1Coríntios 14.26-40

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O autor estabelece o princípio da ordem no culto público, complementando as exortações anteriormente traçadas, a fim de elucidar para a igreja o modo por meio do qual a adoração deve ocorrer para que a edificação da comunidade ocorra.

Notes
Transcript
"[....] Aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos" (1Co 1.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Analisando a segunda parte da exortação apostólica de Paulo aos irmãos em Corinto no tocante ao culto público, tendo em vista principalmente o uso dos dons espirituais, Paulo, após ter enfatizado a inteligibilidade do momento solene, agora remete a atenção dos seus ouvintes/leitores para a ordenação da reunião, isto é, ele ensina que o culto também deve obedecer a um critério de organização que proporcione tanto a compreensão do que ocorre, quanto usufruto do momento com "decência e ordem" (cf. v. 40), de modo a que todos possam ser beneficiados pela operação daquelas capacidades concedidas pelo Espírito Santo na edificação do corpo de Cristo.
A presente argumentação alicerça-se sobre dois pontos: primeiramente, nos versículos 26 à 33a, o autor desenvolve a compreensão de que o princípio de ordem no culto deve inspirar nos coríntios um cuidado maior no uso dos dons, como por exemplo, na sucessividade nas expressões de louvo a Deus por meio de idiomas estrangeiros (vs. 27-28), e na publicação de exortações e consolos mediante o dom de profecia (vs. 29-31). Essa ordenação não inibe a participação dos membros da igreja no culto, mas clarifica que o domínio do dom também é algo necessário (v. 32-33).
A partir dos versículos 33b ao 40, Paulo abrange outras áreas que demandam atenção no culto, como a situação de mulheres tomando a palavra na assembleia (cf. Bíblia de Jerusalém), algo que não deve ocorrer, tendo em vista que não foram chamadas para o exercício autoritativo do ensino, embora possam profetizar (cf. 11.5).
O culto é o momento mais importante da vida cristã, pois nele é publicado a comunhão dos fiéis com Cristo e uns com os outros; para tanto, é necessário que o ordenamento do culto ocorra em respeito a determinação divina de como sua adoração se processará, de modo a garantir que a glória de Deus seja publicada e a edificação do corpo, garantida.
Tendo considerado essa análise prévia, o presente texto, entendido a partir da exortação apostólica da ordenação dos dons espirituais no culto público para edificação da igreja, exprime como ideia central a importância da ordem no culto público.
Elucidação
Seguindo os contornos argumentativos apresentados introdutoriamente, abordaremos a passagem a partir dos seguintes pontos: 1) A ordem no culto mediante organização do uso dos dons espirituais, e 2) demais observações e exortações quanto ao exercício ordeiro do culto público.
1. (vs. 26 à 33a): A ordem no culto mediante organização do uso dos dons espirituais.
O questionamento inicial do versículo 26 (cf. "Que fazer, pois, irmãos?") introduz as próximas palavras do apóstolo, relacionando-as ao que fora tratado anteriormente. Todo o ensinamento concedido em relação à clareza e inteligibilidade do culto público, devem redundar por sua vez, no exercício ordeiro da adoração ao Senhor. Se antes de usarem seus dons, cada membro da igreja levar em consideração que tais capacidades servem ao propósito da edificação do corpo de Cristo, isto é, têm como alvo primário o desenvolvimento espiritual de toda a comunidade, esse sentimento desenvolverá no coração dos crentes o autocontrole que tornará o momento de culto compreensível até mesmo para um incrédulo que porventura esteja presente na reunião.
Assim, Paulo salienta que, embora no momento do serviço devocional um cante um salmo, e outro proponha o ensino doutrinário, e um terceiro traga alguma palavra de revelação, e outro glorifique a Deus noutras línguas sendo seguindo por um irmão que as interprete, tudo deverá ser feito "para edificação" (v. 26). Como já colocado antes, o dom não tem fim em si mesmo, de maneira que o simples fato de possuir um dom não significa que ele deve ser usado sem qualquer critério. Como foi o tema da seção anterior, a edificação depende da capacidade de cada crente em compreender o que ocorre no ambiente de adoração.
Nada obstante, é necessário que algumas observações sejam feitas, a fim de que torne-se claro como o uso dos dons redundará na fruição do objetivo mencionado.
No que concerne ao dom de línguas, por exemplo, Paulo afirma: "que não sejam mais do que dois ou quando muito três, e isso sucessivamente, e haja quem interprete" (27). A construção da oração, indica um imperativo, regulado pelo uso da preposição "κατά", que no texto, significa "de acordo", "com respeito a", o que por sua vez aponta para a prescrição do uso do dom, reforçado pelo imperativo ativo "διερμηνεύω" (trad. "interprete"). Em síntese, o autor clarifica que o culto público não pode ser tumultuado por um conglomerado de irmãos que põe-se a falar noutros idiomas, mas que o dom deve ser usado sucessivamente, ou, "por partes", como sugeriria uma tradução literal da locução adverbial "ἀνὰ μέρος", como destacado supra.
Adicionado a isso, é imprescindível que haja um intérprete, a fim de que todos entendam o que é dito, como já havia indicado antes (cf. v.13); caso contrário, que o(s) que tem o dom de línguas, "fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus". Ou seja, não havendo quem transmita inteligivelmente a mensagem comunicada noutra língua, há a possibilidade do uso do desse dom na reunião solene, mas dentro de uma perspectiva individual: na forma de uma oração.
O mesmo se aplica ao dom de profecia, que embora seja de caráter direto, diferentemente do dom de línguas, também precisa ter seu uso adequado ao culto. Evitando confusão, que esse dom também seja operado de modo sucessivo por dois ou três irmãos (v.29), e quando o segundo manifestar ter alguma palavra de revelação, o primeiro deve sentar-se (v.30). A participação mediante uso dons dons está facultada à todos os presentes, de modo que "todos podereis profetizar", porém, além do critério da sucessão, todas as profecias também passarão pelo crivo da comunidade, que as julgará (cf. v. 29 "[...] e os outros julguem"), para que dessa maneira, como repetidas vezes Paulo já colocou, 'todos' aprendam e sejam consolados (v.31).
Mesmo o dom de profecia (considerado por Paulo como superior (cf. v.5), e sendo de caráter direto, em termos de sua capacidade comunicativa) poderia provocar a desorganização do culto, prejudicando sua compreensibilidade. Assim, uma prescrição que regule seu uso na reunião devocional não é estranha a natureza graciosa do dom, tampouco diminui sua eficácia; pelo contrário, apenas colabora com o seu potencial edificador pensado pelo Espírito no fortalecimento do corpo de Cristo.
Ambas as ordens (com relação ao dom de línguas e profecia) incidem na demonstração daquele princípio também enfatizado antes, do autocontrole como parâmetro para o uso dos dons, noção retomada por Paulo nos versículos 32 à 33a: "Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas; porque Deus não é de confusão, e sim de paz".
A argumentação do apóstolo, nesse ponto, aponta que sua exortação não causa qualquer contradição em relação ao uso dos dons, ou à soberania do Espírito em sua distribuição. O Espírito Santo concede dons da maneira que quer, a quem quer; porém, ele faz isso de acordo com sua própria natureza: ordeira e pacífica.
De acordo com o apóstolo, o dom não é uma força ou desejo expontâneo e descontrolado que opera a despeito da vontade de seu portador, por exemplo: quem falava noutros idiomas, não tinha um impulso involuntário de irromper na fala de outras línguas; quem profetizava não era controlado por um transe ou êxtase no qual sua mente não compreendia nada do que falava, mesmo porque, nesse caso, a profecia consistia numa palavra de exortação, edificação ou consolo (cf. v.3); aspectos da comunicação relacional divina com sua igreja que exigem consciência por parte do profeta. Quem tinha dons, detinha o controle quanto a como e onde os usaria, segundo o Espírito lhe tinha concedido.
A partir dessa noção, os membros da igreja de Corinto deveriam agir de conformidade com a natureza e o caráter ordeiro do SENHOR: clareza e ordem eram os requisitos básicos para que os dons fossem utilizados do modo como o Espírito havia determinado, garantindo assim a edificação do corpo de Cristo.
Com isso em mente, o autor passa a realizar exortações mais abrangentes que o tratamento dos dons espirituais, mas ainda a ver com o culto público, a partir da segunda parte do versículo 33.
2. (vs. 33b à 40): Demais observações e exortações quanto ao exercício ordeiro do culto público.
Tendo em vista que o capítulo 15 é destinado ao tratamento de um novo tópico que o apóstolo deseja tratar, ele aproveita a conclusão deste, nesta seção, para tratar de outro tema que toca a importância de uma compreensão clara quanto à ordem no culto público. Esse tema é a participação das mulheres no ensino à igreja.
Para que fique claro que a restrição estabelecida por Deus na participação de mulheres no ministério do ensino não é algo característico apenas da igreja de Corinto, Paulo inicia seu imperativo com uma comparação: "Como em todas as igrejas dos santos..." (v.33b). À luz do versículo 36, é perceptível que a ocorrência de mulheres tomando a palavra na assembleia, era também parte daquelas manifestações estranhas que ocorriam na igreja de Corinto, motivadas por algum tipo de sentimento de superioridade em relação às demais comunidades cristãs. A indagação do apóstolo naquele verso, enfatiza isso: "Porventura, a palavra de Deus se originou no meio de vós, ou veio ela exclusivamente para vós outros?" ([....] "são vocês o único povo que ela alcançou?" (cf. NVI) v.36).
A argumentação autoral reforça o fato de que em todas as igrejas, há uma clara restrição às mulheres no que tange ao exercício do ministério autoritativo do ensino. Não está facultado às mulheres exercerem o papel de liderança lançando o fundamento da doutrina da igreja, como os apóstolos, ou edificar a igreja mediante o ensino desta doutrina, como é função dos presbíteros.
Essa inferência — de que Paulo está tratando da questão do ensino na igreja — é retirada da continuação da argumentação, conforme registra o versículo 34: "Porque não lhes é permitido falar". Claramente o verbo "falar" (gr. "λαλέω") não se refere a qualquer tipo de fala de uma mulher na igreja, pois, em 11.5, o apóstolo Paulo denuncia que seria vergonhoso a mulher "orar e profetizar com a cabeça sem véu", o que sinalizava insubmissão ou desrespeito para com o marido. Naquele caso, o que causava vergonha era ela estar no culto (participando dele inclusive mediante o exercício do dom de profecia) com a cabeça descoberta, e não por estar profetizando.
Se uma mulher tinha o dom de profecia, ela poderia exercê-lo sem qualquer restrição (desde que cumprisse as regras estabelecidas no presente texto); não obstante, não poderia falar no sentido de pregar, explicar a Escritura, ou pastorear a igreja, pois não foi chamada para isso. As mulheres deveriam permanece submissas (v.34b), isto é, mantendo-se claramente sob o princípio de autoridade, conforme demonstrado em 11.1-16.
Outro ponto que clarifica que o que está sendo tratado por Paulo é a questão do ensino na igreja, é o fato de ele ordenar que: "se, porém, querem aprender (gr. "μανθάνω") alguma coisa, interroguem, em casa, a seu próprio marido; porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja". Nitidamente, o que está em jogo é o aprendizado vindo da parte de um oficial da igreja (presbítero ou apóstolo). A proibição, então, ocorre em razão de algum tipo de questionamento que promoveria um debate na igreja (algo que provavelmente já estava acontecendo em Corinto, como exposto anteriormente (cf. v. 36)); um momento em que a mulher questionaria de maneira a sobrepor algum pensamento ou conceito a respeito do que estava sendo exposto.
Outra vez o tema da submissão é trazido ao centro da argumentação apostólica, para que por meio dessa retomada, ficasse claro que o princípio da ordem no culto público também depende da disposição do coração de cada crente (homens e mulheres presentes na reunião) em obedecer as determinações de Cristo para o momento de adoração solene prestado por toda a comunidade. A prova disso é que, após ter direcionado a igreja no tocante a participação da mulher no culto público, o autor chama a igreja à obediência, determinando penalidades a um possível opositor:
1Coríntios 14.37–38 ARA
Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo. E, se alguém o ignorar, será ignorado.
Embora tenha direcionado tais exortações e ensinamentos de maneira didática e terna (cf. cap 13), Paulo estabelece que está lidando com um assunto que reflete a posição de obediência e submissão (como já mencionado) que a igreja deve manter para com Cristo e suas ordens quanto a como deve transcorrer o serviço de culto.
A inteligibilidade (vs. 1-25) e a ordem (vs. 26-40) serão asseguradas mediante o empenho da igreja em manter-se firme nos padrões entregues por Cristo através de seus apóstolos e demais ministros, e isso por sua vez provocará, com certeza, a edificação da igreja, segundo o poder do Espírito Santo. O contrário disso, no entanto, também é verdade: caso desobedecessem tal preceito, a comunidade sofreria com pobreza espiritual, advinda da desordem e confusão no momento de culto, que possuem raízes por sua vez, na desobediência e rebeldia dos membros da comunidade em acatarem o mandamento divino quanto a adoração.
Por isso, o autor conclui sua exortação quanto ao tema do culto público, tecendo uma admoestação:
1Coríntios 14.39–40 ARA
Portanto, meus irmãos, procurai com zelo o dom de profetizar e não proibais o falar em outras línguas. Tudo, porém, seja feito com decência e ordem.
As obrigações dos coríntios com relação aos princípios expostos em todo o texto, não devem provocar algum tipo de receio no uso dos dons e capacidades dadas pelo Espírito, pois são demonstrações da operação do processo santificador que realiza na igreja de Cristo (cf. 12.1-3). Todavia, a compreensibilidade e ordem que devem ser encontradas no culto ao Senhor, não são o oposto da alegria e paz que a igreja desfruta no momento de adoração; mas princípios que, refletindo a natureza do próprio Espírito (v.33a), ratificam a comunhão entre Deus e seu povo.
Transição
O culto público é o momento em que a igreja celebra a comunhão que graciosamente desfruta com Deus. Tendo sido chamados à presença do Senhor, antes de qualquer coisa, os crentes devem entender o caráter da reunião: a solene assembleia de crentes que se colocam diante do Deus Triuno, adorando-o, tendo sido chamados à santidade.
Numa que o culto é um serviço de adoração a Deus, por meio do qual a igreja é edificada, não podem haver princípios mais evidentes e imperativos do que aqueles extraídos do próprio ser de Deus, e dois desses princípios são enfatizados pertinentemente por Paulo na presente seção: paz e ordem.
Em vista disso, o texto de 1Coríntios 14.26-40, enfatiza a necessidade da ordem para o bom andamento do culto, como expressão adequada de adoração ao Senhor. Tal princípio pode ser sintetizado em algumas verdades a serem compreendidas pela igreja contemporânea. Quais sejam:
Aplicações
1. O culto público expressa, como princípio definidor, a natureza ordeira e pacifica do próprio Deus, sendo a regra por meio da qual a igreja obtém de sua parte, a edificação do Espírito.
Além da inteligibilidade (cf. vs.1-25), o texto claramente expõe que o transcurso do culto público depende de uma dinâmica ordeira, na qual cada membro está profundamente envolvido e comprometido com a definição determinada pelo Senhor para o momento em que é adorado por seu povo.
Um conceito estranho às Escrituras têm preenchido os cultos de muitas comunidades cristãs tanto no Brasil quanto no mundo: a ideia de que a "liberdade" é a expressão da espiritualidade do culto, e por liberdade, entende-se toda e qualquer manifestação "sincera" de adoração, e que, portanto, é bem-vinda no momento do culto.
O resultado disso é o completo oposto do que o autor divino/humano estabeleceu no presente texto: confusão e desordem. Expressões de supostas línguas; profecias que não são julgadas, e por fim, mas não menos trágico, insubmissão ao conceito bíblico de serviço de culto, para listar apenas algumas das aberrações presentes nos momentos devocionais em muitas igrejas.
Deus não está interessado em saber o que podemos fazer para ele no momento de culto, mesmo porque, nós, seres finitos, não podemos agradar um Deus que está em si mesmo (relação intra-trinitária) completa e infinitamente satisfeito. Logo, a definição contemporânea de culto baseia-se numa não compreensão do ser de Deus e seus atributos: o pressuposto básico de muitos crentes hoje, é de que Deus precisa ser adorado de formas expontâneas, para que fique claro nosso amor a ele e a autenticidade de nossa espiritualidade. Não poderia haver um engano maior do que este.
Paulo, no presente texto, centraliza para os coríntios um constraste gritante. Em primeiro lugar, ele enfatiza que tudo (ou seja, todo o culto, como é o tema proposto nesta seção de sua carta) deve ser feito para edificação da igreja, isto é, o momento de culto, apesar de ser um serviço centralizado na glória de Deus, visa o fortalecimento e desenvolvimento espiritual do Corpo de Cristo. Noutras palavras, Deus em nada é beneficiado com o culto (pois de nada precisa); nós é que o somos.
Em segundo lugar (e ponto nevrálgico do argumento), a ordem e a decência (correspondência adequada) são as bases sobre as quais a dinâmica do culto é processada, pois ambos os princípios refletem o ser do próprio Deus.
O SENHOR, Deus Triuno, é um ser ordeiro e pacífico; não há confusão ou desordem em sua Majestade, e assim sendo, adorá-lo de formas a contradizer isso, é simplesmente não adorá-lo.
A admoestação do apóstolo no versículo 36 (possuindo alguns outros desdobramentos que serão aplicados, mais adiante, em nosso segundo ponto) também serve de crivo analítico para nós outros: Somos os únicos a quem Deus se revelou? nós somos a igreja mais especial do mundo, ao ponto de acharmos que podemos fazer diferente de todos os nossos irmãos no passado e no presente, que adoraram e adoram a Deus segundo as Escrituras?
O que é exigido de nós, é que, com ordem e adequação à natureza do próprio Senhor Deus, o adoremos em espírito e em verdade; que compreendamos os que se processa no momento em que nos reunimos para glorificar aquele que é digno de todo louvor, a partir de um serviço de culto pacífico e ordenado, no qual, compreendemos e nos submetemos ao Espírito Santo: aquele que nos edifica operando em nosso meio a verdadeira e legítima adoração.
2. É necessário que nos submetamos à definição divino do culto, tal como registrada em sua Palavra, para que então, estejamos verdadeiramente adorando a Deus.
A resultante lógica inferida do primeiro ponto de aplicação, é que a ordem e a adequação ao ser de Deus no momento da adoração, só serão fruídas, se, e somente se, nos curvarmos diante da vontade do SENHOR na prestação do culto a ele.
Este é um ponto sempre muito controverso de lidar, pois lutamos em nossos corações com uma tendência natural à desobediência, e mesmo quando o tema é o culto a Deus, os reflexos da corrupção do pecado podem ser percebidos.
Não é de hoje que o homem tende a adorar a Deus da forma como bem deseja: Caim foi o primeiro a expressar sacrifício a Deus com base no que bem quis, e não naquilo que aprendeu como sendo a forma de culto que de fato fora estabelecido pelo próprio Senhor (cf. Gn 4.1-5). Nadabe e Abiú, caminharam na mesma trilha, e violaram o mandamento do Senhor, trazendo fogo estranho (não ordenado) para o tabernáculo (cf. Lv 10.1-3).
Antes que nós comecemos a nos distanciar tendo em vista esses exemplos, para que compreendamos o imperativo do texto que que temos lido, é necessário admitir que essas inclinações estão presentes também no nosso coração hoje, pois sendo o culto bíblico uma imposição divina, sempre será alvo de nossa resistência. Ou será que nós nunca tivemos o desejo em nosso coração de que, por exemplo, os cânticos em nossa igreja fossem mais "alegres" ou "dinâmicos"? será que nunca nos pegamos pensando em como a pregação poderia ser menos formal ou séria, tendo um tom mais leve ou agradável — mesmo sem o custo do real sentido do texto —? Ou ainda, será que nunca refletimos sobre como se sentem os visitantes de outras igrejas que vêm à nossa, tendo vista alguma diferença que percebam em nosso culto, como uma evidente sequência litúrgica dos elementos de adoração?
Podemos ser (e nenhum de nós está isento) acometidos por esses e outros pensamentos ou desejos com relação ao culto, pois, segundo já comentado, uma raiz de rebeldia sempre estará presente em nosso coração, nos fazendo querer redefinir o culto ao SENHOR, moldando-o à nossa imagem. Todavia, é necessário entendermos que não há maior forma de expressarmos a sinceridade e autenticidade de nosso amor pelo Senhor, no momento de culto, do que através da obediência; sem esta, todo nosso amor, toda nossa sinceridade em reconhecer a grandeza de sua Majestade, será inútil.
Precisamos orar a Deus para que estejamos contentes e felizes em adorá-lo da forma como ele determinou, e não como nós queremos. Precisamos estar satisfeitos em cultuar ao Deus Triuno através da forma como ele prescreveu, pois é de suas ordenanças que podemos extrair a certeza inabalável de que nossa adoração está sendo, através de Cristo, recebida.
Os dons variedade de línguas e profecia cessaram, mas certamente podemos cantar, orar e glorificar a Deus no culto público: tudo, porém, seja feito com decência e ordem (v. 40), pois é dessa forma que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, será adorado, e nós, edificados por seu poder.
Conclusão
Comentando esse texto, João Calvino, diz:
[...] Ele [o Senhor] não nos concedeu uma liberdade ilimitada e desenfreada, mas a fechou, por assim dizer, com uma cerca; ou, de algum modo, restringiu a liberdade que nos deu, de tal maneira, que somente à luz de sua Palavra é que podemos orientar nossas mentes sobre o que é correto (CALVINO, 2013, p.516).
Um culto compreensível e ordeiro, revela um Deus conhecível e pacífico, que graciosamente, guia nossas mentes à forma como vamos adorá-lo, de modo a sermos verdadeiramente edificados pelo Espírito Santo.
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