COMO LIDAR COM O TEMOR

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É possível lidar biblicamente com o temor.

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TÍTULO: O Temor Desvelado
INTRODUÇÃO: Foi no verão de um dos primeiros anos do novo século que aconteceu algo que eu não consigo esquecer. Eu, ainda adolescente, andava pelas ruas do bairro com amigos, totalmente despreocupado. De repente, se iniciou um tiroteio a dez metros de mim. Não foram menos de 20 tiros praticamente ao meu lado. Se eu não acreditasse na Providência, estaria até hoje me perguntando como nenhum deles me atingiu. Curiosamente, entre o som do primeiro para o segundo disparo, algo estranho em mim foi acionado, me movendo a encontrar algum abrigo rapidamente. Essa coisa esquisita se chama medo, algo muito útil se orientado corretamente, mas também bastante prejudicial se o oposto acontecer.
ELUCIDAÇÃO: Recapitulando brevemente o que aprendemos até aqui: as nossas emoções “negativas”, como ira, tristeza e ciúme, são presentes dados por Deus, podendo ser utilizados para a sua glória. São expressões instintivas e responsivas daquilo que amamos, nos revelando a nós mesmos e sendo, em última instância, uma matéria religiosa. Sim, irmãos, o sentir tem tudo a ver com o adorar. Não é diferente quanto ao temor, o nosso segundo objeto de estudo. Podemos defini-lo como uma resposta cautelosa do coração quando algo que amamos está sob ameaça. Dentro dessa ideia maior, podemos usar,de maneira intercambiável, várias palavras com o mesmo sentido, apenas variando em intensidade: inquietação, preocupação, nervosismo, ansiedade, tensão, medo, pânico, terror etc. E aí, me entenda: quando o vocabulário aumenta com termos diferentes para o mesmo conceito, podemos presumir que encontramos um problema cultural profundo. Não é sem sentido que alguns especialistas testemunham que esse é o assunto mais comum no aconselhamento, uma verdadeira epidemia. Para a nossa compreensão urgente, vale a pena salientar que há o temor pecaminoso e o temor piedoso. O primeiro, também chamado de temor do homem, acontece quando as pessoas são grandes e Deus é pequeno. O segundo, também chamado de temor de Deus, acontece quando Deus é grande e as pessoas são pequenas. Seja como for, o que unifica os dois conceitos é que...
PROPOSIÇÃO: O temor revela aquilo que nos governa
SENTENÇA TRANSICIONAL: De que modo essa revelação ocorre no dia-a-dia?
• O temor revela uma necessidade de fuga (Sl 55:1-14, 16-18, 22)
O texto se inicia apresentando uma situação complicada que havia alcançado a vida do monarca: “Escuta a minha oração, ó Deus, não ignores a minha súplica; ouve-me e responde-me!”. A insistência dele não pode passar batida. “Escuta”, “não ignores”, “ouve-me e responde-me”. Embora a repetição de ideias seja típica da poesia hebraica, ainda assim parece que a petição do autor é enfática. Davi está indubitavelmente aflito. Inclusive, versos 2-4, só de pensar nos problemas, especialmente no “problema”, singular, ele fica perturbado. O seu coração acelera, o pavor da morte o assalta. Ele está atordoado. O seu diagnóstico definitivo é encontrado no verso 5: “Temor”. Esse é um dos temas principais de toda a bíblia. O Dr. Edward Welch, especialista no assunto, escreve: “O temor [...] faz de tal maneira parte da nossa estrutura humana que devemos checar os batimentos cardíacos de alguém que o negue”. Bem, o rei de Israel era humano. Ele sentiu medo, uma emoção com origem interna que mexe com o exterior, deixando várias impressões digitais. Pode ser respiração curta, aumento da frequência cardíaca, palma das mãos úmidas, músculos tensionados, pensamentos acelerados, tiques nervosos, problemas digestivos etc. A evidência externa neste texto era o “tremor”. Estamos falando de uma ansiedade severa. O sentimento de horror foi tão profundo que o texto hebraico registra um envolvimento integral, estando Davi completamente coberto (כָּסָה). A emoção, bem traduzida na NVI, o dominou, tomou conta dele por completo.
Em circunstâncias assim, os nossos impulsos geralmente comunicam uma coisa só: tome um chá de sumiço! Isso é curioso, pois enquanto a ira ataca o problema, o temor faz você se distanciar dele. Com Davi não foi diferente: “Então eu disse: Quem dera eu tivesse asas como a pomba; voaria até encontrar repouso! Sim, eu fugiria para bem longe, e no deserto eu teria o meu abrigo. Eu me apressaria em achar refúgio longe do vendaval e da tempestade”. O servo de Deus queria ser como um pássaro. Afinal de contas, eles não toleram uma presença ameaçadora. Pelo contrário, assim que a identificam, eles voam até achar um lugar de segurança, longe do caos urbano. Mas, voltando ao texto, o que será que causou esse pânico todo? Geralmente o terror vem pela possibilidade da vergonha, da rejeição e da agressão. No caso do personagem em análise, talvez tudo isso estivesse presente ao mesmo tempo. Ele fala, versos 3 e 9-11, de maneira mais generalizada, mas nos versos 12 a 14 abre o jogo: “Se um inimigo me insultasse, eu poderia suportar; se um adversário se levantasse contra mim, eu poderia defender-me; mas logo você, meu colega, meu companheiro, meu amigo chegado, você com quem eu partilhava agradável comunhão enquanto íamos com a multidão festiva para a casa de Deus!”. O que machucou deveras o seu coração foi a traição de um amigo. Ao que parece, a referência mencionada é Aitofel (2 Sm 15-17), o homem sábio e próximo que se voltou contra ele, oferecendo os seus conselhos a Absalão, o filho traidor do rei. Esse foi um trauma do seu passado que possivelmente contribuiu para o desmantelar da estabilidade emocional de Davi.
E agora, qual a solução? O desejo de Davi é fugir do perigo – e exatamente isso que ele faz, mas não como um pássaro para o deserto, e sim para debaixo das asas seguras de Deus. Versos 16-18: “Eu, porém, clamo a Deus, e o Senhor me salvará. À tarde, pela manhã e ao meio-dia choro angustiado, e ele ouve a minha voz. Ele me guarda ileso na batalha, sendo muitos os que estão contra mim”. Embora existissem estímulos para Davi se proteger a si mesmo, ele preferiu, corretamente, diga-se de passagem, fugir para YHWH, o seu Protetor. O temor motiva o ser humano a buscar segurança, controle e certeza. O rei de Israel sabia que poderia encontrar tudo isso no esconderijo do Altíssimo. Na sua poesia, adiantou o que o apóstolo Pedro (1 Pe 5:7) testemunharia mil anos depois, verso 22: “Entregue suas preocupações ao SENHOR, e ele o susterá”. O sujeito encontrou o segredo para lidar com os temores da vida – temer mais o Senhor.
• O temor revela onde está a nossa confiança (Sl 27:1-614)
O salmo 27 é mais um daqueles em que pressupõem uma realidade de perseguição, gerando, naturalmente, pavor. Considerada a análise do próprio texto, é possível que densas trevas estivessem cercando a vida de Davi. Ele não poderia fugir da sua emoção – ela é instintiva– mas poderia fugir para Deus. Foi isso que fez: “O SENHOR é a minha luz e a minha salvação; de quem terei temor? O SENHOR é o meu forte refúgio; de quem terei medo?”. O texto é estruturado com o que se chama, na poesia hebraica, de paralelismo sinonímico, exibindo uma equivalência entre as duas partes. Assim, “temor” equivale a “medo”, com sutis diferenças. Veja que o poeta está absolutamente convicto de sua segurança. YHWH é “luz” que brilha no escuro; é “refúgio” para o seu povo. Essa é uma coisa importante a ser afirmada pelo ansioso. Deus protege! A estatística no livro dos salmos não mente: O Senhor como refúgio é a segunda metáfora mais importante empregada, sendo a primeira a do Senhor como rei. Obviamente, é compreensível se preocupar com as ameaças ao nosso redor, mas é preciso enxerga-las no seu tamanho real. Às vezes, o temor pode ser um falso profeta exagerado da realidade. Acredito que Davi não permitia regularmente essa leitura equivocada. Por isso, progressivamente, entre os versos 2 e 3, ele transmite os perigos: “homens maus”, “inimigos” e “um exército”. Mesmo contra tudo isso, diz: “o meu coração não temerá”; “mesmo assim estarei confiante”. Irmãos, aquele que enxerga Deus em sua grandeza e poder certamente percebe que todas as outras coisas são muito menores. Tome Micaías, 1 Rs 22, por exemplo. Depois de ter visto o Senhor assentado no trono, quem ou o que era Acabe, uma vez que ele acabara de ver Deus? Faraó, o Mar Vermelho, os gigantes de Canaã, o profundo Rio Jordão, o filisteu Golias – quem são eles comparados àquele que lançou os fundamentos da terra?
No verso 4, vemos a concentração de Davi: “Uma coisa”, diz o salmista. “Uma coisa faço”, escreve Paulo aos Filipenses. “Falta-lhe uma coisa”, afirmou Jesus ao jovem rico. “Apenas uma coisa é necessária”, disse Jesus a Marta. “Uma coisa sei”, asseverou o homem cego a quem Jesus havia curado. Essas declarações sobre “uma coisa” variam, mas todas elas reconhecem que há momentos em que é preciso focar. No salmo, “uma coisa pedi ao SENHOR; é o que procuro: que eu possa viver na casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a bondade do SENHOR e buscar sua orientação no seu templo. Pois no dia da adversidade ele me guardará protegido em sua habitação; no seu tabernáculo me esconderá e me porá em segurança sobre um rochedo. Então triunfarei sobre os inimigos que me cercam. Em seu tabernáculo oferecei sacrifícios com aclamações; cantarei e louvarei ao SENHOR”. Os termos “casa do SENHOR”, “seu templo”, “sua habitação” e “seu tabernáculo” (2x) são, na teologia do AT, modos de falar da mesma coisa: a presença de Deus. O desejo de Davi não era literalmente morar na casa de Deus, como se fosse um sacerdote levita, mas usufruir da companhia de YHWH, estando debaixo da sua proteção em todo o tempo. Gente, ter alguém ao lado nos dá a sensação de que podemos vencer o medo, você não acha? Me recordo de lutas que uma pessoa da minha família enfrentou quanto à incerteza de ter desligado ou não o fogão toda vez que saía de casa. Quanto notei isso, me solidarizei e me dispus a ajuda-la toda vez que podia, acertificando de que o fogão estava desligado. Para a minha surpresa, o elemento “companhia” foi determinante para uma melhora – e, cá entre nós,se pessoas podem nos ajudar com a sua presença, quanto mais a companhia de Emanuel, Deus conosco, em todas as circunstâncias amedrontadoras?
Bem, na presença de Deus, Davi poderia “contemplar a bondade do SENHOR”. Onde se “bondade”, favor considerar como “agradabilidade”. A palavra hebraica aqui, נֹ֫עַם,aparece apenas outras 6 vezes na bíblia, geralmente com isso em mente. Algumas traduções sugerem “beleza” ou “formosura”, mas o conceito não é restritivo à estética. Estamos falando de uma agradabilidade generalizada, em todos os sentidos. O puritano Richard Sibbes capta bem isso: “Beleza [ou bondade] é uma palavra muito particular para expressar a plenitude do Espírito Santo e a afabilidade de Deus. Tomemos a palavra em sentido geral, segundo o entendimento comum. Deus [...] não é só beleza para os olhos da alma, mas perfume para o olfato e doçura para o paladar, e de modo geral para todas as nossas faculdades”. Irmãos, Deus não é apenas belo, formoso ou bom – Deus é excelente. Na Teologia Sistemática, sabe como chamamos os atributos de Deus? Não como meras características, mas como perfeições. Então, siga o raciocínio: Davi queria estar na presença de Deus meditando na excelência do seu ser. Deus é segurança, certeza e controle: “Ele me guardará protegido”; “ele me porá em segurança”. Por fim, verso 14, pregando ao seu próprio coração, ele diz: “Espere no SENHOR. Seja forte! Coragem! Espere no SENHOR”. São as mesmas palavras pactuais, de aliança, para vários personagens bíblicos. Davi sabe que vale a pena esperar pelo Senhor. Ele é fiel para nos proteger.
Aplicações:
1. É o que você crê? Diante das pessoas, das circunstâncias e dos males que te assustam, Deus é grande mesmo no seu coração? “Mas pastor”, você diz, “Eu não sou Davi. Embora queira honrar a Deus com toda a minha vida, inclusive com as emoções, estou aprendendo agora sobre o assunto. O que eu faço?”. Eis a resposta: antes de tudo, preste bem atenção aos seus temores. Eles certamente estão te contando algo muito importante sobre a forma das suas esperanças, dos seus sonhos e, principalmente, do seu deus. Eu concordo com um comentarista que diz que o medo é provavelmente o melhor mapa do que você realmente valoriza. Encare como uma boa oportunidade de se examinar, tendo condições de até mesmo nomear quais são os seus tesouros. Às vezes, o problema se manifesta no lar: algumas pessoas tem medo de ir para casa, pelo clima de tensão com o filho rebelde, por não querer desagradar o marido em alguma coisa, com receio da agressão física ou simplesmente pelas dificuldades da solidão. Outros, muito mais do que se imagina, têm medo do escuro. Eu mesmo passei anos apavorado em dirigir na faixa esquerda de uma rodovia federal por conta de um acidente traumático no passado. Todos nós lutamos com questões particulares. Eu sei que a inquietação de vocês deve envolver elevadores, aeroportos, florestas, dirigir numa avenida movimentada, engajamento na igreja etc. Eu também sei que a ansiedade aparece em datas específicas: finados, dia dos namorados, aniversário de casamento. Porém, geralmente o revés diz respeito a pessoas em específico. O medo de ser humilhado numa apresentação pública, a presença de certos indivíduos que te inibem, a idolatria da autoestima, provando que sua vida gira em torno do que outros pensam. Estou mentindo?
2. Queridos, uma vez compreendido o que está por trás do temor, a pergunta a ser feita é: “O que eu estou fazendo em resposta a isso?”. Algum elemento de fuga deve estar envolvido. Pense bem na real razão pela qual você fica tomando aquele remedinho pra dormir. Por que será que mergulhas em álcool, se enfurnas no Instagram na frente das suas companhias ou exageras no tempo de trabalho? Chegou à conclusão? É porque queremos ser como pássaros, procurando desesperadamente por um lugar resguardado. Em geral, não se trata de algo ruim. É natural e instintivo do homem procurar por segurança, controle e certeza. Irmãos, essas três coisas são tudo o que queremos face ao perigo. É por essa razão que escolhemos não sair da zona de conforto, gerenciar tudo em estado ininterrupto de alerta e apenas se mover quando o passo a ser dado não nos colocar em risco. Isso parece muito compreensível, a não ser por um ponto: nesta vida fragmentada que vivemos, nós nunca estaremos completamente seguros, totalmente no controle ou 100% certo do que virá em seguida, especialmente porque perigo, dependência e incerteza são placas de sinalização que nos apontam para uma Pessoa: Aquele cujo controle e imutabilidade são a nossa verdadeira segurança.
3. Quer se sentir protegido, sob cuidado e convicto? Ouça o salmista: “Entregue suas preocupações ao SENHOR, e ele o susterá”. Deseja se esvaziar desse nervosismo fatigante? Ouça o Filho de Davi: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso” (Mt 11:38). No final das contas, não importa a fisionomia do seu temor, o que deves fazer é lembrar do poder de Deus e dos seus maravilhosos atos de ajuda do passado. O Senhor não abandonou o seu povo diante do Mar Vermelho; o Senhor não deixou de proteger o seu povo na batalha pela Terra Prometida; o Senhor não esteve ausente nas inúmeras batalhas do AT; o Senhor não nos deixou na lama com os porcos, antes nos salvou e assegurou que jamais alguém nos tomará de suas mãos. Irmão amado, não se esqueça que Deus é soberano e fiel. Nunca se esqueça que Deus está interessado e comprometido em prover paz ao nosso coração. Em nome de Jesus, lembre-se que Deus conhece todas as suas necessidades e trabalha para que todas as coisas cooperem para o seu bem. Portanto, seja forte e corajoso. O escuro pode dar medo, mas lembre-se que Jesus é luz que brilha nas trevas. As criaturas podem te deixar apavorado, mas lembre-se que Jesus é criador. Os exércitos podem te deixar preocupado, mas lembre-se que o Senhor é castelo forte. Estar sozinho pode te deixar ansioso, mas lembre-se que Emanuel, Jesus Cristo, é companhia constante, cheio de “agradabilidade”. Oh, meu irmão, deleite-se no Senhor. Contemple a sua bondade, formosura, beleza, excelência, pois otemor do Senhor é o princípio da sabedoria.
CONCLUSÃO: Por fim, diante de tudo isso, olhe para Jesus Cristo, o caminho, a verdade e a vida. Primeiro, tome-o como exemplo. No Jardim do Getsêmani, suou sangue e ficou temeroso quanto ao que estava para acontecer, mas sem pecar. Sentir medo não é pecaminoso em si. O segredo é ter mais medo de Deus do que de todo o resto. Foi o Nazareno que disse: “Não tenham medo dos que matam o corpo e depois nada mais podem fazer. Mas eu lhes mostrarei a quem vocês devem temer: temam aquele que, depois de matar o corpo, tem poder para lançar no inferno. Sim, eu lhes digo, esse vocês devem temer” (Lc 12:4-5). Segundo, tome-o como Salvador. É por meio dele que nossos pecados, inclusive o de temor dos homens, são perdoados. É somente através dele que podemos nos apropriar da mensagem: “o amor lança fora o medo”. Como Jesus e com Jesus, podemos expressar temor corretamente.
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