1Coríntios 12.1-11
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· 28 viewsO autor divino/humano elabora a apresentação dos dons como procedendo do Espírito, o que garante a convicção de que a igreja é alvo da benéfica vontade divina de que se desenvolva espiritualmente.
Notes
Transcript
"[....] Aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos" (1Co 1.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Prosseguindo em suas tratativas a respeito da ordem no culto público, o apóstolo Paulo agora adentra o campo da administração dos dons espirituais na igreja de Corinto, tendo em vista o estabelecimento do princípio que deve guiar cada crente no aproveitamento desses dons, para edificação da igreja do Senhor Jesus Cristo.
Esse princípio é a unidade da igreja, o qual o autor passa a demonstrar através de uma estrutura retórica em que a procedência dos dons espirituais concedidos à comunidade é enfatizada, nesse primeiro momento, como confirmação da presença do Espírito no meio da igreja, apesar da confusão que ocorria em relação ao uso desses dons.
Nos primeiros 11 versículos do presente capítulo, o autor exibe o seguinte arquétipo: nos versículos de 1 a 3, Paulo elabora uma introdução e apresenta a procedência dos dons espirituais como confirmação da obra salvífica de Cristo operada pelo Espírito. A partir do versículo 4 até o 7, o autor argumenta que a diversidade dos dons confirma essa procedência (usando inclusive a própria diversidade e unidade da Trindade como referencial), a qual exemplifica nos versículos de 8 à 10. Por fim, uma conclusão é tecida no versículo 11, ratificando as considerações anteriores e enfatizando a soberania do Espírito na distribuição dos dons e edificação da igreja.
Diante dessas considerações, o texto de 1Coríntios 12.1-11, declara a temática da concessão dos dons espirituais como demonstrativo da presença do Espírito na promoção da ordem e unidade da igreja.
Elucidação
Segundo declarado, a estrutura admoestativa encorpa subseções dentro do texto, cada uma reforçando o ponto central da procedência dos dons a partir do Espírito Santo, visando o aproveitamento dos crentes na iniciativa de consolidar a unidade da igreja e ordenar o serviço de culto. Passemos a abordar os pontos argumentativos da perícope.
1. (vs. 1-3) A procedência dos dons espirituais como confirmação da obra salvífica de Cristo operada pelo Espírito.
Antes de propor uma conceituação básica por meio da qual os cristãos coríntios poderão compreender o uso dos dons como ferramentas de edificação para a igreja, Paulo desejar clarificar para eles que os dons procedem do mesmo Espírito, e são de natureza diferente das manifestações pagãs que outrora viram ocorrer (ou pelo menos que fora divulgado).
Conforme é registrado no versículo 1, o interesse apostólico é que a igreja não seja ignorante (ou ignore, conforme tradução literal do verbo "ἀγνοέω") quanto aos crentes que manifestavam alguns dons. A ausência do termo específico que o autor usa para referir-se diretamente aos dons (i.e. "χάρισμα" cf. v. 4, 9) neste primeiro verso, indica que a palavra "πνευματικός" (trad. "espirituais") está sendo usada para referir-se aos crentes em corinto, ao invés de aos dons especificamente.
Segundo o autor elabora no versículo 2, quando eram pagãos, os crentes viram algumas manifestações milagrosas acontecerem, como a profecia orácular (e.g. Delfos), ou curas em santuários (e.g. Asclépio, Epidauro e Serápis ( este último localizava-se na própria cidade)). Eles foram testemunhas dessas supostas ocorrências sobrenaturais, porque se deixavam "conduzir aos ídolos mudos" (v.2). Todavia, ao testificarem ocorrências semelhantes no meio da igreja, essas ocorrências, executadas por intermédio de alguns crentes, não classificavam estes como ímpios ou idólatras, mas indicava que estavam sendo usados pelo Espírito Santo no uso dos dons por ele ministrados.
Atestando isso, o apóstolo propõe um identificativo que demonstra que os "πνευματικός" (trad. "espirituais") são verdadeiramente crentes:
Por isso, vos faço compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus afirma: Anátema, Jesus! Por outro lado, ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo.
As expressões usadas por Paulo; "anátema, Jesus!" (i.e. "maldito [seja] Jesus!") e "Senhor Jesus!" (i.e. "Jesus [é] Senhor!) não sugerem uma investigação mediante a pronúncia de um mantra ou oração que só pode ser proferida por crentes, no caso da segunda expressão, e sim que é impossível que alguém que manifeste oposição a Cristo, mediante uma vida deliberada de pecado, execute as capacidades espirituais do Espírito, pois não possui a este. Por outro lado, um crente não pode efetuar o uso desses mesmos predicados sobrenaturais, senão pelo Espírito que nele opera.
Essa evidência comprova, por sua vez, que a obra salvadora está em pleno vigor, tanto nos crentes individualmente (tendo estes recebidos dons), quanto na igreja de um modo geral, a fim de que a comunidade tivesse a unidade fortalecida e o desenvolvimento espiritual assegurado.
Não deveria haver dúvida (ou no caso, ignorância) entre os cristãos coríntios em relação aqueles que operavam de acordo com dons, pois estes exibem a grandeza da obra redentiva de Cristo executada neles e através deles, pelo poder do Espírito.
Então, a partir do versículo 4, Paulo amplia o argumento observando a diversidade os dons, usando como arquétipo referencial a própria diversidade e unidade encontrada na Trindade, confirmando assim a procedência a procedência deles.
2. (vs. 4-7) O arquétipo referencial trinitário de diversidade e unidade como base confirmadora da diversidade dos dons como procedendo do Espírito.
O argumento inicial sugere que as ocorrências sobrenaturais que estavam em vigor na igreja de Corinto, executadas por alguns irmãos , provinham do Espírito, o que lhes garantia que tais crentes (i.e. espirituais cf. v.1) não agiam segundo o paganismo, e sim pelo poder do Espírito. Entretanto, como identificar quais dons procedem do Espírito e quais seriam de outra origem, tendo em vista que haviam vários dons sendo manifestos na igreja?
Para sanar esse questionamento, Paulo eleva a atenção dos crentes daquela comunidade à observação da própria Trindade. A estrutura desta seção nomeia cada uma das pessoas da Trindade, em suas respectivas funções, convergindo no final para um mesmo objetivo, subsistindo todas elas (apesar de distintas) no mesmo Deus:
Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.
Detalhando o argumento, Paulo elabora que o Espírito é aquele das três pessoas, que ministras os diversos dons à sua igreja (cf. v. 11), mas embora os dons sejam muitos, o Espírito é o mesmo. Da mesma forma, os serviços também são diversos, isto é, há capacitações do Espírito para que muitos na igreja possam, de maneira especial, servir ao Corpo, e como representante desse ministério, Cristo (cf. "o Senhor" v. 5) é destacado, sendo o possível arcabouço argumentativo dessa afirmação, a voluntária obediência do Senhor Jesus ao Pai, em sacrificar-se para realização da redenção, noutras palavras, seu serviço. Por fim, Deus (uma referência ao Pai), é visto como sendo aquele que "opera tudo em todos" (cf. v.6), ou seja, aquele que representa toda realização do plano de glorificação da Trindade através da redenção da criação.
O ponto focal da tese de Paulo nesse trecho, é demostrar que embora sejam diversas, as pessoas da Trindade são Deus: não há diferença ou divergência na operação de suas respectivas funções, pelo contrário, no Deus Triuno, diversidade e unidade coexistem harmonicamente, as quais não o descaracterizam como tal.
Assim, existência de diversos dons na igreja não é um argumento contra a procedência deles a partir do Espírito Santo, mas o exato oposto: é um demonstrativo de que é ele quem está fornecendo a igreja de Cristo aquelas capacidades, a fim de que o objetivo divino seja estabelecido; objetivo que Paulo demonstra no versículo 7.
A afirmação apostólica nesse verso, é que "A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando um fim proveitoso"(v. 6). Dois pontos merecem destaque nesse versículo: 1) A correlação direta entre "dons" e "Espírito" residente na expressão "manifestação", pela omissão do primeiro termo (cf. "ἡ φανέρωσις τοῦ πνεύματος πρὸς)", alude a manifestação do próprio Espírito, e reforça a procedência dos dons, como argumentado na primeira seção. 2) A termo grego "συμφέρω" (trad. "proveitoso") é na verdade um vetor de dois campos semânticos. A palavra pode significar "beneficiar", "ser vantajoso", "ser pertinente" e também "reunir", "agregar", "juntar". Na maioria das ocorrências desse termo no NT, a expressão geralmente significa uma coisa ou outra. Porém, no versículo 7 do presente capítulo, Paulo a usa a fim de capturar os dois aspectos linguísticos do termo.
A intenção apostólica é demonstrar aos cristãos coríntios que o Espírito manifesta os dons espirituais a fim de que a igreja seja edificada e fortalecida proveitosamente, e como resultado, seja também alicerçada na unidade e irmandade que a torna o corpo de Cristo (princípio enfatizado inclusive na seção anterior (cf. vs. 2-16)).
A contemplação da diversidade e unidade da Trindade amplia a compreensão dos crentes da igreja de Corinto, a fim de que se congratulem em Cristo por terem recebido variados dons do Espírito, que devem fazer com que a igreja cresça saudável e unida para a glória de Deus.
Não obstante, Paulo fornece uma clara exemplificação dessa variedade, conforme estabelece nos versículo de 8 à 10, tendo como foco esse objetivo proveitoso dos dons.
3. (vs. 8-10) Exemplificação: a diversidade dos dons.
Uma listagem é feita por Paulo tendo em vista demonstrar o mesmo princípio do tópico anterior: há na igreja muitos dons, todos eles procedendo do mesmo Espírito, encaminhando a igreja para o mesmo fim benéfico.
Palavra de sabedoria; palavra de conhecimento; fé; dons de curar; operação de milagres; profecia; discernimento de espíritos; variedade de línguas; capacidade de interpretação de línguas; todos esses dons elencados pelo apóstolo, indicam a riqueza da operação do Espírito Santo no povo de Deus, levando-os à compreensão do quanto têm sido abastecidos, tal como ele já havia dito, pois não faltava àquela igreja nenhum dom (cf. 1.7).
Assim como demonstrado pelo uso da própria economia trinitária, diversidade e unidade alicerçam a unidade e desenvolvimento da igreja, e isso é manifesto pela variedade de dons que lhes foi concedido. Todos os dons apontavam para um único Espírito, que governa e gerencia essas capacidades espirituais, visando a edificação do corpo de Cristo. Entretanto, o Espírito realiza essa concessão de dons de maneira soberana e indiscriminada, conforme ele trabalha na conclusão que tece no versículo 11.
4. (v.11) A soberania do Espírito na distribuição dos dons e edificação da igreja.
Nesse ponto, o autor se prepara para introduzir a temática que trabalhará na próxima seção deste capítulo, na qual enfatizará a unidade da igreja.
A distribuição dos dons é realizada sem que qualquer critério humano seja levado em consideração, e tal princípio é estabelecido por Paulo a partir de duas afirmações: 1) é "o Espírito quem realiza todas estas coisas", isto é, apesar de os dons serem entregues aos crentes, os dons são ferramentas dos cristãos para edificação da igreja, assim como eles mesmos são ferramentas do Espírito nesse propósito. O dom é o meio escolhido pelo Espírito a fim de operar o bem que deseja na igreja, e isso é feito através do crente, sendo a operação desses dons uma prerrogativa divina (cf. v. 6 "Deus é quem opera tudo..."). Ninguém deveria gloriar-se ou ufanar-se por ter algum dom, pois o mérito é do Espírito, que executa através do crente aquela capacidade, a fim de edificar o corpo de Cristo. 2) O Espírito "distribui como lhe apraz, a cada um, individualmente". O Espírito Santo é completamente livre para conceder dons a quem desejar. Novamente, o único critério usado no momento em que o Espírito outorga um dom, é sua vontade, excluindo disso qualquer classificação humana: condição sócio-econômica, idade, sexo, nacionalidade (judeu ou grego) etc.
Assim como o Espírito é um, nele — que por sua vez aplica a obra de Cristo — toda a igreja está vinculada ao propósito do crescimento espiritual e unidade, pois essa é a vontade do Espírito, e sua livre e soberana manifestação garante que todos (sem acepção de pessoas) sejam beneficiados pelo uso dos dons.
Transição
O foco do apóstolo Paulo é direcionar a igreja de Corinto à ordem e à compreensão do que representa a distribuição dos dons realizada pelo Espírito Santo.
Mas, antes de expor princípios mais complexos relacionados aos dons, o apóstolo preocupa-se em consolidar na mente de cada crente a noção de que esses dons procedem do Espírito, visando o propósito da edificação e unidade da igreja.
As habilidades, capacidades, talentos e disposição para o serviço concedidas pelo Espírito de Deus, munem a igreja com todo o aparato necessário para que a igreja do Senhor se desenvolva como corpo de Cristo.
Frente a essa exortação principal, o texto de 1Coríntios 12.1-11 clarifica algumas verdades a serem observadas pela igreja ao longo dos séculos:
Aplicações
1. O Espírito Santo nutre sua igreja com todo aparato espiritual necessário para sua edificação e saúde.
À igreja do Senhor Jesus Cristo foram concedidas capacidades; distribuídas aos crentes visando o fim proveitoso da edificação e unidade do povo de Deus.
Essas capacidades (chamadas no texto de "dons") foram confiadas ao povo de Deus pelo Espírito Santo, o que nos assegura que a obra redentiva tem sido aperfeiçoada na igreja.
Como reformados, entendemos que alguns desses dons, que visavam fins específicos, cessaram, como é o caso dos dons de profecia, variedade de línguas, e consequentemente, a interpretação delas. Isso porque, num primeiro momento esses dons foram dados a fim de que o testemunho evangélico fosse potencializado e difundido em todo o mundo, no ínterim em que a revelação canônica ainda não havia sido completada.
Fechado o cânon, esses dons cessaram, pois todo o mistério da fé que era transmitido por meio deles e do ensino apostólico, foi registrado uniformemente no que hoje conhecemos como Bíblia Sagrada: a união do Antigo e do Novo Testamentos como a palavra inspirada de Deus.
O que isso significa? que a igreja hoje não possui dons? que o Espírito Santo não age na igreja, dando capacidades que fruam a unidade e edificação do Corpo de Cristo? Não! O Espírito continua dotando crentes com dons, habilidades, talentos e capacidades que possam exercer dentro da igreja, visando o aperfeiçoamento e unidade dos santos.
O primeiro ponto em questão, destacado pelo texto é que devemos compreender que esses dons procedem do Espírito Santo. É ele quem abastece seu povo com predicados especiais a fim de que a nossa salvação seja desenvolvida. Antes, nós também nos deixávamos conduzir aos ídolos mudos, mas agora, em Cristo, confessamos que Jesus Cristo é o Senhor, e fazemos isso pelo Espírito Santo.
Anexa a essa confissão deve estar o compromisso nosso em servir a igreja por meio dos dons que nos foram dados para benefício da igreja de Deus. Contudo, como usar esses dons? como saber quais temos? Esses questionamentos nos conduzem a segunda verdade a ser aplicada a nós de acordo com o texto.
2. A diversidade de dons ressalta a grandeza e multiplicidade de formas que os membros da igreja dispõe de servir a Cristo, pelo poder do mesmo Espírito de unidade que nos é manifesto.
Os crentes em Corinto haviam nutrido dúvidas quanto a procedência dos dons, por verem muitos dons sendo manifestos na igreja. Entretanto, as muitas capacidades que o Espírito concede ao povo de Deus, só demonstram o quanto ele deseja ver seu corpo nutrido de todos os serviços necessários para sua edificação.
Se você deseja saber que talento, dom ou habilidade o Espírito lhe deu, lembre-se em primeiro lugar, que todos esses dons foram concedidos "para um fim proveitoso" (cf. v. 7); e objetivo só será alcançado se o dom for usado em favor da igreja.
Ninguém é dotado de uma capacidade ou dom para usufruir dele em seu próprio favor, com egoísmo ou por vanglória. O Espírito é um, assim como a igreja é uma, e embora tenhamos muitos membros, todos estão (ou devem) estar motivados a edificar a igreja.
Se você tem alguma dúvida quanto existência de dons em nossa igreja, basta olhar para cada crente, e você verá as muitas capacidades que existem em nosso meio, que favorecem a existência e desenvolvimento da igreja. Irmãos que servem com alegria; outros que possuem profundo testemunho de piedade; outros com grande sabedoria e conhecimento no Senhor; alguns demonstrando profunda humildade, todas essas capacidades visíveis dentro da igreja, demonstram que o Espírito tem agido em nosso meio.
Há outra grande beleza nisso: Deus é servido de diversas formas. A pregação é apenas um dom, assim como a gerência dos presbíteros e o serviço dos diáconos; todos esses são alguns dons que o Espírito concede, mas certamente há diversos outros, manifestos em muitos crentes dentro da igreja, e nenhuma dessas capacidades deve ser ignorada ou tida como sem valor.
Você tem aptidões ou talentos? teremos imenso prazer em fazer uso de seu dom, qualquer que seja ele. Toca algum instrumento? tem capacidade administrativa? aptidão no ensino? Apresente-se ao serviço do Senhor, pois foi para isso que o Espírito lhe deu essa capacidade.
Conclusão
Como Calvino comenta:
1 Coríntios Capítulo 12
A simetria da Igreja está no fato de ela constituir-se, por assim dizer, numa unidade6 de muitas partes; em outros termos, quando os diferentes dons são todos direcionados para um e o mesmo fim, assim como na música partes diferentes são ajustadas umas às outras, e tão bem combinadas que produzem uma peça harmoniosa.
A igreja é a grande sinfonia do Espírito: todos unidos, com suas capacidades e dons diversos, usando-os com o mesmo objetivo: a edificação da igreja para a glória de seu Cabeça: Cristo Jesus.