Um salvador compassivo - Mc 6.30-44

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Introdução

C. S Lewis, no livro Cristianismo puro e simples, fala sobre desejo, e ele diz algo interessante.
Ele não fala do desejo na perspectiva terrena, que nós conhecemos, mas fala da perspectiva celestial, que também podemos conhecer, por meio das escrituras.
Um desejo, conhecemos porque provamos, outro, conhecemos porque cremos e esperamos.
Em um dado momento do livro ele diz, que as criaturas não nascem com desejos que não possam ser satisfeitos.
Ex: um bebê tem fome, e pra isso existe o seio materno com o leite, um patinho precisa nadar, pra isso tem o lago.
Todas as criaturas nascem com desejos, e para isto existem seus correlatos.
Mas logo vamos descobrir que não podemos ser plenamente satisfeitos com os prazeres terrenos, e a explicação para isso é que provavelmente fomos criados para um outro mundo. Diz Lewis.
Mas se nenhum destes prazeres terrenos satisfazem esse desejo, isso não prova que o universo é uma fraude.
Os prazeres do mundo, existem para sugerir que há uma verdadeira e maior fonte de satisfação.
Diante disso, perceberemos que o mundo em que vivemos pode até nos oferecer prazeres a fim de satisfazer nossos desejos, mas sempre seremos frustrados, porque sempre teremos fome.
Porque somos assim? Porque Deus nos fez assim?
Na escritura podemos encontrar essa resposta.
Genesis 2:7 NAA
Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.
Em Deus o homem passou a ser "nefesh hay yah" ser vivente, ou em outras traduções, alma vivente.
Há uma dinâmica neste texto muito interessante que diz respeito ao ser e ter.
Muitos definem o homem por aquilo que ele tem, mas a escritura define o homem não pelas propriedades que ele tem, mas por aquilo que ele é.
O texto de Gn 2.7 é o tratado bíblico que define o ser humano, não pelo o que ele tem, mas pelo o que ele é.
O homem passou a ser e não a ter, há um abismo de diferenças entre estes dois conceitos.
Dizer, eu tenho um carro, é muito diferente de dizer, eu sou um carro.
Logo, distinguir ser e ter é importante.
Em Gn 2.7, a coisa ganha uma amplitude maior, quando descobrimos que não somos definimos porque temos uma coisa chamada alma, mas porque somos alma.
Só que isso pode ser um problema para nossa cultura ocidental, pois somos alunos da filosofia grega, que vive dividindo o mundo em categorias, mundo espiritual e físico, objetivo e subjetivo.
Se pensas assim, terás muita dificuldade de entender o ser humano.
A Bíblia nos define pela palavra Nefesh, palavra difícil de traduzir, não por sua complexidade, mas pela sua riqueza de significado, é difícil de dizer tudo o que ela significa.
Mas algo que ela pode dizer é que Nefesh designa um órgão do corpo humano, a garganta.
Muitas vezes achamos que a linguagem é sempre feita de abstrações e conceitos, aliás isso que aprendemos na escola.
Todos nós que estamos aqui hoje, conseguimos definir em termos conceituais o que é o homem.
E os filósofos gregos nos ensinaram bem isto.
Para alguns filósofos, o homem é um animal racional, para outros o homem é cidadão político.
A Bíblia diz que somos garganta. Bem mais fácil essa definição.
No nosso dia a dia, temos formas de falar coisas abstratas por meio de simples imagens, a fim de explicar conceitos difíceis de forma simples.
Me deixe exemplificar.
Quando um filho é muito levado e desobedece com frequência, uma mãe diz a outra, seu filho é assim porque você vive passando a mão na cabeça dele.
Isso é trazer uma imagem simples, pra explicar um conceito.
Alguém diz a seu amigo que ele é linguarudo, não tem de ver com o tamanho da língua, mas com o quanto ele é fofoqueiro.
E se eu te disser que quando a Bíblia fala da alma humana, ou do homem, ela também usa imagens simples pra explicar conceitos complexos sobre o que é o homem.
Ex: talvez você esteja aqui agora, concentrado no culto, ou nem tanto, esperando terminar pra poder comer uma boa janta e beber algo bem gelado.
E pra comunicar isso, você fala com a pessoa ao lado colocando a mão na altura do estômago .
O que isso comunica? Que a pessoa está com fome.
E seu eu te disser que o povo judeu, o povo de Deus no tempo bíblico, apontava para a garganta para dizer que estavam com fome?
Porque garganta é o mesmo tempo o significado bíblico para homem, e uma imagem bíblica para fome, necessidade.
Com isso a imagem bíblica se amplia, e podemos inclusive dizer que o texto de Gn 2.7, poderia ser lido assim.
…que Deus fez o homem do pó da terra, e soprou em sua narina o fôlego de vida e o homem passou a ser fome, necessidade...
Ele não passou a ter fome, ou a ter um desejo, mas a ser fome e desejo, tudo que o homem é, é fome, é desejo.
Aquilo que ele tem em termo de fome e desejo é aquilo que a terra pode lhe dar, é tudo o que o plano terreno dá, por isso você tem desejos das coisas da terra.
Mas para Deus você é fome, é desejo, você é sede, e só somos fome e sede de Deus.
Por isso a definição que a Bíblia da do homem não é um conceito da filosofia, você não é um animal racional.
Você é fome por Deus, o problema é que eu e você vivemos buscando saciar nossa fome naquilo que não é Deus.
A pergunta é como resolvemos esta tensão da fome que somos e da dificuldade de saciá-la nas coisas deste mundo?
O texto diante de nós mostra que há uma multidão faminta, que ao encontrar o Salvador compassivo, a compaixão de Jesus o leva a saciar a fome que o homem é.
Olhemos para o texto e veremos como nosso salvador compassivo vem ao mundo e sacia a fome que somos.
Mark 6:30–33 NAA
Os apóstolos voltaram à presença de Jesus e lhe relataram tudo o que tinham feito e ensinado. E ele lhes disse: — Venham repousar um pouco, à parte, num lugar deserto. Isto porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem muitos os que iam e vinham. Então foram de barco para um lugar deserto, à parte. Muitos, porém, os viram sair e, reconhecendo-os, correram para lá, a pé, de todas as cidades, e chegaram antes deles.
Até aqui, Jesus mandou os discípulos irem pregar, curar e expelir demônios, eles voltam a relatar tudo a Jesus, e voltam extremamente cansados, Jesus deseja levá-los a um tempo de descanso.
Mas diz o texto, que isso não seria possível, pois as pessoas vinham de todos os lados por causa de Jesus.
Mark 6:34 NAA
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se dela, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas.
O texto demonstra uma grande multidão que apresenta uma grande fome, isso se dá no texto de duas formas;
Primeira, Jesus diz que eles são famintos, mas fala isso de novo por meio de uma outra imagem.
"Ovelhas sem pastor".
Antes de explicar esse conceito, precisamos entender o que está acontecendo aqui, em Jesus está por se cumprir uma profecia do AT dada por intermédio de Moisés.
Numbers 27:16–17 NAA
— Que o Senhor, autor e conservador de toda vida, ponha um homem sobre esta congregação que saia adiante deles, que entre adiante deles, que os faça sair e que os faça entrar, para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor.
Jesus é este pastor que conduz as ovelhas, mas até aqui o mundo está como ovelhas sem pastor.
Eu sei que naturalmente gostamos de nos comparar a animais mais imponentes e poderosos, mas somos como ovelhas.
Uma ovelha é um animal necessitado de um pastor.
Marcos 4. Compaixão Demonstrada

Nenhum animal é tão dependente quanto a ovelha. Sem ter alguém que a guie, ela se perde, vagueia sem rumo, torna-se comida de lobos, etc. Sem ter alguém que a alimente, ela morre de fome.

Era assim que Jesus via a multidão.
A maneira como Jesus olhou para este povo, implica a maneira como olharemos para a Palhoça e para a região que desejamos plantar igrejas.
A segunda forma de demonstrar a fome da multidão é em sua necessidade física;
Mark 6:35–36 NAA
35 Como já era bastante tarde, os discípulos se aproximaram de Jesus e disseram: — Este lugar é deserto, e já é bastante tarde. 36 Mande essas pessoas embora, para que, indo pelos campos ao redor e pelas aldeias, comprem para si o que comer.
Mas porque Jesus é um salvador compassivo? E como ele apresenta essa compaixão?
O texto nos diz que ao ver a multidão como ovelha sem pastor, e com fome pela tempo que estiveram como ele, se compadeceu.
Talvez os discípulos a viram como um estorvo ao seu descanso. Mas Jesus sente compaixão.
Compaixão é ao mesmo tempo um sentimento, mas é também uma ação em favor do outro.
E Jesus sabendo que somos feitos de fome, que somos fome.
Decide em sua compaixão, saciar a fome destas ovelhas necessitas.
O termo para compaixão é "splagnozomai", essa palavra é usada somente para se referir à compaixão que só Jesus tem.
Essa palavra demonstra que a compaixão é sentida no ventre, ou seja, é como um nó nas entranhas, denota também uma paixão impulsiva em favor de outro.
Compaixão aqui não se parece com nada daquilo que sentimos quando vemos alguém em dificuldade, e sentimos, dó, pena, e muitas vezes viramos o rosto.
Essa compaixão não é conceitual, é encarnacional, o que Jesus sente o leva ao necessitado, o leva ao povo e o vemos ser um salvador compassivo de duas formas:

A compaixão de Jesus, ensina;

Jesus em sua compaixão vê as pessoas sem direção, sem propósito, sem um líder, e ele acolhe a multidão e as ensina.
O ensino de Jesus é resultado de seu amor, a fim de orientar as ovelhas perdidas ao seu aprisco de amor e graça.
Hoje no Ocidente temos o ensino como um tipo de transmissão de informações meramente teóricas.
Alguém disse que: Olhamos para o ensino como dados que servem para os compartimentos do nosso cérebro - nem tanto para o nosso coração.
Daí ser estranho à primeira vista esta ligação entre a compaixão de Jesus e o ensino.
Muitos de nós, quando pensamos na nossa fé pessoal, tendemos a valorizar a nossa experiência subjetiva e menos o ensino que nos foi dado, como se a experiência fosse a coroa do ensino.
No fundo, caímos numa dicotomia que separa o que somos do que sabemos.
Mas este texto bíblico contesta esta dicotomia.
O Senhor não trabalha para divisões na personalidade dos seus filhos: ovelhas perdidas precisam de ser ensinadas em muitas coisas.
Ovelhas perdidas precisam de ser achadas, e o ensino é uma parte fundamental desse processo de achamento.
Por isso somos chamados a pregar o evangelho a todos, porque pelo o ensino do evangelho, os perdido são achados, o salvador é apresentado e recebido por meio da fé.
Jesus ensina porque ama. O cristianismo deve ter a mesma consciência de que ensinar é amar.
John 10:27 NAA
As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem.
A melhor forma de expressar a compaixão por alguém é pregando o Evangelho.
Pois somente o evangelho ensina que a fome que o homem é, não terá satisfação nas coisas do mundo, não terá satisfação em uma vida de pecado, nos desejos da carne.
Mas naquele que criou o mundo, naquele que como criador do mundo, se fez carne, habitou entre nós, e o vemos como um salvador compassivo.
Jesus ensina, porque a escritura é ensino para salvação, porque o Evangelho é o poder de Deus, porque a escritura é tão poderosa para dar vida ao homem, como o fôlego de vida soprado no homem em Gn 2.7.
Alguém certa vez disse, que o vazio do homem é do tamanho de Deus.
Seu marido, não é do tamanho de Deus, seu dinheiro não é do tamanho de Deus, seus sonhos não são do tamanho de Deus, você não é do tamanho de Deus.
Nada na terra é do tamanho de Deus, mas Jesus Cristo o Deus encarnado, o Salvador compassivo, demonstra em si, que Deus vem até nós para saciar a fome que somos, com a sua própria vida em nós, por meio do Espírito Santo.
Jesus é o pastor que nos conduz ao aprisco, que nos direciona, que alimenta.
Precisamos nos alimentar da palavra de Deus, ela é alimento que mata nossa fome por sentido, significado, lâmpada para os pés e luz para o caminho que nos mostra, Jesus, o Salvador compassivo.
Mas a compaixão de Jesus continua sendo demonstrada.
Agora temos um povo com necessidade física, com fome.

A compaixão de Jesus, sacia a fome.

Pra além de ovelhas sem pastor e as necessidades que implicam essa imagem, as pessoas agora, depois de ouvirem a Jesus, tem fome.
Os discípulos se preocupam, há um misto de prudência com incredulidade.
E Jesus choca os discípulos e a nós.
Mark 6:37–38 NAA
Jesus, porém, lhes disse: — Deem vocês mesmos de comer a eles. Mas eles disseram: — Iremos comprar duzentos denários de pão para lhes dar de comer? E Jesus lhes disse: — Quantos pães vocês têm? Tratem de descobrir! Eles foram se informar e responderam: — Cinco pães e dois peixes.
O que temos nessa cena?
5 mil homens famintos, porém se considerarmos homens casados com filhos, podemos chegar em cerca de 20 mil pessoas.
O lugar era deserto, não haviam cidades próximas onde comprar pão, não havia recursos financeiros para tal.
Era difícil para eles, e seria ainda hoje um desafio de fé e mais ainda um desafio logístico.
Mark 6:39–44 NAA
Então Jesus lhes ordenou que todos se assentassem, em grupos, sobre a relva verde. E eles o fizeram, repartindo-se em grupos de cem e de cinquenta. Jesus, pegando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos para o céu, os abençoou. Depois partiu os pães e os deu aos seus discípulos para que os distribuíssem. E também repartiu os dois peixes entre todos. Todos comeram e se fartaram, e ainda recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe. Os que comeram os pães eram cinco mil homens.
Os discípulos encontram 5 pães e 2 peixes.
Jesus ordena a organização do grupo, e numa cena simples, porém incrível, olha para o céus e abençoa os alimentos.
E aqui mais uma vez, vemos que aquele homem compassivo, não é apenas um homem bom, mas é o Deus encarnado, o criador e sustentador de todas as coisas.
Pois o milagre aponta para o poder criacional de Jesus, ele multiplica de forma milagrosa pães e peixes para saciar a fome da multidão.
A compaixão de Jesus é integral, orienta a mente, alimenta o corpo, e supre as necessidades espirituais.
Esse milagre não se encerra no alimento multiplicado, mas aponta para algo muito superior.
No milagre em questão, vemos uma figura de como Jesus, o salvador compassivo, daria a si mesmo como o pão da vida para um mundo faminto.
Seu corpo seria quebrado para que outros pudessem ter vida eterna.
Aliás, as palavras usadas são altamente sugestivas, pois lembram as mesmas empregadas na ceia do Senhor: tomou, abençoou; partiu e deu.
Jesus em sua compaixão, seja ensinando, seja dando de comer, sempre nos conduzirá a olhar para sua obra na cruz.
Como disse no início, a bíblia define o homem como fome.
E a fome que somos, só encontrará satisfação no Salvador compassivo, Jesus Cristo, como palavra que alimenta e como pão vivo que sacia a fome.
Se deu por nós, partiu seu corpo, moeu sua carne, e nos chama para participar de seu corpo e seu sangue.
Em outras palavras, Cristo em sua compaixão se apresenta como o único alimento que precisamos para de uma vez por todas pararmos de desejar nutrir nossa alma com as migalhas do mundo.
Venha a Cristo, pois nele todos comem e ficam satisfeitos eternamente.
Como discípulos e igreja;
a. Somos desafiados a sermos compassivos como Jesus.
b. Somos desafiados a dar de comer (compartilhar Jesus como verdade que direciona e pão que alimenta para a eternidade)
c. A igreja está para o mundo assim como os discípulos estavam para a multidão, repartindo o alimento.
Será que Cristo pode contar conosco, mesmo em meio ao cansaço, ou em interromper nosso descanso para atendermos a cidade com sua multidão carente de direção e alimento?
SDG
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