Êxodo 1.1-14
Série expositiva no Livro do Êxodo • Sermon • Submitted • Presented
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· 10 viewsO autor apresenta o registro da narrativa paradigmática que revela o cumprimento da aliança redentiva estabelecida por Deus, na qual comprometeu-se em libertar seu povo da escravidão a um mundo opressor, e levá-lo ao lugar onde habitará no meio dele para sempre.
Notes
Transcript
"São estes os nomes..." (Êx 1.1).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
O Livro do Êxodo, assim como o texto de Gênesis, foi escrito por Moisés, ao longo de sua trajetória junto ao povo de Israel, desde sua saída da terra do Egito até chegar nas campinas de Moabe, onde morreu, no alto monte Nebo (cf. Dt 34.1). Como continuação e progressão da narrativa iniciada no primeiro volume, Moisés, tendo naquele exposto as origens do povo de Deus desde Adão, perpassando por Noé e o compromisso divino de ratificar a aliança redentiva estabelecida anteriormente, chegando aos três principais patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó), usados no início do processo de multiplicação da descendência da mulher (cf. Gn 3.15), isto é, do povo de Deus,
o autor passa a demonstrar a ação divina de cumprir as promessa outrora feitas a esses três últimos personagens; confirmando seu intento salvador.
Uma partição tríplice é construída no texto, levando em consideração três temas centrais, que enfatizam o progresso do plano pactual do SENHOR de restaurar seu povo e a criação, a fim de habitar para sempre no meio dele. Os temas são: redenção, lei e adoração.
A história do Êxodo, tendo como base essas três conceituações, não deveria ser vista como mero registro da saída dos filhos de Israel da terra do Egito e chegada até os limites da terra prometida, mas sim, como uma história teológica (LONGMAN III, 2006, p. 65) ou narrativa paradigmática, que serve ao povo como modelo da ação soberana do SENHOR em seu favor, registrando não somente o que aconteceu no passado, mas também já adiantando tipologicamente o futuro, quando será livre das pesadas cargas do pecado, e conduzido ao ápice da promessa salvadora: o surgimento do Salvador Prometido que há de guiar a descendência de Abraão à Terra Prometida; a Canaã Celestial: Cristo Jesus.
Em vista disso, o texto de Êxodo é delimitado pelo autor levando em consideração aqueles temas supracitados, através da seguinte estrutura:
caps. 1-17 — Saída [redenção] dos filhos de Israel do Egito.
cap. 18 — Transição: preparação para outorga da Lei.
caps. 19-24 — Confirmação da Aliança: entrega da Lei.
caps. 25-31 — Chamado à Adoração (pt1).
caps. 32-33 — Reafirmação da Aliança: "Deus habita com seu povo".
caps. 34-40 — Continuação do chamado à Adoração (pt 2).
A seção em foco (Êx 1.1-11) é parte da introdução desenvolvida pelo autor, no qual rememora o contexto em que estavam os filhos de Israel (conforme será enfatizado na sequência do texto); contexto que cumpre as promessas do Senhor à Abraão, em pelo menos dois pontos: 1) como fora dito à Abraão, sua descendência seria submetida à escravidão e afligida por quatrocentos anos (cf Gn 15.13); e 2) Essa aflição não duraria para sempre, mas o SENHOR julgaria "a gente a quem têm de sujeitar-se" (cf Gn 15.14); o povo seria multiplicado "como as estrelas"(cf Gn 15.5), liberto da opressão, e então, conduzido à terra prometida.
A apresentação de que o contexto de escravidão é a situação atual do povo segundo a narrativa, já deve preparar o ouvinte/leitor para o desenvolvimento das ações libertadoras divinas. A tensão entre opressão e cumprimento da promessa fazem com que o texto de Êxodo 1.1-11 centralize como ideia central a oposição opressiva como instrumento divino do cumprimento pactual da redenção.
Elucidação
A passagem é iniciada com uma genealogia (cf vs. 1-4; embora neste segundo momento, apenas os cabeças sejam nomeados), já mencionada no primeiro volume do Pentateuco, conforme vemos em Gn 46.8-27. A intenção do autor é ratificar a gênese dos filhos de Israel no Egito, principalmente levando em consideração o fenômeno multiplicativo ocorrido desde a descida de Jacó para lá. Setenta pessoas desceram, estando José já no Egito (v. 5). Nada obstante, a informação sintética de que todos os patriarcas filhos de Jacó haviam morrido, apresenta uma leve tensão, resolvida no versículo seguinte:
Faleceu José, e todos os seus irmãos, e toda aquela geração. Mas os filhos de Israel foram fecundos, e aumentaram muito, e se multiplicaram, e grandemente se fortaleceram, de maneira que a terra se encheu deles.
A morte dos filhos de Jacó não encerra consigo a promessa feita a Abraão, Isaque, e ao próprio Israel. Tal como Moisés referencia, a esperança de José consistia numa certeza de que, mesmo que ele estivesse às portas da morte, nalgum momento futuro "Deus certamente vos (os descendentes de Jacó) visitará" (cf Gn 50.24), e essa chegada libertadora do Senhor começa a ser introduzida por Moisés mediante a demonstração de que os filhos de Israel haviam se multiplicado na terra do Egito. O cumprimento da promessa abraâmica estava em pleno vigor: em Gn 17.2 o SENHOR havia dito que multiplicaria (hb "וְאַרְבֶּ֥ה")a semente de Abraão, e agora, essa semente estava multiplicada preenchendo toda a terra do Egito (cf v. 7 "(…) se multiplicaram "וַיִּרְבּ֥וּ").
Ao longo do livro de Gênesis, Moisés demonstrou as origens do povo de Israel: como os hebreus estavam ligados àqueles a quem o SENHOR revelara-se no passado (Adão, Noé, Abraão, Isaque e Jacó), e portanto, faziam parte da descendência eleita para ser a família de Deus. Agora, Moisés começa a descortinar ao povo de Israel que de fato sua saída da terra do Egito não foi uma intervenção inédita, ou ação singular de Deus em favor deles; muito pelo contrário, o crescimento dos filhos de Jacó é o cumprimento efetivo dos planos do Deus Todo-poderoso que apareceu a Abraão.
Todavia, isto posto, a ação salvadora passa a ser explicada em seu contexto necessário; noutras palavras, a partir do versículo 8 o autor introduz a tensão narrativa que será desenvolvida no texto, culminando na libertação/redenção propriamente dita.
A menção adversativa feita por Moisés situa a diferença entre o contexto vivido no passado, quando no período em que José era governador, daquele experienciado pelo povo no início da trama do êxodo: "Entrementes, se levantou novo rei sobre o Egito, que não conhecia a José" (v.8).
A informação de desconhecimento do atual faraó para com José, naturalmente não serve ao propósito meramente informativo ou de contextualização histórica, mas enfatiza a desconexão relacional do novo rei do Egito para com os hebreus, constrastando-o com o antigo faraó a quem José demonstrou os planos do SENHOR de salvação de seu eleito (i.e. Jacó) através do Egito.
A antítese é então intensificada, ao ser revelada as intenções do governante egípcio:
Ele disse ao seu povo: Eis que o povo dos filhos de Israel é mais numeroso e mais forte do que nós. Eia, usemos de astúcia para com ele, para que não se multiplique, e seja o caso que, vindo guerra, ele se ajunte com os nossos inimigos, peleje contra nós e saia da terra.
Embora o argumento aparente uma preocupação de defesa dos egípcios em relação ao exponencial crescimento numérico dos hebreus, a oposição do faraó revela-se na verdade uma aversão ou rebelião aos planos divinos. Como já afirmado, nos versículos de 1 à 7, Moisés exibe o claro propósito soberano de YHWH para com seu povo no cumprimento da aliança abraâmica, que garante a multiplicação e crescimento dos descendentes do patriarca. Por outro lado, o foco principal do faraó, conforme ratificado em sua própria fala a seu povo, era impedir que os hebreus se multiplicassem.
Faraó não estava motivado a defender seu povo contra uma possível ameaça militar ou aliança de guerra que os pudesse vitimar; e sim, a oprimir os filhos de Israel ao ponto de invalidar o propósito divino para eles. Faraó é um instrumento maligno; a personificação do plano opositor contra o Reino de Deus, tal como fora anunciado desde Gn 3.15, e principalmente em Gn 15.13, quando toda essa situação de opressão havia sido já adiantada a Abraão como meio através do qual a aliança divina que estava estabelecendo com o patriarca seria cumprida. O Criador já havia dito que os filhos de Abraão seriam afligidos por um povo, que ao final de 400 anos, seria julgado.
O plano do monarca consiste em contrariar o fluxo histórico-redentivo determinado pelo SENHOR para o seu povo — algo que ironicamente também estava preordenado nos decretos estabelecidos por Deus —, mantendo-o sob escravidão e aflição.
A tensão acirra-se no versículo 12, quando o autor une os dois termos que centralizam essa rivalidade entre os planos de faraó e os planos do SENHOR para Israel:
Mas, quanto mais os afligiam, tanto mais se multiplicavam e tanto mais se espalhavam; de maneira que se inquietavam por causa dos filhos de Israel.
Que planos prevalecerão? qual será o destino de Israel? Elucidando ainda mais as intenções do coração de faraó contra Deus e seu povo, Moisés desenvolve a razão mais profunda por trás da rivalidade do rei egípcio contra os hebreus: o serviço dos filhos de Israel deve ser direcionado a apenas um senhor: ao Deus Todo-poderoso.
Adiantando uma noção que será desenvolvida mais à frente em seu texto, Moisés centraliza o âmago da tensão que culminaria com a libertação dos filhos de Israel da escravidão egípcia. No versículo 13, Moisés afirma que "os egípcios, com tirania, faziam servir (hb. "יַּעֲבִ֧דוּ") os filhos de Israel". Essa mesma expressão é utilizada pelo autor nos pronunciamentos que Moisés e Arão deverão fazer ao faraó, contendo a exigência do SENHOR:
Êxodo 4.22-23a
Dirás a Faraó: Assim diz o SENHOR: Israel é meu filho, meu primogênito. Digo-te, pois: deixa ir meu filho, para que me sirva.
Êxodo 7.16
(…) E lhe dirás: O SENHOR, o Deus dos hebreus, me enviou a ti para te dizer: Deixa ir o meu povo, para que me sirva no deserto...
Na presente seção, o embate é apresentado: faraó oprime os filhos de Israel a fim de que este o sirva e ao Egito, porém, mediante o pacto redentivo estabelecido por Deus, os filhos de Jacó estão destinados à servirem somente ao SENHOR.
Em face disso, a descrição narrativa continua, expondo a execução do plano maligno de faraó:
e lhes fizeram amargar a vida com dura servidão, em barro, e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o serviço em que na tirania os serviam.
A imposição de pesadas cargas servis visava aprisionar os filhos de Israel não somente a aflição e sofrimento, mas também ao próprio Egito. O lugar que outrora fora reservado por Deus para preservação da vida (cf. Gn 50.19-21), agora era hostil aos filhos de Jacó. Entretanto, isso ocorre e é salientado por Moisés como sendo indicativo de que a movimentação histórico-salvadora do SENHOR começara a ser executada: era chegada a hora de os filhos de Israel serem libertos e encaminhados ao lugar da promessa abraâmica, para estarem com o SENHOR, e o SENHOR habitar no meio deles.
Transição
O texto de Êxodo 1.1-14 declara a veracidade e atualidade do pacto redentivo sobre o povo de Deus, tornando-o alvo do mesmo amor e misericórdia usados pelo SENHOR em favor dos patriarcas no passado, livrando-os dos inimigos que tentavam oprimi-los e afastá-los do Deus Todo-poderoso, do qual eram filhos e servos.
A opressão dos egípcios é rememorada através do registro sagrado compilado por Moisés, a fim de que os filhos de Israel tivessem a clara noção de que o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, é seu único Deus; aquele que com mão poderosa os tirou de sob as cargas daqueles que os queriam oprimir e escravizar.
A mensagem do Êxodo é direcionada hoje, à todos os que, pela fé, são filhos de Abraão. O antigo patriarca creu na promessa redentiva de que um de seus descendentes o guiaria à Terra Prometida (cf. Gn 12.3; 22.9-18), e assim, todos aqueles que o imitam pela fé, são unidos à sua descendência, que tem por cabeça o verdadeiro libertador: Cristo Jesus, aquele que tirou de nossos ombros os pesados fardos do pecado e da condenação à morte, guiando-nos à Canaã Celestial.
Entretanto, apesar de estarmos à frente de Israel, pois temos já recebido a libertação de nossos opressores (i.e. o pecado e a morte) através do êxodo executado por Cristo Jesus, estamos vivendo uma experiência análoga: Nos encontramos num mundo rebelde contra o SENHOR, que oprime a igreja ao ponto de querer impedir que os propósitos soberanos de nosso Redentor, o Deus Triuno, sejam estabelecido e fruídos por seu povo. O mundo tenciona nos oprimir e fazer-nos seus servos, mas também temos recebido o chamado à adoração e serviço ao único Deus, vivo e verdadeiro.
Notando isso, o texto de Êxodo 1.1-14 direciona à igreja o entendimento de algumas verdades a serem apreendidas:
Aplicações
1. A aliança redentiva é a base sobre a qual repousa a benção de Deus sobre seu povo; benção que garante o avanço do povo de Deus em multiplicação e fortalecimento.
Séculos mais tarde, no Novo Testamento, em seu discurso diante do Sinédrio, o diácono Estevão, observando a grandeza da obra redentiva executada pelo Pai em Cristo (aquele que em si, executou a libertação do pecado e da morte; os verdadeiros opressores da igreja), afirmou categoricamente:
Como, porém, se aproximasse o tempo da promessa que Deus jurou a Abraão, o povo cresceu e se multiplicou no Egito,
Setenta pessoas desceram ao Egito, e conforme o texto demonstra, depois de 400 anos, o povo cresceu e se multiplicou. Isso não aconteceu por acaso, mas foi obra do Senhor, fazendo prevalecer seu povo, mesmo sob a opressão e aflição. De igual forma ocorre hoje. A igreja de Cristo recebe do Senhor a promessa de Abraão, que lhe garante o avanço dos planos divinos através de si. A cada dia, o povo de Deus se multiplica mediante o avanço do testemunho do evangelho.
A palavra profética dita a Abraão foi que nele "seriam benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3). Tal benção manifesta-se hoje, tendo nós sido alcançados pelo poder multiplicador do SENHOR em arrebanhar para si filhos e filhas de Abraão, isto é, homens e mulheres que tem fé em seu libertador: Jesus Cristo.
É para a promessa divina que devemos olhar. Desde a ressurreição e ascensão de Cristo ao céu, é anunciado que o SENHOR desceu a fim de livrar seu povo das pesadas cargas deste mundo. Estamos tanto caminhando por esse mundo rumo à Terra Prometida, quanto aguardando que o nosso verdadeiro Moisés; Cristo, publique sua vitória sobre faraó, e nos faça adentrar a Terra que mana leite e mel.
Nada obstante, nesse ínterim, convivemos com as intenções malignas de um mundo que se rebela contra Deus, tentando fazer com que os propósitos do SENHOR para com seu povo não sejam cumpridos. O que nos leva ao segundo ponto.
2. Vivemos num mundo dominado pelas intenções malignas daquele que se opõe ao SENHOR; Satanás. A opressão mundana tem como objetivo oprimir a igreja e assenhorear-se dela.
"(…) Os egípcios, com tirania, faziam servir os filhos de Israel" (v.13). Os pesados fardos de sofrimento e agonia que o mundo lança sobre os ombros da igreja, são a tentativa satânica do sistema anticristão em que vivemos, de impedir que a igreja se refugie em Cristo, e submeta-se ao serviço à outro senhor. Todavia, é mister que observemos que esse fardos, podem nem sempre parecer pesados ou dolorosos.
Não podemos esperar que levante-se literalmente sobre nós, feitores que nos obrigarão a construir tijolos de barro ou a trabalhar no campo. Devemos discernir que o interesse de Satanás e do reino das trevas é fazer com que contribuamos com o avanço de seus planos nefastos, ocupando-nos e atraindo-nos ao pecado e à iniquidade, isto é, à um modo de viver mundano, que solidificarão cada dia mais os pilares de um sistema que se rebela contra o Reino de Deus.
Faraó colocou sobre os ombros dos hebreus os fardos de um trabalho escravo, a fim de impedir que os filhos de Israel se voltassem à esperança de servirem apenas ao SENHOR, sendo libertos. De igual forma, o mundo tentará nos oprimir de maneira a nos prender ao seu serviço. Mas a igreja foi chamada à servir o único Deus vivo e verdadeiro; aquele que a libertou e libertará das cargas da escravidão.
Faraó e os egípcios usaram de astúcia contra os hebreus, assim como o mundo usará de malícia contra a igreja, tentando nos oprimir e afligir. Porém, tanto mais nos oprimem, fazendo-nos sofrer por viver num ambiente contrário a Deus, tanto mais nos multiplicaremos e clamaremos ao SENHOR que desça, a fim de nos livrar das cargas deste mundo.
Conclusão
Êxodo 1.1-14 apresenta o plano redentivo do SENHOR para com seu povo: em Cristo, Deus nos ouviu, e nele, ele desceu, a fim de multiplicar seu povo e o livrar das cargas da servidão, levá-lo à uma terra boa, terra que manda leite e mel, onde habitará em nosso meio, para sempre.