Atos 1.1-11

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O autor fornece a igreja a perspectiva consumatória das promessas que fornecem ao povo de Deus a certeza de que, possuindo o Espírito, estão aguardando o cumprimento da promessa, testemunhando do evangelho, até que vejam o Reino descer em Cristo Jesus, tal como fora dito pelo Pai.

Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
O livro de Atos, claramente uma continuação do Evangelho (cf. At 1.1), foi escrito no início da década de 60 d.C. por Lucas, um cristão de origem gentia, provavelmente médico (cf. Cl 4.14), que passou grande parte do tempo colhendo informações (muitas delas de fontes primárias, como o apóstolo Pedro) com relação às ações iniciais de Cristo em seu ministério terreno, que agora perduram e avançam através do Espírito Santo, em cumprimento a promessa do Pai (cf At 1.4); promessa de expandir seu Reino e publicar a mensagem evangélica que glorifica a Cristo, seu Filho, através da igreja.
Levando em consideração essa tônica, a síntese que Lucas apresenta na introdução de seu segundo volume, delineia o desdobramento e estrutura que o livro proporá. O progresso geográfico-histórico da igreja à luz da descida do Espírito Santo, como fator capacitador para realização da obra testemunhal, é o ponto de referência da movimentação do autor ao longo do texto. Segundo o registro lucano, a promessa de Cristo é que os discípulos "(...) Recebe[rão] poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda Judeia e Samaria e até aos confins da terra (At 1.8)".
Com isso, além das afirmações claras quanto ao crescimento da palavra (cf. 6.7; 9.31; 12.24; 16.4; 19.20), que confirmam a operação do Espírito Santo, o esboço maior do livro pode ser definido a partir do programa expansionista da igreja:
Expansão da Igreja em cumprimento à promessa do Pai (At 1.8):
"De Jerusalém... (caps. 1-7);
à Judeia e Samaria..." (caps. 8-10);
até aos confins da terra. (caps. 11-28).
Mesmo sob perseguição e tribulações, a igreja prevalece firme e continua sua marcha testemunhal ao mundo, como havia sido ordenada pelo Senhor Jesus Cristo (cf. Mt 28.18-20; Mc 16.15-17).
A presente seção é destinada pelo autor à introduzir exatamente o fundamento da ação que será empreendida pelos apóstolos posteriormente. A seção divide-se em dois registros narrativos que são justapostos a fim de corresponderem ao mesmo intento: apresentar as últimas instruções de Cristo e o cumprimento da promessa que sustenta a fé da igreja, mediante a esperança do encontro com o Senhor.
Os versículos de 1 à 4a, apresentam os últimos dias de Cristo com seus discípulos, e também suas últimas instruções com relação ao que deverão fazer depois de sua partida. Jungido a isso, no versículo 5, Lucas registra também a menção do Senhor a que os discípulos deveriam aguardar em Jerusalém até que fossem batizados com o Espírito Santo. Não obstante, a partir do versículos 6 ao 8, o autor retoma um diálogo entre o Senhor e os discípulos, no qual novamente diretrizes são dadas, agora com relação ao futuro estabelecimento do Reino dos céus.
Tendo exortado os futuros apóstolos com relação a restrição do plano divino ao Conselho Trinitário, a operação apostólica de expansão da mensagem evangélica é direcionada, seguida pela menção a ascensão do Senhor e promessa de que "Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir" (v.11).
O paralelismo entre as duas seções enfatiza a atual condição da igreja: todos os discípulos, tendo sido instruídos pelo próprio Cristo, embora tenham já recebido a promessa do Pai de portarem em si o Espírito Santo, devem testemunhar do Evangelho em todo o mundo, no poder desse mesmo Espírito, aguardando o cumprimento consumatório da promessa de Cristo: promessa que refere-se não mais ao período intermediário vivido pela igreja, mas sim, à descida do próprio Senhor, quando finalmente restaurará o Reino ao seu Israel; a igreja.
Isto posto, a síntese pretendida pelo autor a ser elucidada na introdução de seu escrito, consiste na exposição da confiança na promessa do Pai como base imperativa da ação testemunhal da igreja.
Elucidação
Como proposto, duas subseções são emparelhadas referencialmente, ambas enfatizando promessas feitas pelo Pai e pelo próprio Cristo (quando de sua ascensão), a fim de que ênfases semelhantes sejam percebidas e então comunicadas pelo autor ao seu(s) destinatário(s).
Passaremos a analisar cada uma dessas subseções.
1. (vs 1-5): A primeira promessa: a descida do Espírito Santo.
Tendo novamente dirigido-se a seu destinatário, Lucas passa a narrar os eventos relacionados à ascensão de Jesus Cristo. Este ponto de partida (que continua de onde parou em seu primeiro texto) também serve como ponte conectiva entre o que ocorreu anteriormente com o que passará a se suceder ao longo da presente narrativa.
Entendido isso, se no primeiro texto Lucas narrou o que "Jesus começou a fazer e a ensinar" (v. 1) e agora ele se propõe a continuar aquela saga, dever-se-ia entender que o presente texto também consiste num registro das obras de Cristo. Entretanto, tais obras são operadas mediante o poder de outro agente: o Espírito Santo (v.2); agente através do qual também tinha operado todo o seu ministério (encarnação, vida, morte e ressurreição).
Tendo atestado aquilo que havia afirmado na narrativa anterior, de que o Senhor Jesus "depois de ter padecido, apresentou-se vivo, com muitas provas incontestáveis" (v.3), falando aos discípulos sobre o Reino de Deus e dando-lhes suas últimas instruções, Lucas salienta que um ponto destes últimos ensinamentos do Senhor se destaca: a promessa do Pai. Essa promessa consiste, por sua vez, no cumprimento das palavras referidas por João, o batista, quando em seu ministério profético. João havia anunciado que aqueles que seriam chamados ao Reino mediante a operação do arrependimento, seriam batizados — isto é, publicamente identificados como unidos a Cristo — com o próprio Espírito Santo.
Elucidando isso, Lucas estabelece, nessa primeira seção, que essa promessa demarca um ponto crucial da ação cristológica através dos discípulos, que, por meio do Espírito Santo, receberiam poder (cf. Lc 24.49). O início da trajetória da igreja, após o evento da ressurreição do Senhor Jesus, deveria ser marcado pelo cumprimento da promessa da qual falaram os profetas (e.g. Joel (cf. At 2.14-21) e especialmente João, o batista).
Um quadro é então exposto, a fim de que Teófilo perceba que a existência da igreja não é mero acaso. A expansão da palavra evangélica por meio dos discípulos do Senhor, que inclusive o havia alcançado, era na verdade o cumprimento daquilo que o próprio Cristo tinha dito, e assim, outra evidência da veracidade do evangelho é concedida ao(s) leitor(es) do presente texto.
Todavia, para além de uma análise em retrospecto, a partir da segunda seção, Lucas direciona a visão de seu público-alvo para frente, isto é, para o futuro, pois o mesmo também reserva evidências do ministério de Cristo, mediante o poder do Espírito Santo, através da igreja.
2. (vs. 8-11): Segunda promessa: a descida de Cristo.
Como já adiantado, as seções relacionam-se de maneira analógica, a fim de que o mesmo princípio de confiança nas promessas de Cristo, seja elucidado. Essa analogia é feita com base na repetição da estrutura anterior: instruções/mandamentos - promessa.
Em vista do anúncio da promessa do Pai, os discípulos interpretam que tal momento poderia ser aquele que também fora profetizado pelos homens do passado, com relação ao estabelecimento pleno do Reino de Deus; a respeito do qual os discípulos, apesar de terem uma perspectiva cronologicamente correta, a viam de maneira limitada e local. Tal como expressam:
Atos dos Apóstolos 1.6 ARA
Então, os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?
O messianismo do período intertestamentário (333 a.C. à 4 a.C. aproximadamente) havia se concentrado em propor uma revolução política, em que a cultura helenística que subjugava o povo de Israel (e.g. o império alexandrino e o colonialismo romano) haveria de ser combatida e vencida por Deus quando enviasse seu Messias — uma figura que mais se parecia com um general.
Cristo responde aos discípulos não contradizendo totalmente sua perspectiva, mas salientando dois pontos: 1) Não lhes seria revelado o tempo em que o povo de Deus seria liberto da opressão mundana; tal informação havia sido reservada pelo pai "pela sua exclusiva autoridade" (v.7); e 2) que um período intermediário separava os discípulos da realização desse feito, sendo-lhes necessário ser feitos "testemunhas" (gr. "μάρτυρες") do evangelho, ao longo de todo o mundo conhecido.
Ao ser mencionadas essas palavras, Lucas narra o momento em que o Senhor é assunto aos céus, sendo recebido na presença do Pai (cf. v. 9 "e uma nuvem (símbolo veterotestamentário para a glória de Deus) o encobriu dos seus olhos"). Entretanto, nesse instante, dois varões vestidos de branco, param ao lado dos discípulos e questionam a forma como eles estavam observando a subida do Senhor; isto é, como se aquele fosse um momento de despedida: Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentro vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir" (v.11).
A referência lucana, da pergunta e afirmação dos anjos, enquadra uma resposta à primeira pergunta dos discípulos ao Senhor, e serve ao(s) leitor(es) de seu texto como fonte declarativa da intenção autoral desta seção: foi mantida restrição o acesso a informação quanto restauração (estabelecimento) do Reino de Deus, todavia, um marco foi concedido para que os discípulos aguardassem tal evento: cumprindo as ordens do Senhor de testemunharem do evangelho, o Reino dos céus seria finalmente consumado na descida de Cristo Jesus do céu, onde está assentado à direita da Majestade.
Transição
A perspectiva de Lucas é notar as duas promessas (do verso 5 e do verso 11) a partir de um mesmo prisma. O Senhor Jesus havia declarado que os discípulos deveriam esperar o cumprimento da promessa do Pai do envio do Espírito Santo; promessa essa que já havia sido cumprida quando Lucas escreveu o presente relato.
O poder do Espírito capacitaria os discípulos a cumprirem a missão da qual foram incumbidos. Todavia, a descida do Espírito é um período de tempo intermediário, isto é, um momento de progressão da ação de Cristo por intermédio da igreja, levando a boa-nova da salvação à todos os povos da terra. Quando esse objetivo for finalmente fruído; quando a palavra evangélica for anunciada em Jerusalém, Judeia e Samaria, chegando aos confins da terra, o Reino de Deus seria estabelecido através da descida (retorno) do próprio Cristo, que inauguraria o tempo eterno da restauração de todas as coisas.
A igreja está situada exatamente no meio de uma promessa e de outra, sendo influenciada por ambas: os discípulos de Cristo recebem o Espírito Santo e seu poder, para cumprir a ordem de expansão da palavra evangélica por todo o mundo, aguardando que, ao concluirem a missão, vejam o próprio Cristo descer, consumando o Reino.
Ambas as promessas fornecem à igreja a base inequívoca para confiarem no fato de que Espírito está capacitando o povo de Deus a realizar tudo o que Cristo fez e ensinou, replicando assim sua obra. Por outro lado, essa mesma evidência prova ainda outra verdade: um dia, quando a palavra do evangelho tiver chegado aos confins do mundo, o próprio Senhor descerá, trazendo consigo o Reino de Deus.
À luz dessas considerações, o texto de Atos 1.1-11, sintetiza as seguintes verdades:
Aplicações
1. O fato de confessarmos e cremos em Cristo Jesus como Senhor e Redentor, é a prova inequívoca de que o Espírito nos foi enviado como Consolador e Capacitador, tal como fora prometido pelo Pai.
A ordem do Senhor foi clara: os primeiros discípulos deveriam pregar o evangelho até ao fim do mundo. Entretanto, para essa tarefa, precisariam do poder do Espírito Santo que lhes seria enviado, tal como fora prometido pelo Pai e publicado pelo Filho. Se hoje estamos aqui reunidos, declarando nossa fé no Filho exaltado de Deus, é porque o Espírito Santo verdadeiramente desceu, e infundiu nos nossos corações a fé para que possamos não somente crer para a salvação, mas sermos também transformados em testemunhas dessa salvação a outros.
Nós, a igreja de Cristo, que se espalha por todo o mundo, somos a prova de que a promessa do Pai foi cumprida. Somos a evidência de que fomos batizados com o Espírito Santo; aquele que agora faz morada em nós, santificando-nos e preparando-nos para o momento da manifestação da glória de Deus o Pai em seu Filho, Jesus Cristo, que estabelecerá o Reino.
Assim como ficou claro a Teófilo e a todos os leitores do texto de Atos que a expansão da igreja não era obra de homens, senão do Pai, que em Cristo, por meio do Espírito, faz sua igreja avançar pelo mundo, devemos nós também desfrutar de tal convicção, pois temos recebido o Espírito.
2. A descida do Espírito, por sua vez, ratifica para nós a esperança de que, nosso olhos verão o cumprimento de outra promessa: a descida daquele que ao céu subiu: Cristo Jesus, que trará consigo o Reino.
Em vista de que temos recebido o Espírito, tendo os primeiros discípulos sido capacitados para testemunhar do evangelho aos confins da terra (nos alcançando), outra promessa também nos é direcionada e seu cumprimento assegurado: o poder do Espírito, do qual agora dispomos, salienta a estada da igreja num período intermediário, isto é, nossa missão nesse mundo implica numa progressão histórico-redentiva, que culminará com o cumprimento do evento mencionado pelo anjo no versículo 11: O Cristo que os discípulos viram subir ao céu, assentando-se à direita de Deus-Pai, descerá, e esse será o momento em que seu Reino será consumado.
Enquanto estamos testemunhando do evangelho, anunciando a salvação em Cristo, e este como já entronizado no céu ao lado do Pai, esperamos que o Senhor cumpra sua promessa: que ele desça, encerrando a história com o apoteótico desfecho da restauração da criação: a glória do SENHOR cobrirá toda a terra.
Conclusão
Desde a criação, o Deus que se revelou expondo seus propósitos redentivos, tem cumprido suas promessas, mostrando ao seu povo sua fidelidade. De maneira máxima, evidenciou isso em Cristo; o maior de todos os cumprimentos. Agora, sob à luz das duas promessas contidas no texto de Atos 1.1-11, a igreja trabalha e espera: trabalha, no poder do Espírito, expondo ao mundo o evangelho, e espera o momento em que o mesmo será finalmente consumado, com a descida em glória, do Filho de Deus - Cristo Jesus.
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