O Poder Transformador do Evangelho e a Formação da Igreja em Filipos
O chamado de Deus é claro, mas as providências de Deus nem sempre o são. Nem sempre é da vontade de Deus nos levar a lugares de bonança. Muitas vezes, ele nos põe no meio da tempestade. Nem sempre Deus fala conosco através do vento suave. Muitas vezes, ele faz o seu caminho na tormenta.
Paulo e Silas foram açoitados e presos em Filipos, mas o mesmo Deus que abriu o coração de Lídia e libertou uma jovem possessa, também abriu as portas da cadeia, libertando seus servos e salvando o carcereiro que os encerrara no tronco interior.
1. A conversão de Lídia (16.13,14). É Deus quem toma a iniciativa na conversão de Lídia e quem lhe abre o coração. Não apenas Lídia é convertida, mas toda a sua casa (16.15). E não apenas sua família é batizada, mas sua casa se transforma na sede da primeira igreja da Europa (16.40)
2. A libertação da jovem possessa (16.16–18). A jovem possuída por um espírito adivinhador era escrava tanto do diabo como dos homens gananciosos. É Deus também quem toma a iniciativa na sua libertação e conversão.
3. A conversão do carcereiro (16.27–34). Três milagres aconteceram na conversão desse oficial romano: a) um milagre físico – um terremoto; b) um milagre moral – Paulo disse ao carcereiro: Todos nós estamos aqui; e c) um milagre espiritual – Deus mudou a vida do carcereiro. A conversão do carcereiro desembocou na salvação de toda a sua família (16.33)
1. Deus salva na cidade de Filipos três raças diferentes. Lídia era asiática, da cidade de Tiatira; a jovem escrava era grega; o carcereiro era cidadão romano. A igreja de Filipos era multicultural e multirracial.
2. Deus salva na cidade de Filipos três classes sociais. Na igreja de Filipos temos não apenas três diferentes nacionalidades, mas também três classes sociais diferentes: Lídia era uma bem-sucedida comerciante de púrpura, uma das mercadorias mais caras do mundo antigo. Lídia saíra de Tiatira, cruzara o mar Egeu e fixara residência em Filipos como vendedora de tecido púrpura. A tintura escarlate e violeta aplicada ao tecido fino era obtida da secreção de um molusco que habita a parte leste do mar Mediterrâneo. Já que eram necessários cerca de oito mil moluscos para produzir um grama de tintura púrpura, o tecido era extremamente caro. Os trajes púrpura eram envergados por imperadores e cidadãos comuns como símbolo de status. Em Roma, togas púrpuras eram atreladas às togas senatoriais. Assim, concluímos que Lídia pertencia à classe dos mercadores abastados e era proprietária de uma casa espaçosa (16.15,40). A jovem possessa era uma escrava, e ante a lei não era considerada uma pessoa, mas uma ferramenta viva. O carcereiro era um cidadão romano, membro da forte classe média romana que se ocupava dos serviços civis. Nessas três pessoas estavam representadas a classe alta, a classe média e classe baixa da sociedade de Filipos. William Barclay observa que nenhum outro capítulo na Bíblia mostra tão bem o caráter universal da fé que Jesus trouxe aos homens.
3. Deus salva na cidade de Filipos pessoas de culturas religiosas diferentes. Lídia era prosélita, uma gentia que vivia a cultura religiosa piedosa dos judeus. Como a congregação frequentada por Lídia era composta por mulheres, depreende-se que ali não havia uma sinagoga. Era necessário um quórum de dez homens para que uma sinagoga pudesse ser estabelecida. A escrava vivia no misticismo mais tosco, cativa pelos demônios e possessa. O carcereiro acreditava que César era o Senhor.
o evangelho chega às pessoas com diferentes experiências transformadoras. Destacamos três pontos relacionados:
1. Lídia já era uma mulher piedosa. O evangelho a alcança de forma calma e serena. Enquanto ela participava de uma reunião de oração e ouvia a Palavra de Deus, o Senhor lhe abriu o coração.
2. A jovem escrava era prisioneira de Satanás. Literalmente essa jovem tinha “um espírito de píton”, uma referência à cobra da mitologia clássica que vigiava o templo de Apolo e o oráculo de Delfos no monte Parnasso. Pensava-se que Apolo encarnava na cobra e inspirava as “pitonisas”, suas devotas, dando-lhes clarividência, embora outras pessoas as considerassem ventríloquas. Lucas não se deixa levar por essas superstições, entendendo que a jovem escrava era possessa de um espírito mau. O evangelho a alcançou enquanto ela estava nas garras do diabo. Capacho nas mãos dos demônios, era explorada também pelos homens. Foi uma experiência dramática e bombástica. O diabo escravizava aquela jovem. Ele é assassino, ladrão e venenoso como uma serpente, traiçoeiro como uma víbora, feroz como um leão e perigoso como um dragão. O diabo é o pai da mentira. Estelionatário, promete liberdade, mas ao fim escraviza. Promete prazer, mas só dá desgosto. Promete vida, mas paga com a morte.
O diabo possuiu essa jovem, dando-lhe a clarividência. Ela adivinhava pelo poder dos demônios. O diabo falava pela boca dela. As coisas do diabo parecem funcionar. A moça adivinhava mesmo, e seus donos ganhavam dinheiro. Muita gente teve lucro com o misticismo daquela escrava. O diabo enriquece, mas rouba a alma. O diabo oferece prazeres, mas destrói a pessoa. Quando Paulo exorcizou o espírito que dominava a jovem pitonisa, exorcizou também a fonte de renda daqueles que a exploravam.
Paulo não aceitou o testemunho dos demônios nem conversou com eles; antes, repreendeu o espírito e expulsou o demônio. Conforme Justo González, isso contrasta de forma contundente com o que aconteceu na Europa quando Adolf Hitler ascendeu ao poder. O papa e a cúria receberam notícias das atrocidades cometidas contra os judeus e os inimigos do regime alemão. Porém, para não criar problemas para a igreja, já que Hitler não a estava atacando diretamente, decidiram permanecer em silêncio.
Por que um demônio se engajaria na obra da evangelização? Talvez o motivo final fosse desacreditar o evangelho, associando-o ao ocultismo, nas mentes das pessoas. Hoje, os demônios falam e controlam até o microfone nas igrejas. Paulo libertou aquela escrava do poder demoníaco. O diabo mantém muitos no cativeiro hoje também. Mas, quando o evangelho chega, os cativos são libertos. Concordo com John Stott quando ele diz que, apesar de Lucas não se referir explicitamente à conversão ou ao batismo da jovem, o fato de sua libertação ter acontecido entre as conversões de Lídia e do carcereiro leva o leitor a deduzir que ela também se tornou membro da igreja de Filipos.471
3. O carcereiro era adepto da religião do Estado. O evangelho o alcançou no meio de um terremoto, à beira do suicídio. Deus nos salva de formas diferentes. Por isso não podemos transformar a nossa experiência em modelo para os outros. Embora todas essas três pessoas tivessem experiências igualmente genuínas, cada uma delas vivenciou uma experiência distinta. Todas se arrependeram. Todas foram transformadas.
A conversão de Lídia. A conversão dessa comerciante de Tiatira nos traz três ensinos.
1. Ela era temente a Deus, uma mulher de oração, mas não era convertida. Não basta frequentar a igreja, ler a Bíblia e orar. É preciso nascer de novo.
2. Deus abriu o coração de Lídia. Ela ouviu e atendeu à Palavra. A parte de Deus é abrir o coração; a parte do ser humano é ouvir e atender!
3. A conversão de Lídia aconteceu num lugar favorável. Ela buscava a Deus; o carcereiro não. Ela estava orando; o carcereiro estava à beira do suicídio.
A conversão do carcereiro. A conversão desse funcionário público de Roma nos mostra alguns pontos importantes.
1. Há pessoas que só se convertem após um terremoto, após um abalo sísmico. Há aqueles que não ouvem a voz suave. Não buscam uma reunião de oração. Não procuram ouvir a Palavra de Deus. Para estes, Deus produz um terremoto, um acidente, uma enfermidade, algo radical!
2. O mesmo Deus que abriu o coração de Lídia, abriu as portas da prisão. O carcereiro à beira do suicídio reconhece quatro fatos: a) Ele está perdido: Que farei para ser salvo? Não há esperança para você a menos que reconheça que está perdido. Sem Cristo, você cambaleia sobre um abismo de trevas eternas. Se você não se converter, sua vida é vã, sua fé é vã, sua religião é vã, sua esperança é falsa. b) É preciso crer no Senhor Jesus: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa. Não há outro caminho. Não basta ser religioso. Não é suficiente ter pais crentes. Não importa também quão longe você esteja. Se você crer, será salvo. c) É preciso obediência: Crê no Senhor Jesus. Se Jesus não é o dono da sua vida, ele ainda não é o seu Salvador. Ele não nos salva no pecado, mas do pecado. Marshall escreve: “Jesus é Salvador daqueles dos quais ele é Senhor”. d) É preciso dar provas de transformação. A conversão implica mudança no ponto nevrálgico da nossa vida: Zaqueu, o pródigo; o carcereiro, um homem rude que deixa de ser carrasco para ser hospitaleiro. Deixar de açoitar, para lavar os vergões de Paulo. Deixa de agir com crueldade, para agir com urbanidade. A celebração realizada na casa do carcereiro foi apenas uma expressão externa da alegria interna que toda a família experimentou, por terem crido em Deus (16.34). Citando Crisóstomo, John Stott aponta que o carcereiro lavou os vergões de Paulo e Silas e foi lavado. Ele lavou os vergões dos açoites e foi lavado de seus pecados.474
Charles Spurgeon: “Qualquer tolo é capaz de cantar durante o dia. É fácil cantar quando conseguimos ler a partitura à luz do sol; mas o cantor habilidoso consegue cantar quando não há sequer um raio de luz para iluminar a notas. Os cânticos noturnos vêm somente de Deus; não se encontram ao alcance dos homens”
Apenas suportar o sofrimento não é cristianismo, mas estoicismo e paganismo. O cristianismo transforma vales em mananciais, choro em alegria, dor em prelúdio de consolo, sofrimento em liturgia de adoração.