ATRIBUTOS INCOMUNICÁVEIS E COMUNICÁVEIS
Quando examinamos a distinção entre os atributos comunicáveis de Deus e os atributos incomunicáveis, é importante notarmos que Deus é um ser simples; em outras palavras, ele não é constituído de partes. Temos partes corporais distintas – dedos, intestinos, pulmões e assim por diante. Deus é um ser simples no sentido de que ele não é complexo. Falando teologicamente, Deus é seus atributos.
A simplicidade de Deus também significa que seus atributos definem uns aos outros. Dizemos, por exemplo, que Deus é santo, justo, imutável e onipotente, mas sua onipotência é sempre uma onipotência santa, uma onipotência justa e uma onipotência imutável. Todos os traços de caráter que podemos identificar em Deus também definem sua onipotência. Pelo mesmo indicativo, a eternidade de Deus é uma eternidade onipotente, e sua santidade é uma santidade onipotente. Deus não é uma parte santidade, outra parte onipotência e outra parte imutabilidade. Ele é totalmente santo, totalmente onipotente e totalmente imutável.
A diferença suprema entre Deus e os outros seres está no fato de que as criaturas são derivadas, condicionais e dependentes. Deus, porém, não é dependente. Ele tem o poder de ser em e de si mesmo; não deriva de nada. Este atributo é chamado asseidade de Deus, palavra derivada do latim a sei, que significa “de si mesmo”.
A Escritura nos diz que em Deus “vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.28), mas, em nenhuma passagem, somos informados de que Deus tem seu ser no homem. Ele nunca precisou de nós para sobreviver ou ser, enquanto nós não podemos sobreviver por um instante sem o poder do ser de Deus sustentando nosso ser. Deus nos criou, e isso significa que desde a nossa primeira respiração somos dependentes dele para nossa existência. O que Deus cria ele também sustenta e preserva; portanto, somos dependentes de Deus para nossa existência contínua, como o fomos para a nossa existência original. Esta é a diferença suprema entre Deus e nós. Deus não tem dependência de nada fora dele mesmo.
Os atributos incomunicáveis de Deus nos mostram a maneira como Deus é diferente de nós e a maneira em que ele nos transcende. Seus atributos incomunicáveis revelam por que lhe devemos glória, honra e louvor. Geralmente, nos levantamos e damos elogios a pessoas que nos excedem por um momento e, depois, não as ouvimos mais. Contudo, aquele que tem o próprio poder de ser em e de si mesmo eternamente, de quem cada de um nós é totalmente dependente e a quem devemos gratidão eterna por todo fôlego de ar que respiramos não recebe a honra e a glória de suas criaturas, a honra e a glória que ele merece tão ricamente. Aquele que é supremo merece a obediência e a adoração daqueles que criou.
As Escrituras dizem que Deus é santo. O vocábulo santo, conforme usado na Bíblia para descrever a Deus, se refere tanto à sua natureza quanto ao seu caráter. Primariamente, a santidade de Deus se refere à sua grandeza e à sua transcendência, ao fato de que ele está acima e além de qualquer coisa no universo. Neste sentido, a santidade de Deus é incomunicável. Somente ele em seu ser transcende todas as coisas criadas. Secundariamente, a palavra santo, conforme aplicada a Deus, se refere à sua pureza, sua absoluta excelência moral e ética. Isto é o que Deus tem em mente quando ordena a suas criaturas: “Sede santos, porque eu sou santo” (Lv 11.44; 1 Pe 1.16).
As Escrituras nos dizem que Deus é amor (1 Jo 4.8, 16). O amor de Deus é descritivo de seu caráter; é um de seus atributos morais e, por isso, é uma qualidade que não pertence somente a Deus, mas é comunicada a suas criaturas. Deus é amor, e o amor é de Deus, e todo aquele que ama no sentido do amor agapē, do qual a Escritura fala, é nascido de Deus.
A bondade de Deus é outro atributo moral que somos chamados a imitar, embora as Escrituras apresentem uma descrição desagradável de nossa capacidade de praticar bondade.
Os teólogos fazem uma distinção entre a justiça ou retidão interna de Deus e a justiça ou retidão externa de Deus. Quando Deus age, ele sempre faz o que é correto. Em outras palavras, Deus sempre faz aquilo que se conforma com sua justiça. Na Bíblia, a justiça é distinguida de misericórdia e graça.
Há duas categorias universais: justiça e não justiça. Tudo que está fora do círculo de justiça está na categoria de não justiça. Mas há diferentes tipos de não justiça. A misericórdia de Deus está fora do círculo de justiça, é um tipo de não justiça. Também nesta categoria está a injustiça. Injustiça é má; um ato de injustiça viola princípios de retidão. Se Deus fizesse algo injusto, estaria agindo com injustiça. Abraão conhecia a impossibilidade disso quando falou: “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). Porque Deus é um juiz justo, todos os seus julgamentos são de acordo com a retidão; portanto, ele nunca age de uma maneira injusta. Deus nunca comete injustiça.
No entanto, pessoas ficam confusas quando consideram isto em relação à misericórdia e à graça de Deus, porque graça não é justiça. Graça e misericórdia estão fora da categoria de justiça, mas não estão dentro da categoria de injustiça. Não há nada errado em Deus ser misericordioso; não há nada mau em ele ser gracioso. De fato, em um sentido, temos de ampliar isto. Embora justiça e misericórdia não sejam a mesma coisa, justiça está ligada à retidão, e a retidão pode incluir, às vezes, misericórdia e graça. A razão por que precisamos distinguir entre elas é que justiça é necessária à retidão, mas misericórdia e graça são ações que Deus realiza espontaneamente. Deus nunca está sob a exigência de ser misericordioso ou gracioso. No momento que pensamos que Deus nos deve graça ou misericórdia, não estamos mais pensando em graça e misericórdia. Nossa mente tende a tropeçar nesse ponto porque confundimos misericórdia e graça com justiça. Justiça pode ser devida, misericórdia e graça são sempre espontâneas.
Provérbios nos diz que o temor do SENHOR é o princípio da sabedoria (Pv 9.10). Para os judeus, a própria essência da sabedoria bíblica se achava em viver piedosamente e não em conhecimento inteligente. De fato, o Antigo Testamento faz uma distinção entre conhecimento e sabedoria. Somos instruídos a obter conhecimento, mas, acima de tudo, somos instruídos a obter sabedoria. O propósito de obter conhecimento é tornar-se sábio no sentido de saber como viver de uma maneira que agrada a Deus. Deus nunca faz decisões tolas ou se comporta de maneira insensata. Não há insensatez no caráter ou na atividade de Deus.