Mateus 22.34-45

Série expositiva no Evangelho de Mateus  •  Sermon  •  Submitted
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Mateus apresenta a seus leitores o fundamento da salvação: o cumprimento da Lei por Cristo Jesus, o Filho de Davi, o Rei Prometido para guiar seu povo à redenção, e de como somente por meio da fé nEle, os eleitos alcançam a justificação para com a Lei, tendo Cristo cumprido-a, sendo o seu fundamento.

Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Prosseguindo a narrativa, Mateus apresenta as duas últimas cenas deste capítulo 22, em que o embate entre Cristo e os fariseus evidencia a tensão enfrentada pelo messias em seu percurso publicador do Reino.
Os dois momentos registrados nos versículos 34-40 e 41-46, podem ser vistos de uma perspectiva complementar: o entendimento dos fariseus quanto a Lei era insuficiente, pois não lhes fora concedido o conhecimento redentivo acerca do Filho de Davi, o rei-messiânico prometido nas Escrituras (ênfase já exposta pelo autor nos capítulos 13.1 à 19.1).
O questionamento daqueles homens - como desde o início (cf. v. 15) - visava conduzir Cristo à alguma falha, ou expor algum entendimento que pudesse ser usado contra ele diante do povo ou das autoridades. É possível que a forma singular da pergunta do escriba (i.e. "qual o grande mandamento?") já exiba a malícia daqueles homens, tendo em vista que, na verdade, o grande mandamento segundo Cristo explicita, consiste de dois imperativos. Outra vez, porém, como já adiantado, embora conhecessem o desdobramento do grande mandamento nas duas ordens referidas por Cristo, a conspiração farisaica serve ao autor como demonstrativo da condição caída em que se encontra tanto os interlocutores do Messias, quanto todo aquele a quem ainda não foi revelado o Reino, na pessoa do Filho de Davi: Jesus, o Cristo de Deus, tema da segunda cena.
Assim, o fato de os fariseus e escribas não terem conseguido responder como seria possível que o Filho de Davi fosse seu Senhor, como consta no salmo 110.1 citado por Cristo, denuncia sua alienação do Reino dos céus: ainda que soubessem o resumo da Lei, não conheciam seu fundamento, que é Cristo (cf. Rm 10.4).
Com isto é mente, o tema central sintetizado na presente perícope é o Messias como cumprimento da Lei e das Escrituras.
Elucidação
A estrutura narrativa elaborada pelo autor na presente perícope, pode ser observada a partir do seguinte esboço textual: Mateus 22.34-45: O Messias como cumprimento da Lei: 1) A síntese da Lei e da exigência divina nas Escrituras (vs.34-40); 2) O Messias como herdeiro da casa real de Davi: o cumprimento e fundamento da Lei (vs.41-46), as quais passaremos a analisar pormenorizadamente.
1) A síntese da Lei e da exigência divina nas Escrituras (vs.34-40).
A sobreposição das duas cenas registradas no presente relato, foi intencionalmente arranjada pelo autor, a fim de que um quadro geral fosse exibido aos leitores/ouvintes, quadro esse que exibe algo que faltava aos inquiridores de Cristo.
Nos versículos 34 e 41, o conselho dos fariseus é destacado, reenfatizando o centro temático desta seção do evangelho de Mateus. A oposição ao Reino por parte dos anciãos dos povo, prepara o cenário para o momento da prisão, condenação e crucificação de Cristo, assim como o autor vem fazendo desde 16.21 (e sempre que repete), quando o próprio Senhor menciona que se aproxima o momento de seu martírio, pelas mãos dos que agora estavam procurando ocasião para o surpreender em alguma palavra (cf. v. 15).
Assim como antes, a caracterização dos personagens fornece um pano de fundo apropriado para a compreensão do entrave vigente entre o Senhor e os anciãos. A pergunta vem por parte de um "νομικός" (gr. lit. "intérprete da Lei"), que no contexto, apesar de a expressão também poder ser aplicada a um escriba, sugere que o inquiridor era um fariseu que havia se dedicado ao estudo da Lei, isto é, um dos anciãos que era versado ou profundo conhecedor (embora, talvez, não tecnicamente, como era o caso do escriba) do Texto Sagrado.
Essa informação enfatiza o aspecto de apego do homem à Lei, embora, como provado pela justaposição do texto à seção seguinte, isso não redunde no conhecimento salvador fornecido pela Lei que aponta para o Messias.
O questionamento feito é: "qual é o grande mandamento na Lei?". A pergunta, como introduzido, é construída de maneira ambígua, podendo tanto referir-se ao espírito da Lei, isto é, qual seria o sentido ou ênfase de toda a Lei Divina, ou, à um grande mandamento que sintetiza toda legislação direcionada pelo SENHOR ao seu povo. Todavia, qualquer que fosse o caso, a expectativa daquele homem era que Cristo resumisse a Lei de uma forma diferente daquela recebida pelo povo de Deus, ou seja, o homem buscava saber se havia em Cristo alguma desconformidade entre sua interpretação da Lei (que acredita ser adequada à tradição recebida e legada ao povo), e a de Cristo.
Segundo o relato de Mateus, Cristo responde a pergunta citando dois textos do Pentateuco: Deuteronômio 6.5 e Levítico 19.18. Ambos os texto explicitam o compromisso esperado daqueles que gozam do relacionamento pactual com o SENHOR.
Levando em consideração a narrativa paralela de Marcos 12.28-34, uma diferença ocorre na presente passagem que serve de ponte para cena seguinte. Marcos inicia a fala de Cristo apontando que o mesmo citou o preâmbulo da ordenança, conforme ocorre em Deuteronômio 6.4: "Ouve, ó Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único Senhor!". Essa introdução, assim como em outras passagens, aponta para o caráter redentivo ou salvador de Deus como libertador do seu povo, e, portanto, como único digno de ser adorado e a quem o povo devia obedecer, como ocorre de maneira semelhante no preâmbulo dos Dez Mandamentos: "Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão" (Êx 20.2).
Em Mateus por outro lado, o acréscimo é encontrado no final da citação dupla, quando Cristo diz que "destes dois mandamentos, dependem (gr. "κρεμάννυμι" lit. = "suspenso", "destacado") toda a Lei e os Profetas" (v. 40). Jesus responde a pergunta do fariseu, sintetizando todos os mandamentos da Lei naqueles que referenciam o dever máximo do homem para com Deus, inclusive em seu tratamento para com o próximo. Se observados esses mandamentos, toda a Lei seria obedecida.
Nesse ponto, a conexão feita pelo autor entre as cenas, evidencia uma perspectiva que aprofunda a noção apresentada pela resposta de Cristo, qual seja: apenas mediante o reconhecimento do Filho de Davi como cumprimento da Lei, fruir-se-á a benção redentiva que garante a absolvição para os que, com ela (i.e. A Lei, tendo em vista que reflete o caráter do próprio SENHOR) foram reconciliados, e trazidos ao relacionamento com Deus. O que nos leva à segunda cena.
2) O Messias como herdeiro da casa real de Davi: o cumprimento e fundamento da Lei (vs.41-46).
A descrição ou comentário narrativo que inicia a cena seguinte, é semelhante ao início da anterior, em que é mencionada uma nova reunião dos fariseus (v.41). Não obstante, é Cristo quem desta vez dirige uma pergunta: "Que pensais vós do Cristo? De quem é filho?" (v.42). Apesar de o termo "Cristo" citado pelo Senhor, também ser parte de seu nome, é necessário lembrar que também era um título atribuído ao Messias, sobretudo ressaltando seu caráter real, como é referendado pela resposta dos fariseus, na sequência: "Responderam-lhe eles: De Davi".
A inquirição realizada por Cristo está baseada no papel de rei a ser exercido pelo Salvador prometido pelas Escrituras do Antigo Testamento, o que inclui o salmo citado após Cristo novamente questionar os anciãos quanto a implicação aparentemente estranha a que conduz a lógica da resposta dos fariseus: se o Cristo é Filho de Davi:
Mateus 22.43–44 ARA
Replicou-lhes Jesus: Como, pois, Davi, pelo Espírito, chama-lhe Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés?
É possível que o Messias, sendo enviado da parte de Deus, o Pai, estando numa relação de igualdade com o próprio SENHOR, ao ponto de o salmista referir-se a ele usando a mesma devoção que é direcionada ao próprio Deus (numa que, embora não aceitem os anciãos de Israel, o Messias é da mesma substância do Pai), seja tanto filho de Davi quanto seu Senhor?
Neste ponto, a tensão entre o pensamento de Cristo e o dos fariseus é revelada, e o ponto conectivo entre a presente cena e a antecedente também. Segundo Cristo deseja expor, o Messias é Filho de Davi, no sentido de que pertence à linhagem real referida por Deus no pacto davídico; linhagem que ao atingir seu apogeu com a chegada do Rei prometido, também haveria de proporcionar a execução do plano redentivo elaborado e prometido pelo SENHOR ao longo de todas as Escrituras. O que fora prometido na Lei e nos Profetas é cumprido no Messias.
O grande mandamento da Lei (i.e. amar a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo), estabelece aquele requisito de perfeição exigido por Deus de seu povo. Entretanto, tal determinação não poderia ser perfeitamente satisfeita por qualquer do povo, senão por aquele que, cumprindo as Escrituras, sendo ele o Filho de Davi, e portanto, herdeiro da casa real do próprio SENHOR, se assente no trono, donde executará a salvação como o mediador que garantirá o cumprimento de todas as palavras exprimidas por Deus a respeito de seu plano histórico-redentivo, como dito.
Diante dessa compreensão, nota-se que o argumento trabalhado pelo escritor torna-se cíclico e mutuamente dependente: A Lei determina exigência de todo aquele que se achega ao relacionamento com Deus, entretanto, a mesma só pode ser cumprida pelo ente enviado da parte do Pai, como herdeiro de seu trono, que é constituído Senhor sobre Davi e todo aquele que crê nele como o Rei Prometido a fim de encaminhar seu povo ao Reino Eterno a ser publicado, e este ente é Cristo, aquele estava diante dos fariseus, mas não era visto por eles como tal.
Como é exibido no versículo 46, a incredulidade dos fariseus lhes impossibilita ter acesso a essa verdade, e assim, "ninguém (i.e. nenhum dos anciãos) lhe podia responder palavra, nem ousou alguém, a partir daquele dia, fazer-lhe perguntas" (v.46). Aqueles homens não viam Cristo como o que ele era de fato: o Messias, Filho de Davi e Salvador prometido na Lei e os Profetas, e portanto não podiam responder a quê Davi referia-se no Salmo 110.1, segundo a interpretação correta implicitamente tecida pelo Senhor Jesus.
Transição
Como já mencionado, as Escrituras apontam que "[...] o fundamento da Lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê" (Rm 10.4). Sem Cristo; sem aquele que foi enviado por Deus para assentar-se em seu trono, governando a tudo e a todos, guiando seu povo à redenção por meio de sua obra, no poder do Espírito, não há cumprimento da Lei, e todos passam a estar submetidos ao jugo desta, que condena todos os homens, ao revelar seus estados de corrupção e rebelião contra o Reino de Deus e de seu Ungido.
Mateus direciona ao seu público a compreensão de que, embora os homens fiem-se em sua moralidade, esta não possui qualquer serventia diante de Deus. É somente a confiança em Jesus Cristo, o Regente da Casa de Davi, que a justificação da Lei é feita, e todo aquele que nele crê, recebe a absolvição necessária para que esteja diante de Deus, sem ser por ele condenado, como será o caso dos próprios fariseus e escribas no capítulo 23.
Com isso, o princípio ensinado pelo autor divino/humano à igreja, consiste na fusão das ênfases das duas cenas narradas no presente texto, qual seja:
Aplicação
O resumo da Lei declara a exigência divina, e nossa falência em cumpri-la. Porém em Cristo, o herdeiro e Filho de Davi, que cumpre toda a legislação do SENHOR, alcançamos graça para ser recebidos no Reino dos céus.
A Lei de Deus é perfeita, e exige perfeição absoluta de todos os homens, pois tudo o que existe, foi trazido a essa condição em submissão ao Deus Triuno e Criador. Entretanto, essa não é a única condição que está presente em nós desde de nosso nascimento: depois da queda, todos os homens nascem impossibilitados de cumprir a Lei, tanto por uma inerente incapacidade de aquiescer à vontade de Deus, quanto por uma volição imunda que brota em seus corações, afastando-os do caminho direito.
Essa condição, precipita todos os homens para o abismo da condenação, não havendo meio em si mesmos de alterar essa marchar fúnebre. Os fariseus, embora tivesse um correto entendimento de qual era o grande mandamento, não viam Cristo como o Filho de Davi, algo feito pelo povo anteriormente (cf. 21.1-11), o que lhes identificava não como cumpridores da Lei, como pensavam, mas como condenados por ela. Declarando amor a Deus e ao próximo, em sua rebelião contra o Messias, asseveravam na verdade sua condenação e inconformidade com a legislação da qual falavam.
Tal é a condição dos que, sem o poder do Espírito, voltam-se contra Cristo, não o reconhecendo com o Senhor de Davi, e o amor a Deus, o qual dizem ter, na verdade nunca foi por eles conhecido. Como salienta Ryle:
Meditações no Evangelho de Mateus A Questão do Grande Mandamento; A Pergunta de Cristo a Seus Inimigos (Leia Mateus 22.34–46)

Já nascemos pecadores e, corno pecadores, temos medo de Deus. Como, então, é possível amá-lo? Jamais poderemos amar realmente a Deus enquanto não estivermos em paz com ele, por intermédio de Cristo. Quando soubermos que nossos pecados estão perdoados, e que nós mesmos estamos reconciliados com nosso santo Criador, então, e só então, haveremos de amá-lo, e teremos em nós o espírito filial de adoção. A fé em Cristo é a verdadeira fonte do amor a Deus.

Amar a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos, somente será possível, verdadeiramente, quando reconhecermos em Cristo a nossa salvação, naquele que, cumprindo a Lei e os Profetas, rege o universo, e nos guia aos pastos verdejantes, conforme disse Davi no Salmo 23.2.
Mateus constrói e direciona ao seu público a imagem do Cristo vencedor, triunfante, herdeiro da casa de Davi, que enfrenta a oposição de homens perversos que os conduzirá ao martírio, para que vejam que a senda tortuosa trilhada pelo Messias, é a mesma proposta à sua igreja. Por meio dessa imagem, o autor divino/humano reforça para a igreja o papel redentivo do Salvador; aquele que absolve pecadores da condenação da Lei.
Conclusão
A Lei é perfeita. Nós não. Alguém precisa cumpri-la, para que sejamos agraciados com o favor do Rei. Porém, ninguém pode fazê-lo. Aprouve ao próprio Rei fazer-se homem, e cumpri-la para nós e por nós. O Filho de Davi nos torna seus filhos, e abre as portas de seu Reino, para que condenados sejam salvos e gozem da benção de ter seu Pai como nosso Pai, e assim aguardamos que o Senhor coloque todos os inimigos de nosso Senhor, por escabelo de seus pés.
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