Atos 1.12-26

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O autor divino/humano demonstra que é a partir da prontidão da igreja em obedecer às instruções do Senhor, que procede a certificação de que agem de acordo com o ministério para o qual fora chamada: testemunha de Cristo aos confins da terra.

Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após ter introduzido seu relato a partir das duas promessas que guiarão a vida da igreja, quais sejam; a descida do Espírito (como prometido por Cristo (cf. v.4)), e a descida do próprio Senhor Jesus — momento em que o Reino será finalmente restaurado (i.e. consumado) (cf. v. 6) —, Lucas passa a narrar os eventos e acontecimentos preparatórios para o cumprimento da primeira, conforme será descrito no capítulo 2.
Dois pontos destacam-se na narrativa lucana: a reunião dos 120 discípulos (vs. 12-14), sendo citados nominalmente os onze apóstolos escolhidos por Cristo, que perseveravam em oração e obediência às ordens do Messias (cf. v. 4); e a substituição de Judas, o Iscariotes, por aquele que foi designado pelo Senhor para tomar parte no ministério apostólico (vs. 16-26).
Ambos os pontos enfatizam a condição da igreja de expectativa, como dito, de que Cristo Jesus, através do Espírito Santo, leve adiante a etapa final do plano redentivo. Como argumenta Keener: "Manter o número de doze líderes ainda era importante em virtude de sua mensagem simbólica sobre a restauração do povo de Deus" (KEENER, 2017, p.380. Grifo nosso).
A perseverança em oração e o mantenimento do número dos apóstolos, representam, segundo o recorte de Lucas, a prontidão da igreja em que a promessa do Pai seja cumprida. Tal mensagem deveria comunicar ao(s) leitor(es) /ouvinte(s) do texto, que a igreja tem vivido sob a tutela constante do Pai, que guia a história para fruição de seus propósitos, em expectativa de que os tais sejam plenamente executados por meio de seu Filho, Jesus Cristo, o qual por sua vez, na presente dispensação (isto é, do momento de sua ressurreição até sua segunda vinda ou retorno), opera através do poder do Espírito Santo.
Diante disso, o texto de Atos 1.12-26 centraliza como tese central a prontidão da igreja sob o cuidado divino em relação ao cumprimento de seu chamado testemunhal.
Elucidação
De acordo com o destaque apresentado no texto e proposto introdutoriamente, dois pontos principais destacam-se da narrativa, formando os pontos narrativos usados pelo autor na comunicação da tese central da passagem; os quais passaremos a analisar.
1.(vs. 12-14): A perseverança das testemunhas em oração.
A narrativa inicia-se com a descrição da ação de obediência dos discípulos em relação ao que falara Cristo antes de sua ascensão:
Atos dos Apóstolos 1.12 ARA
Então, voltaram para Jerusalém, do monte chamado Olival, que dista daquela cidade tanto como a jornada de um sábado.
Além disso, também de acordo com as ordens de Cristo, a intenção do Senhor era de que seus discípulos estivessem reunidos enquanto aguardavam a promessa do Pai (cf. v. 4-5). A ênfase de Lucas nesse ponto demonstra uma caracterização da igreja, que o mesmo delineia a seu(s) destinatário(s) a partir de três perspectivas: 1) o modo como a igreja vive; 2) como compreende as palavras do Senhor; e 3) como todo o povo de Deus (referenciados pelos 120, principalmente através dos onze listados a seguir) se porta em relação às promessas anteriormente destacadas.
Os onze discípulos, a essa altura listados nominalmente (como forma de já introduzir o contexto que justifica a substituição da 12º cadeira no colégio apostólico) perseveravam (gr. “προσκαρτεροῦντες”) em oração, isto é, mantinham-se confiantes e firmes de que a promessa do Senhor Jesus no que tange ao concessão de poder de que precisavam para ser testemunhas (gr. “μάρτυς”) do evangelho, seria cumprida.
Conforme será reiterado posteriormente (cf. e.g. At 2.42), a oração seguirá sendo uma das posturas que marcam o avanço da igreja em seu movimento expansivo aos confins do mundo. Os discípulos manterem-se diante do Senhor em oração, demonstra, como já adiantado, seu compromisso em obedecerem ao chamado do Senhor Jesus, que os faz ser os difusores da mensagem salvadora endereçada ao mundo.
Esta, segundo a intenção lucana, é certamente uma das obras executadas por Cristo na e através da sua igreja: suas testemunhas, enquanto aguardam o cumprimento da segunda promessa (i.e. sua volta), mantém-se firme em sua obediência às ordens do Senhor, e por meio dessa postura, a igreja assegura a expansão da palavra evangélica. Teófilo era fruto dessa ação, bem como todos aqueles que foram chamados à salvação em Cristo Jesus pelo poder do Espírito, e concomitante a percepção dessa verdade, são expostos a seu compromisso como mártires de Cristo, sendo esperado deles a mesma compreensão e atitude.
Na sequência desse relato, Lucas adiciona (expandindo e desenvolvendo de maneira mais incisiva) o relato da escolha do décimo segundo apóstolo, que completa o número das principais testemunhas, de maneira que estes representam toda a igreja do Senhor Jesus, segundo já comentado.
2. (vs. 15-26): A completude das testemunhas e sua representação da igreja.
Conforme anuncia o versículo 15, Pedro, tomando a palavra na assembleia de irmãos, composta esta por 120 pessoas, relembra os fatos ocorridos em relação a Judas, o Iscariotes. Segundo Pedro:
Atos dos Apóstolos 1.16 ARA
Irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo proferiu anteriormente por boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam Jesus,
A menção de Pedro, agora interpretando os fatos, é de que o ocorrido não foi algo ocasional ou fortuito, estando desconectado da vontade de Cristo; pelo contrário, a traição de Judas há muito tinha sido anunciada, segundo atestam as Escrituras. Até mesmo os episódios ligados à sua morte (descrita em detalhes) cumpriu o que a seu respeito dissera Davi, identificado nesse caso como profeta, segundo consta nos salmos 69.25 e 109.8. Como seguem:
Salmo 69.25
Fique deserta a sua morada, e não haja quem habite as suas tendas.
Salmo 109.8
Os seus dias sejam poucos, e tome outro o seu encargo.
Ambos os salmos possuem caráter messiânico, isto é, ambos são interpretados no Novo Testamento (especialmente nos evangelhos) como que referindo-se tipologicamente à Cristo. Entretanto, o ponto em comum entre ambos os salmos (para além de sua messianidade) — razão que direciona a interpretação de Pedro — é a referência à um inimigo em comum que aflige o salmista, sendo oferecida ao SENHOR oração contra tal. Por exemplo no Salmo 69, a estrofe à qual pertence o verso 25, citado por Pedro registra:
Salmo 69.22–25 (ARA)
Sua mesa torne-se-lhes diante deles em laço, e a prosperidade, em armadilha. Obscureçam-se-lhes os olhos, para que não vejam; e faze que sempre lhes vacile o dorso. Derrama sobre eles a tua indignação, e que o ardor da tua ira os alcance. Fique deserta a sua morada, e não haja quem habite as suas tendas.
O mesmo tom é encontrado no Salmo 109, sendo este ainda mais específico:
Salmo 109.6–8 (ARA)
Suscita contra ele um ímpio, e à sua direita esteja um acusador. Quando o julgarem, seja condenado; e, tida como pecado, a sua oração. Os seus dias sejam poucos, e tome outro o seu encargo.
Todas essas compreensões são agora tidas por Pedro como referência a transitoriedade da condição de Judas como uma das testemunhas do Senhor. Tendo sido ele levantado como sendo o instrumento por meio do qual Cristo seria traído e preso (cf. At 1.16 "(…) que foi o guia daqueles que prenderam Jesus"), segundo o que apresentaram o Salmos, seu lugar ao lado dos onze era certamente temporário, pois transviando-se do ministério e apostolado, foi para o seu devido lugar (cf. v.25; fig. ling. eufemismo para condenação).
Diante dessa compreensão, a assertiva de Pedro é clara, sendo ratificada pela assembleia:
Atos dos Apóstolos 1.21–22 ARA
É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, começando no batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição.
Segundo introdutoriamente apresentado, a reconfiguração original do colégio apostólico estaria diretamente ligada (de acordo com a interpretação dos apóstolos, e de Lucas, que registra o presente relato) à própria situação de prontidão da igreja diante da vontade de Cristo, de que por meio dos doze homens que escolhera (somando-se o que agora será incorporado), a igreja do Senhor esteja pronta para receber a promessa do Pai da descida do Espírito Santo.
A noção dos 120 irmãos no cenáculo é corroborada por Lucas e enfatizada ao público-alvo deste: a oração (salientada na primeira parte desta seção) é atrelada à preocupação com o número dos apóstolos, e esses dois pontos compõem o quadro geral que encena a condição de obediência e perseverança da igreja.
Em seu chamado testemunhal, a prontidão do corpo de testemunhas do Senhor Jesus reflete a importância do encargo e missão que dele recebera. A difusão da mensagem salvadora se iniciaria, em primeiro lugar, com a disposição e entendimento dos discípulos em obedecer ao Senhor, fazendo o que pelo Espírito, lhes foi comunicado.
A proposição de dois nomes para ocupação da cadeira apostólica de Judas, salienta que a compreensão dos onze era comum à todos os 120 presentes no cenáculo, e a oração registrada por Lucas, sintetiza o ponto destacado por ele nessa subseção de seu texto:
Atos dos Apóstolos 1.24–25 ARA
E, orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, revela-nos qual destes dois tens escolhido para preencher a vaga neste ministério e apostolado, do qual Judas se transviou, indo para o seu próprio lugar.
A dependência da comunidade apostólica de que o Senhor os direcione encerra a narrativa, enquadrando-os como preparados a receberem o poder de que precisam para iniciarem seu ministério testemunhal. O Senhor, que conhece os corações (v.24), isto é, que percebe a disposição obediente e sincera dos discípulos de Cristo, guiando a decisão a ser tomada, ratifica a condição daqueles irmãos como testemunhas da salvação aos confins da terra, e a evidência disso foi a escolha de Matias, "sendo lhe, então, votado lugar com os onze apóstolos" (v.26).
Transição
Notadamente o destaque de Lucas no registro dessa seção de seu texto, consiste em uma preparação para os acontecimentos posteriormente narrados. Entretanto, mais do que um adiantamento, o autor está, por meio do texto, lançando as bases principiológicas que fundamentam a identidade da igreja como testemunha de Cristo ao mundo.
O Senhor Jesus, ao convocar seus discípulos para serem testemunhas suas até aos confins do mundo, requer deles uma postura de fidelidade às suas palavras, pois tal atitude revelaria fé no cumprimento das promessas que beneficiarão a igreja, tornando-a participante do Reino, bem como dependência exclusiva dele para o cumprimento de seu chamado.
A perseverança em oração seguida pela obediência no mantenimento da configuração da comunidade de testemunhas, marca a intenção principal de Lucas ao ter redigido seu escrito. Notando isso, o texto de Atos 1.12-26, enfatiza o seguinte ponto:
Aplicação
A igreja cumpre seu chamado testemunhal ao mundo, como difusora do evangelho, a partir de uma postura perseverante e obediente às palavras do Senhor Jesus.
Antes de considerarmos as implicações do presente texto na vida da igreja contemporânea, faz-se necessário compreender que o contexto registrado pelo autor divino/humano, conforme a presente narrativa, é peculiar àquele momento da história da igreja. Os 120 discípulos, incluindo os apóstolos, estavam num período anterior à descida do Espírito Santo, aguardando o cumprimento dessa promessa. Isto posto, há aspectos peculiares a esse período que dizem respeito somente àquela situação, como por exemplo, o lançamento de sortes para eleição de Matias como apóstolo, ainda que esse procedimento tenha sido executado mediante a clara compreensão da soberania do Senhor Jesus sobre sua igreja e sobre a história.
Nada obstante, Lucas está escrevendo seu texto a um público (tendo em vista o caráter universal que o documento endereçado a Teófilo recebeu) posterior a esse acontecimento, e assim, excetuando-se as peculiaridades, há princípios que também devem ser compreendidos pelos leitores “pós-promessa”, sendo um desses, a noção de que é a partir da perseverança e obediência nossa às palavras de Cristo, que a igreja age de acordo com o chamado testemunhal que recebeu do Senhor Jesus.
Ao considerarmos a temática da expansão da mensagem evangélica ao mundo, somos bombardeados hoje com as mais plurais e diversificadas ideias e estratégias missionárias. Mas, infelizmente, poucas dessas iniciativas consideram as bases sobre as quais a igreja deve operar seu papel de testemunha ao mundo, e, entre táticas e estratégias missionais, a igreja do Senhor acaba perdendo sua identidade como mensageira da palavra salvadora, ao ignorar o “marco-zero” de sua ação no mundo, dando mais atenção à metodologias humanas do que às palavras do Redentor.
O poder capacitador do Espírito foi concedido àqueles que, antes de saírem pelo mundo, viram nas ordens de Cristo, o fundamento de sua missão. Ironicamente, antes de percorrem Jerusalém, Judeia e Samaria, chegando aos confins da terra, os discípulos do Senhor foram exortados a permanecerem reunidos em Jerusalém, até que do alto fossem revestidos de poder (cf. Lc 24.49). Isso mostra que o ímpeto evangelizador da igreja deve partir de uma obediência resoluta ao Senhor da igreja, pois dele advém toda a capacitação para cumprirmos nosso chamado.
A oração dos 120 exibe o coração dependente da igreja, e a escolha de Matias — que não foi mero capricho perfeccionista — ratifica seu compromisso de viver segundo Cristo Jesus, em seu Espírito, determina. Assegurados esses princípios, certamente a comunidade testemunhal verá a ação poderosa do Senhor Jesus fazê-los lograr êxito na maravilhosa missão de divulgar ao mundo que a redenção foi executada e o Reino se aproxima.
Obediência e perseverança são as marcas daqueles que, como o corpo de testemunhas do Senhor Jesus, operam de acordo com sua vontade e multiplicam-se, fazendo outros discípulos de todas as nações, povos, línguas e tribos.
Conclusão
Após dois mil anos, a igreja do Senhor mantém-se perseverante e firme em sua obediência ao chamado testemunhal, e tendo já recebido o Espírito, avançamos pelo mundo, levando às partes mais longínquas da terra, o evangelho da graça de Deus em Cristo Jesus, que, pelo poder do Espírito, salva os perdidos fazendo-os discípulos do Senhor.
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