Êxodo 2.11-22

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O autor bíblico expõe o processo preparatório do ente libertador, como nova ênfase na apresentação de sua identidade como instrumento da ação redentiva do SENHOR em favor de seu povo.

Notes
Transcript
"São estes os nomes..." (Êx 1.1).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após ter registrado a narrativa que se encarrega de apresentar aos filhos de Israel o ente libertador (no caso, o próprio Moisés) usado como instrumento divino na libertação que o SENHOR realizou em favor de seu povo, Moisés, prosseguindo no intento de expor a compreensão redentiva quanto aos atos realizados por Deus no êxodo de Israel do Egito, mediante a publicação de sua identidade como ferramenta para execução desse propósito, menciona o relato de sua fuga para o deserto, para as terra de Midiã, a fim de lá ser preparado para o encargo determinado pelo SENHOR.
A construção argumentativa do autor consiste em ratificar a obra redentora que foi executada por Deus, salientando em primeiro lugar, como dito, a identidade daquele que será usado nesse propósito; argumento iniciado na seção anterior (cf. 1.15-2.10). A perspectiva de Moisés como libertador dos hebreus é basilar para compreensão salvadora eivada no relato do Êxodo. Opor-se a Moisés, resistindo reconhecê-lo como enviado da parte do SENHOR, equivaleria a resistir ao próprio SENHOR, negando o caráter salvífico de suas ações. Moisés vem da parte de Deus, que se dará a conhecer mais intimamente aos filhos de Israel nos capítulos seguintes. A união paralela dos dois personagens (i.e. Deus e Moisés), desenvolvida e continuada na presente seção, performa a trama redentiva também de maneira arquétipica ou estrutural, que tipifica a história da redenção quando em seu apogeu em Cristo Jesus.
Assim como a seção anterior serve de paralelo para o que ocorreu com Cristo séculos mais tarde, quando foi preservado da violenta rebelião de um rei contra o Senhor e seus planos para com seus eleitos, sendo Jesus o verdadeiro libertador de seu povo, pois o salvaria dos pecados deles (cf. Mt 1.21), agora, outra conexão cênica é evidenciada quando o relato de Êxodo 2.11-22 é posto sob a luz da progressão revelacional das Escrituras: tendo sido enviado ao deserto, após sua apresentação como o Cordeiro de Deus (cf. Mt 4.1-11; Mc 1.12-13; Lc 4.1-13) , Cristo também é preparado para exercer seu ministério terreno que culminará com seu sacrifício e ressurreição; obra que proporcionará a libertação e redenção de todo o seu povo (a igreja) da opressão e aflição do pecado e da morte.
A condução do ente libertador ao deserto, sendo destacado como líder sobre seu povo (cf. Êx 2.14), como momento preparatório para execução de seu chamado, é o ponto conectivo entre Moisés e Cristo. De maneira retrospectiva, ainda que situado num momento primevo do desenvolvimento revelacional, Israel deveria compreender, através do presente relato, que Moisés verdadeiramente havia sido separado por Deus para ser o condutor à fruição da benção pactual prometida aos patriarcas (i.e. Abraão, Isaque e Jacó), mas que tal representação novamente remetia à salvação final a ser executada pelo SENHOR, quando no envio do ente prefigurado por Moisés, que é Cristo.
Notando tais contornos literários, o texto de Êxodo 2.11-22 apresenta como ideia central a ratificação da identidade do ente libertador mediante sua preparação vocacional.
Elucidação
Considerando as informações apresentadas e tendo em vista a caracterização cênica da narrativa, reforçando a compreensão da identidade de Moisés como o instrumento divino na libertação dos hebreus da casa da servidão, o presente texto é estabelecido a partir de duas cenas correspondentes, que se encarregam de apontar para a mesma realidade: A empatia de Moisés referencia o seu chamado para ser o guia de Israel ao centro da vontade divina, que os favorece com a libertação das cargas do Egito.
As cenas paralelas, como dito, possuem uma estrutura semelhante, podendo ser enumeradas da seguinte maneira:
1) Moisés depara-se com uma situação de injustiça ou opressão (cf. vs. 11; 16-17a).
2) Empaticamente, age em defesa dos injustiçados (cf. vs. 12; 17b).
3) Tem sua identidade revelada mediante o testemunho dos fatos (cf. vs. 13-14; 19-21).
O único ponto contrastante entre as cenas é o fato de que, no primeiro caso, Moisés foge do local onde ocorreram os eventos, e na segunda cena, ele permanece no lugar, sendo acolhido.
Em vista dessa perspectiva, analisaremos as cenas pormenorizadamente.
Cena 1 (vs. 11-15): Moisés defende o hebreu do egípcio.
De acordo com a referência temporal do texto, após os fatos ocorridos anteriormente, o autor progride a narrativa para a fase em que Moisés já adulto ("sendo Moisés já homem" v.11a), vai a seus irmãos. Tal expressão já se encarrega de introduzir uma aproximação entre Moisés e seu povo. Embora tenha sido criado na corte egípcia, sua identidade como hebreu nunca fora ocultada, como demonstrado pela própria filha de faraó que, ao resgatá-lo do rio, o identifica como "menino dos hebreus" (cf. 1.6).
O fato de Moisés ter "[saído] a seus irmãos e [visto] os seus labores penosos" (v.11b) claramente é usado como recurso preparatório e justificador para as ações do personagem a seguir. Deparando-se com o cenário de opressão e aflição vivido pelos hebreus, Moisés "viu que certo egípcio espancava um hebreu" (v.11), e além dessa descrição, a repetição do vínculo entre Moisés e os hebreus é reforçada "... um do seu povo (hb. "אֶחָֽיו" = "ou seus irmãos")" (v.11b).
Ao ver a cena, num gesto empático, Moisés sai em defesa do injustiçado e mata o egípcio, julgando que suas ações haviam passado despercebidas; o que na sequência revela-se não ser o caso, pois, noutra ocasião, ao ver dois hebreus em desavença, ao buscar apartar a rivalidade, sua ações passadas são denunciadas e sua identidade "revelada":
Êxodo 2.13–14 ARA
Saiu no dia seguinte, e eis que dois hebreus estavam brigando; e disse ao culpado: Por que espancas o teu próximo? O qual respondeu: Quem te pôs por príncipe e juiz sobre nós? Pensas matar-me, como mataste o egípcio? Temeu, pois, Moisés e disse: Com certeza o descobriram.
O questionamento do hebreu é na verdade uma declaração identitária: as ações praticadas por Moisés, embora não tenham sido percebidas pelos próprios hebreus (pelo menos nesse primeiro momento) como que destacando-o para a função de líder e guia de Israel mediante a instrumentalização do SENHOR em seu plano para os libertar da terra do Egito, ratificam que é exatamente para esse papel que Moisés foi preparado (cf. Atos 7.24). A presente cena é um representativo daquilo que fará Deus através de Moisés num futuro próximo: vingará seu povo, libertando-o da opressão e aflição imposta pelo Egito.
Segundo Estevão, já no Novo Testamento, os hebreus não entenderam que Deus queria salvá-los por meio de Moisés, e "a este Moisés, a quem negaram reconhecer, dizendo: "Quem te constituiu autoridade e juiz? A este enviou Deus como chefe e libertador..." (Atos 7.35).
Porém, conforme a sequência narrativa demonstra, vendo que suas ações haviam sido trazidas à lume, Moisés, sendo procurado por faraó, que o queria matar em razão do homicídio do egípcio(v.15), foge para o deserto, detendo-se "na terra de Midiã", e o registro de sua fuga transiciona a narrativa para a segunda cena.
Cena 2 (vs.15b-22): Moisés defende as filhas de Reuel dos pastores.
Segundo já argumentado, a estrutura de ambas as cenas repetem-se (guardadas as devidas peculiaridades). Em seu trajeto de fuga, ao chegar às terras de Midiã, Moisés depara-se com um poço, próximo do qual se assenta (v.15b). Nesse ínterim, outro personagem é adicionado à narrativa, e :
Êxodo 2.16 ARA
O sacerdote de Midiã tinha sete filhas, as quais vieram a tirar água e encheram os bebedouros para dar de beber ao rebanho de seu pai.
O encontro entre os dois personagens (Moisés e as filhas de Reuel) dá-se por ocasião de uma nova tensão: outros pastores que também vieram para dar de beber a seus rebanhos, estavam expulsando as filhas de Reuel do poço, as impedindo de beberem água e de saciar seu rebanho (v.17). Nesse ínterim o relato descreve pela segunda vez a atitude de Moisés de sair em defesa de oprimidos ou injustiçados: "Moisés, porém, se levantou, e as defendeu, e deu de beber ao rebanho" (v.17b).
No regresso a seu pai, as ações de Moisés são reveladas mediante o testemunho das filhas do sacerdote:
Êxodo 2.18–20 ARA
Tendo elas voltado a Reuel, seu pai, este lhes perguntou: Por que viestes, hoje, mais cedo? Responderam elas: Um egípcio nos livrou das mãos dos pastores, e ainda nos tirou água, e deu de beber ao rebanho. E onde está ele?, disse às filhas; por que deixastes lá o homem? Chamai-o para que coma pão.
Tanto no momento em que defendeu o hebreu do egípcio, quanto agora, quando defende as filhas de Reuel, não é o próprio Moisés que é descoberto no ato ou se denuncia, mas o testemunho de suas ações evidencia sua identidade como interventor numa situação de opressão e injustiça, ainda que, em relação ao primeiro caso, isso não tenha sido visto de maneira positiva de imediato, segundo já apontado.
Em ambas as cenas, Moisés é declarado como agente de ações que salvam terceiros de aflição, e seguindo essa perspectiva, a intenção do próprio Moisés ao registrar esses episódios, era deixar claro aos filhos de Israel, que foram salvos por Deus através dele, que sua posição como líder e juíz sobre Israel fora estabelecida pelo próprio SENHOR.
Assim como já havia sido demonstrado na própria história de Moisés, ele havia sido destacado pelo SENHOR para o papel que desempenhara, e sua condução ao deserto só ratificou isso, sendo lá preparado para o momento representado pelas duas cenas registradas no presente texto: mais do que um hebreu ou pastoras e seus rebanhos, Moisés fora designado como agente da libertação que o SENHOR executaria em favor de seu povo.
A cena conclui-se com o casamento de Moisés com Zípora (uma das filhas de Reuel) e sua permanência na terra de Midiã, também por ocasião do nascimento de seu filho, cujo o nome é dado, em vista da perspectiva do próprio Moisés, de que aquela não seria sua morada permanente:
Êxodo 2.21–22 ARA
Moisés consentiu em morar com aquele homem; e ele deu a Moisés sua filha Zípora, a qual deu à luz um filho, a quem ele chamou Gérson, porque disse: Sou peregrino em terra estranha.
A noção de "residência provisória" mediante o registro do nome do filho de Moisés, prepara o ouvinte/leitor para a sequência narrativa a seguir, na qual Moisés é apresentado ao Deus de seus pais, e encarregado de retornar ao Egito levando as notícias de que o SENHOR descera a fim de livrar o seu povo da escravidão (cf. Êx 3.7).
Transição
O contexto tipológico da passagem abarca dois horizontes referenciais, dando ao ouvinte/leitor do texto uma compreensão ampla da ação salvadora empreendida pelo SENHOR. O agente divino encarregado de ser o instrumento da libertação do povo de Deus das cargas da opressão e aflição, tem sua identidade confirmada mediante dois pontos-chaves que o caracterizam como tal: sua empatia e ação defensiva em favor dos oprimidos, e seu isolamento preparatório para execução do chamado para o qual fora destacado.
Ao ver um do seu povo, um de seus irmãos, ser oprimido pelo inimigo, Moisés intervém, salvando-o, ao custo da vida do egípcio. Noutro momento, ao deparar-se com a vilania dos pastores em relação às filhas de Reuel, novamente Moisés sai em defesa dos necessitados. Todas essas ações respondem a pergunta do hebreu no início da narrativa (cf. v.14): Deus havia colocado Moisés como príncipe e juiz sobre seu povo, para que executasse a libertação prometida pelo SENHOR, confrontando o inimigo (i.e. o faraó e o Egito).
A fuga de Moisés ao deserto, como será interpretado à luz das cenas seguintes, confirma essa perspectiva. Em seu isolamento, o próprio Deus o comissiona, ratificando a aliança e publicando seu chamado como agente divino da salvação.
Porém, para além do próprio Êxodo, a presente narrativa enfatiza a grandeza dos planos divino para execução daquela obra referenciada pelo texto, isto é, a obra da salvação em Cristo Jesus.
Cristo é o agente divino que em primeiro lugar, apieda-se dos eleitos de Deus que vivem sob a opressão do pecado e da morte. O próprio Filho de Deus, mais do que Moisés, intervém na situação de aflição a qual aqueles que, mediante seu sacrifício tornar-se-iam seus irmãos, estão vivendo. Todavia, para cumprir tal chamado, Cristo é conduzido pelo Espírito ao deserto, e lá, mediante o sofrimento da tentação, é preparado para ser o Libertador do seu povo.
Como salienta o autor da epístola Aos Hebreus: "E Moisés era fiel, em toda a casa de Deus, como servo, para testemunho das coisas que haviam de ser anunciadas" (Hb 3.5). Certamente, o anúncio da salvação foi testificado ao povo de Israel no passado, através do texto de Êxodo 2.11-22, ao contemplarem a obra redentiva futura que seria executada por aquele que, usando de maior compaixão e amor por seu povo do que Moisés, foi preparado por Deus para ser o libertador do seu povo.
Compreendendo essa referência, o presente texto direciona à igreja de Deus hoje a seguinte verdade:
Aplicação
Cristo é o nosso libertador, que por amor e compaixão para conosco (que estávamos presos aos fardos da escravidão) foi preparado para nos livrar de nossos opressores: a morte e o pecado.
Quando Moisés viu o hebreu ser espancado pelo egípcio, ele moveu-se de íntima compaixão por ele, e, arriscando a própria vida, o defendeu. Porém, a compaixão sentida por Cristo foi infinitamente maior, pois nós não estávamos sendo apenas fisicamente oprimidos; a aflição que o pecado nos causava era tanto física quanto espiritual, e como se não bastasse isso, o risco que corríamos era o de sofrer por causa dessa opressão por toda a eternidade. Portanto, se Moisés foi um libertador piedoso ao salvar o hebreu, muito mais foi Cristo, ao nos salvar.
Moisés viu a injustiça sofrida pelas filhas de Reuel, e com santa indignação, partiu em sua defesa, garantindo o direito delas de saciar a si e ao rebanho. Não obstante, que direito Cristo viu em nós? que direito tínhamos ao ponto de reclamar que a opressão que sofríamos era injusta?A escravidão ao pecado era uma das consequência mais naturais — e devidas — a nós, pois em Adão, todos demos às costas ao SENHOR, mesmo ele tendo dito que no dia em que quebrássemos sua lei, morreríamos. É por essa razão que a intervenção que Cristo realizou é infinitamente superior aquela que executou Moisés em favor das pastoras; elas tinham o direito ao poço, já nós, tudo a que tínhamos direito era ao inferno sob condenação eterna.
Diante dessa compreensão, John Flavel pergunta:
300 citações dos Puritanos para pregadores Quanto Melhor É a Salvação em Cristo! (Malaquias 4:2; Romanos 7:21–25; Hebreus 12:24)

Se o resgate de um tirano cruel é doce para um pobre cativo, quão doce deve ser aos ouvidos dos pecadores escravizados ouvir a voz da liberdade e libertação proclamada por Jesus Cristo?

Tendo sido encaminhado ao deserto, Cristo foi preparado para ser nosso libertador: ele resistiu ao tentador, ao inimigo; aquele que nos oprimia, para defender-nos da aflição que impunha sobre nós, a fim de que fôssemos libertos para Deus.
Conclusão
A história bíblica prepara caminho para o anúncio da salvação: em Moisés e Israel, vemos a nossa redenção: Cristo foi preparado para ser nosso salvador, aquele que, generosa e empaticamente, nos defende e livra das mãos dos opressores.
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