas isso não deve ser visto de maneira negativa, pois nos foi dada sabedoria, justiça e graça para que julgando-nos a nós mesmos, nós que julgaremos o mundo, possamos glorificar o nome do SENHOR, dando bom testemunho do evangelho diante dos incrédulos.
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