Mateus 23.1-12
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 10 viewsO autor desenvolve a temática da censura de Cristo contra o moralismo vaidoso farisaico, sobre a ótica da via dolorosa messiância por meio da qual a igreja é unida a Cristo no sofrimento, e consequentemente, na exaltação.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após narrar a disputa entre Cristo e os anciãos de Israel, quando estes, com perguntas ambíguas e más intenções, quiseram apanhar o Senhor nalgum erro, tendo ele triunfado em cada pergunta, demonstrando o Reino de Deus e ao mesmo tempo, o coração cego e nefasto daqueles homens, Mateus dá continuidade à alternância no diálogo do final do capítulo 22, em que o Senhor é quem dirige perguntas aos anciãos; perguntas que ficam sem respostas, pois os fariseus não viam no Messias, o Filho de Davi, o cumprimento do grande mandamento da Escritura, do qual "dependem toda a Lei e os Profetas" (cf. 22.40).
Agora, Cristo dirige-se às multidões e aos seus discípulos (cf. v.1), demonstrando (como o autor registra noutras partes do texto) a hipocrisia maligna dos anciãos de Israel, que apenas almejavam "serem vistos pelos homens" (cf. 23.5 ref. 6.5), exibindo apego a Lei, tornando-se, entretanto, réus dela, como agora será publicado pelo Senhor em sua censura aos mesmos.
A centralidade temática do trecho consiste noutra demonstração do evangelista, de uma das fontes da antagonia dos homens ao Senhor e ao Reino dos céus: a vaidade de serem vistos como justos, mesmo em suas obras malignas, apegando-se à moralismos.
A persistência do autor nessa temática, explicita o desejo de que a comunidade judaica presente na igreja de Roma (lugar para onde o evangelho foi endereçado), compreendesse que os rudimentos da percepção farisaica com os quais estavam familiarizados, não representavam a nova vida a que foram chamados com a chegada do Reino dos céus em Cristo. Aos gentios, a mesma ênfase é um demonstrativo de graça, pois certamente não foi por meio do moralismo que obtiveram o favor do Senhor que os inserira no Reino. O inimigo não é a Lei ou os princípios que dela emanam, mas a tendência constante no coração humano de buscar justificar-se por meio dela, conforme denunciado por Cristo na presente passagem do evangelho.
Além disso, às vésperas da crucificação, o autor também exibe o moralismo como fonte da antagonia dos ímpios contra os discípulos de Cristo: o Reino dos céus, expandido e pregado pela igreja, denunciará a vaidade dos homens, o que por sua vez os fará perseguir o povo de Deus, tal como aconteceu com o próprio Senhor Jesus.
Assim, avançando na narrativa evangélica redigida por Mateus, na qual segue demonstrando a oposição e crescimento do conflito contra o Messias no estabelecimento do Reino, conforme visto nesta sexta seção de seu texto, a ideia central do presente trecho consiste na censura de Cristo à vaidade moralista, e o uso desta no curso de sofrimento-exaltação da igreja.
Elucidação
Como já colocado, esta não é a primeira vez que o Senhor Jesus Cristo expõe e condena a hipocrisia dos anciãos do povo, que se avessavam à sua mensagem de publicação do Reino. Entretanto, é necessário ver esta próxima censura de Jesus contra os fariseus, a partir do contexto proximal em que se encontra, isto é, o momento em que ele seria entregue aos principais sacerdotes e escribas, "para ser escarnecido, açoitado e crucificado; mas ao terceiro dia, ressurgirá" (cf. 20.19).
À luz de todo o capítulo 23, e tendo em vista o anúncio da destruição do templo e dos sinais que antecedem o retorno de Cristo (cf. caps 24 à 25), a rivalidade alimentada no coração daqueles homens é revelada neste início do capítulo (e pela reincidência da temática), como parte do plano redentivo através do qual o Filho de Deus seria conduzido ao martírio que culminaria com a execução da salvação prometida pelo SENHOR em todas as Escrituras, como apresentado ao final do capítulo 22 (cf. 22.34-46).
Em face disso, Mateus, muito didaticamente, apresenta aquele principio mimético que une a igreja de Cristo ao próprio Senhor pelo sofrimento, e consequentemente, pela glorificação.
A presente passagem não consiste mais em somente outra demonstração de como o coração dos homens (em seu estado natural) está impedido de ter acesso ao Reino, mediante a privação da fé para crer em Cristo, tendo o legalismo como instrumento operador do erro, mas de uma indicação de que a antagonia que a igreja enfrenta, é a aquela mesma ferramenta usada pelo Pai na condução de seu próprio Filho pelo caminho doloroso que o guiou à exaltação.
É preciso, todavia, compreender que, não está pressuposto algum tipo de equiparação entre Cristo e os cristãos, de maneira que ocorre com estes, exatamente a mesma coisa que aconteceu com o Senhor. O evangelho, isto é, a obra redentiva sacrificial prometida e profetizada desde o Antigo Testamento, só foi operada na Segunda Pessoa da Trindade, e está restrita, em termos de execução, apenas à ela (tendo o Pai o enviado, e o Espírito confirmado, por seu poder, o ministério dele). Todavia, anexo ao percurso da igreja neste mundo, há uma analogia conjuntiva entre o percurso messiânico e a marcha da igreja, que tem como referencial a narrativa do curso de Cristo até o calvário e de lá, ao trono dos céus.
Mateus está lidando com crentes que, em Roma, estão sendo perseguidos e hostilizados por causa de sua fé, e embora já tenha apresentado esse tema anteriormente, ao passo que se aproxima o momento em que precisa narrar a paixão do Senhor Jesus, junge a isso a perspectiva que os crentes devem ter quanto a razão das lutas e adversidades que enfrentam por causa da confissão de sua fé.
A narrativa evangélica desenvolvida por Mateus, registra não somente a base sobre a qual repousa a fé que aqueles irmãos agora professavam, isto é, narra não somente o evento remidor da encarnação-vida-morte-ressurreição do Messias, Jesus Cristo, mas também o princípio de que a igreja de Deus ingressa pela mesma via crucis, através da qual o sofrimento é usado por Deus como ferramenta publicadora de seu triunfo sobre seus inimigos.
Em que pese todo esse contexto de referência entre a obra de Cristo e o viver cristão pelo qual deverão passar todos os que confessam o Senhor como o Filho de Davi e Salvador Prometido, a presente advertência tanto clarifica o porquê de estarem os cristãos sofrendo tanta perseguição (por serem testemunhas do Senhor que fora perseguido, mas estava exaltado sobre tudo e todos), quanto exorta os crentes contra a hipocrisia travestida de cumprimento legal que exalavam os fariseus e escribas.
O texto inicia-se com a descrição de Cristo dirigindo-se às multidões e à seus discípulos (v.1). A preocupação do Senhor agora é exortar seus seguidores a não copiarem o procedimento fingido dos anciãos de Israel, mas de perceberem o real uso da Lei no processo de vivificação iniciado pelo Espírito ao ter revelado-lhes o Pai, e o Mestre (vs. 8,9 e 10).
Os escribas e fariseus assentavam-se na cadeira de Moisés, isto é, arrogavam para si a transmissão perfeita da Lei, mas na verdade, usavam a legislação divina para promoverem-se como "perfeitos". O caráter hipócrita daqueles homens mostrava o quanto estavam esvaziados do genuíno desejo de refletirem o sentido da Lei; ao invés disso, apontavam um caminho que não queriam verdadeiramente percorrer (cf. 4).
Se no longo discurso a partir do qual interpretou corretamente a Lei (i.e. o Sermão da Montanha - cf. 5.17-48), Cristo demonstrara a falha dos anciãos de Israel em guardarem os mandamentos do SENHOR, agora, ele expande ainda mais aquele ensino, na forma de uma censura contra os anciãos. O mal dos escribas e fariseus não se trata simplesmente de um erro de compreensão da Lei, e sim, da prevalência da vaidade em seus corações sobre qualquer inclinação à piedade.
O erro não estava no mandamento: de fato, o que eles ensinavam constava na Lei, ou partia de uma leitura dela, e por isso, o próprio Cristo diz: "Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem"(v.3). Mas, com base na legislação divina, os anciãos "atavam fardos pesados"(v.4), isto é, criavam interpretações que tornavam a Lei quase impraticável, buscando elevar a percepção dos que os rodeavam quanto à sua santidade. Nada obstante, nem eles mesmos se empenhavam em cumprir a Lei de Moisés.
A base do legalismo farisaico era a promoção de um modo de vida impossível de ser executado, e com isso, aqueles que os ouviam, pensavam que os tais assim viviam, sem terem ideia de que a Lei era apenas um instrumento de exaltação pessoal; a Lei era usada como um estandarte, o qual após carregar e atrair atenção para si, lançavam para longe, como diz o próprio Cristo:
Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los. Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas. Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens.
Porém, assim como o Senhor havia dito em 5.20, a justiça de seus discípulos deveria contrastar com a dos fariseus e escribas, pois agora, tendo sido chamados ao Reino, a Lei - com a qual possuem um relacionamento completamente novo; não apenas de não condenados por ela, mas de conformados por ela à imagem do próprio Messias - expressam a redenção que receberam por meio de um sentimento exatamente oposto ao dos fariseus: humildade. Enquanto os anciãos amavam ser chamados de "mestres", os discípulos veriam-se como irmãos; enquanto aqueles homens bajulavam-se, chamando-se "pais" ou "guias", os cristãos olhariam para o Pai e seu Cristo, sendo este o Guia que os levaria ao Reino dos céus.
A comunidade para a qual Mateus está escrevendo deveria, ao lembrar-se desses princípios, manter-se distante da tentação de, sob o fogo da perseguição, assumirem o legalismo ou moralismo como forma praticar a fé que receberam do Espírito. O fogo das adversidades não deveria enrijecer a compreensão deles do Reino, tornando-os áridos praticantes de um conjunto de normas ou regras que usariam para sobrepor-se uns aos outros ou aos próprios descrentes.
O caminho cristão esperado dos que foram chamados ao Reino por Cristo, não era a resposta legalista ou moralista, e sim, a humildade, que os faria permanecer no caminho do serviço mútuo, por meio do qual auxiliariam uns aos outros no percurso ao longo deste mundo, até a publicação do Reino dos céus, com o retorno do Rei - Cristo Jesus.
Por isso, as duas exortações finais do Senhor Jesus, expressam essa noção:
Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado.
Transição
A exortação acentuada contra o legalismo, nutrida agora pela noção de anexo da caminhada cristã à via dolorosa do Messias (e.g. sob o fogo da perseguição), como reflexo do chamamento dos crentes ao Reino, tendo em vista a proximidade da crucificação do Senhor, abre o locus principiológico ensinado pelo autor ao seu público, e direcionado à igreja de Deus, a partir dos seguintes pontos de aplicação:
Aplicações
1. A vaidade dos homens, ferida pela obra do Espírito que nos conforma à imagem de Cristo por meio da Lei, sempre despertará em seus corações a antagonia que os fará perseguir o povo de Deus, tal como foi com o próprio Cristo.
À luz das passagens anteriores, vimos que os ímpios estão em constante conluio contra Cristo, e como não podem atingí-lo, se voltarão contra a igreja; contra o povo de Deus. Entretanto, além da rebelião natural do coração humano contra Deus e seu Reino, há no coração do ímpio uma vaidade hipócrita, que inspira em seu coração um tipo de senso de auto-justificação baseado em ações que considera virtuosa.
A igreja, por outro lado, foi iluminada pela obra de Cristo aplicada pelo Espírito, a fim de perceber que a Lei do SENHOR - a perfeita e incorruptível legislação - não foi criada e entregue aos homens a fim de salvá-los, e sim, para que vissem o quanto estão distantes daquele padrão estabelecido por Deus para que houvesse uma relação entre Criador-criatura, e indicá-los que haveria de vir o cumpridor perfeito dela: Jesus Cristo; unicamente neste e por meio deste, obteriam o favor divino de serem adotados como filho do Altíssimo.
Não obstante, essa compreensão está eivada com o Evangelho, que por sua vez, só pode ser recebido por aquele a quem fora revelado Cristo. Qualquer tipo de indicativo dessa compreensão, se tornará uma denúncia contra uma moralidade falsa, que por sua vez é erigida pelos mundanos, a fim de construírem sua percepção de retidão, objetivando gloriarem-se.
Essa é a outra razão para a perseguição que a igreja sofre: a hipocrisia moralista dos ímpios. Numa que somos conformados à imagem do Filho de Deus, mediante a operação santificadora do Espírito Santo, que aplica em nós à Lei do SENHOR, como instrumento retificador dos nossos corações, ao vivermos em Cristo pela Lei, denunciamos que a confiança dos homens em suas obras é nula, e que na verdade, não passam de fariseus vaidosos, buscando o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras entre os homens.
Mateus, na presente passagem, prepara a igreja para a trilha percorrida por Cristo, pela qual deverá passar todo aquele que professar o Filho de Deus como Redentor. Os homens odiarão a igreja, porque ela lhes lembrar que suas obras são vaidade e hipocrisia.
2. O moralismo e legalismo nunca refletirão o ideal de serviço ao Senhor Jesus, desenvolvido nos discípulos pelo Espírito, servindo estes, apenas para que homens cegos, ceguem-se ainda mais em sua arrogância e prepotência. Em Cristo, somos chamados à humildade e serviço mútuo: marcas dos que entendem que toda glória de nossa salvação da condenação da Lei, está em Cristo.
A síntese do Evangelho consiste na demonstração da incapacidade dos homens de promoverem sua própria salvação.
Se ao olhar para as duas tábuas da Lei, sentimos algum tipo de orgulho baseado em nossos méritos, é sinal que estamos nos parecendo mais com os fariseus a quem Cristo está censurando no texto, do que com seus discípulos. Se alargamos os “nossos filactérios” e exibimos as “franjas de nossas vestes”, isto é, se como pavões, exibimos nossa obediência ao SENHOR, nossa santidade ou senso de piedade, agimos como hipócritas e moralistas.
Estamos todos nivelados debaixo de uma mesma condição de pecado e corrupção, e isso indica que não há absolutamente nada em nós com do qual possamos nos orgulhar diante da Lei, na verdade, se ela tivesse algum uso fora de Cristo para nós, seria o de nos condenar veementemente ao fogo da ira divina.
Se é assim, a manifestação do Reino de Deus em nós dar-se-á por meio da humildade e serviço uns ao outros. Sempre tropeçaremos e falharemos para com o Senhor enquanto estivermos nesse mundo, e ainda não tivermos sido plenamente aperfeiçoados. Por tanto, que vanglória é essa que perseguiríamos, exaltando-nos a nós mesmos por causa de nosso cumprimento da Lei, se sempre falharemos ao confiar em nosso braço para guardá-la?
Thomas Goodwin em sua obra “A Glória do Evangelho” (Glory of the Gospel) afirma:
A totalidade e a essência do cristianismo são, então, que Cristo seja revelado em nós e não apenas a nós; que venhais a ter Cristo mediante aplicação nas vossas almas e para as vossas almas; que Cristo desça até vosso coração [e] então, tudo que, do princípio ao fim, Deus opera salvadoramente em vós é, de uma maneira ou outra, uma manifestação de Cristo em vós. Ou é o conhecimento de sua pessoa, ou é uma conformidade a ele, ou são atitudes apropriadas àquilo que conheceis dele. É ele operando em nós, são operações de Deus em nós, próprias daquilo que está nele (BEEKE, 2016, p.484).
Se tudo é sobre a glória do Deus Triuno operando nossa salvação em Cristo, como poderíamos buscar ser vistos pelos homens, ou nos assentar nos primeiros lugares em nossos ajuntamentos, ou sermos vistos como mestres ou guias da piedade, se nada na Lei diz respeitos a nós, senão que pelo poder do Espírito estamos sendo conformados à imagem do Filho de Deus?
Entretanto, se há algum resquício de moralismo e legalismo em seu coração, lembre-se da advertência final: “Quem a si meso se exaltar será humilhado; e quem ai mesmo se humilhar será exaltado” (v.12). Humilhação e vexame aguarda aquele que olhar para si com o orgulho moralista dos fariseus.
Conclusão
A estrada rumo à glorificação reservada por Cristo para nós é árdua, pois deveremos experimentar o ódio dos homens contra a ética do Reino, que denuncia o legalismo fracassado que tão arrogantemente exibem como troféus que obtiveram por causa de seu moralismo.
Por contraste, a humildade encontrada em nosso coração é a marca de nossa compreensão de que foi unicamente por graça, que agora fomos trazidos ao Reino dos céus, e essa mesma graça nos fará resistir aos açoites dos fariseus de nosso tempo, e chegaremos à salvo no Reino Celestial.
Cristo Triunfa!