Atos 3.1-26

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O autor divino/humano enfatiza o poder atuante na igreja, como capacitando-a a conceder a benção salvadora: Cristo Jesus; o Profeta de Deus.

Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após ter evidenciado a atuação do poder do Espírito Santo na igreja, levando-a a viver de acordo com a vontade de Cristo, operando a difusão do testemunho evangélico do qual foi incumbida, Lucas, segundo alguns estudiosos, fornece a exemplificação (KEENER, 2017, p.387) da síntese estabelecida anteriormente.
Os versículos 42 à 47 do capítulo 2, à luz dessa observação, tanto servem como conclusão da seção dedicada a comprovação da efetivação da promessa de Cristo de derramamento do Espírito Santo, quanto introduz o desenvolvimento da atividade testemunhal da igreja através dos apóstolos. A cura de um coxo à porta do templo; a elevação da pessoa de Cristo Jesus como o verdadeiro operador de tal sinal; e a conclamação dos expectadores ao arrependimento, mediante a comprovação de que o ocorrido com Cristo é o cumprimento da palavra profética, centralizam o tópico referido por Lucas na presente seção de seu texto.
O discurso é desenvolvido sob os moldes do que ocorrera no capítulo 2: um sinal (ou milagre) é realizado (vs. 1-10) (tal como o derramamento do Espírito e o falar de idiomas cf. 2.1-13), e na sequência explicado (vs.11-26) a partir de Cristo (cf. 2.14-36), através de quem o Espírito Santo realiza o feito. A intenção de Lucas com o registro, é salientar a pureza e fidedignidade do testemunho da igreja; a palavra evangélica propagada pelos discípulos de Cristo possui um mesmo centro temático: a glória de Cristo Jesus e sua convocação a que pecadores "se aparte(em) de suas perversidades" (cf. 3.26).
Notando os contornos textuais apresentados, a síntese temática contextualizada por Lucas no presente texto (Atos 3.1-26) consiste na exemplificação da ação testemunhal/concessiva da igreja sob o poder do Espírito.
Elucidação
Como identificado, o arquétipo textual do capítulo anterior é usado novamente a fim de que um eco seja criado ao longo do texto, refletindo aqueles mesmos princípios, sendo agora expandidos.
Passaremos então a analisar tais pontos.
1. (vs. 1-10) - Milagre/Sinal: A cura de um coxo.
A narrativa é iniciada com o registro do que fora adiantado em 2.46, quando Lucas enfatiza que "diariamente (os discípulos) perseveravam unânimes no templo", conforme consta no versículo 1: "Pedro e João subiam ao templo para a oração da hora nona". O relato é então cortado abruptamente por outro registro: certo homem era levado (o que indica uma ação contínua) à porta chamada Formosa do mesmo templo, a fim de pedir esmolas (v.2).
Nesse momento, Pedro e João são interpelados pelo homem, e um diálogo é iniciado. Ao ser solicitado esmolas de ambos os discípulos, os apóstolos tomam a palavra e dirigem-se ao homem:
Atos dos Apóstolos 3.4–6 ARA
Pedro, fitando-o, juntamente com João, disse: Olha para nós. Ele os olhava atentamente, esperando receber alguma coisa. Pedro, porém, lhe disse: Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda!
O registro lucano da fala de Pedro e João é o ponto central dessa primeira parte da narrativa. O objetivo do homem era obter dos discípulos esmola (cf. v. 5). Todavia, a palavra recebida pelo homem coxo sintetiza a demonstração do poder que agora opera na igreja, fazendo com que os discípulos testemunhem de Cristo Jesus.
Pedro declara que concederá ao homem aquilo que possui. A convicção do apóstolo resume a autoridade recebida pela igreja de comunicar a obra redentora executada pelo Filho de Deus. A igreja, segundo Lucas, recebeu não somente o poder do Espírito Santo de maneira passiva, isto é , de modo a ser usada como demonstrativo da iniciativa redentora efetuada pelo Deus Triuno (Pai, Filho e Espírito Santo), mas também, em seus apóstolos, lhe foi dado convicção para ativamente declarar ao mundo a realidade transformadora e vivificante do evangelho, representada na narrativa pela restauração da capacidade de locomoção do homem coxo, como salienta os versículos 7-8:
Atos dos Apóstolos 3.7–8 ARA
E, tomando-o pela mão direita, o levantou; imediatamente, os seus pés e tornozelos se firmaram; de um salto se pôs em pé, passou a andar e entrou com eles no templo, saltando e louvando a Deus.
À semelhança do que ocorrera no capítulo 2, o sinal miraculoso efetuado nos (ou no caso, pelos) apóstolos é testemunhado por uma multidão, que atônita, espanta-se com o ocorrido:
Atos dos Apóstolos 3.9–10 ARA
Viu-o todo o povo a andar e a louvar a Deus, e reconheceram ser ele o mesmo que esmolava, assentado à Porta Formosa do templo; e se encheram de admiração e assombro por isso que lhe acontecera.
Como salientado desde o início das análises, levando em consideração o tema central deste segundo volume escrito por Lucas, a repetição da estrutura geral do capítulo 2 avança o enredo do livro a partir do movimento de expansão da ação testemunhal da igreja. Os discípulos começariam a difusão do evangelho a partir de Jerusalém (cf. Atos 1.8), e o relato do capítulo 3 oficializa o início dessa atividade, sobretudo, ao frisar a expectação das multidões.
O poder do Espírito atuando na igreja mediante a execução de milagres é o fator que atesta e chancela o testemunho emitido, mas é a declaração cristocêntrica da igreja que é identificada como o testemunho em si, e é exatamente esse ponto que passa a ser desenvolvido pelo registro lucano, a partir do versículo 11.
2. (vs. 11-26) — O testemunho cristocêntrico: conclamação à salvação.
O milagre apresentado nesta seção (assim como o falar em novas línguas em 2.1-13) enseja outro discurso da parte dos apóstolos. Tal como enfatizado, Pedro usa a mesma estrutura de sua apologia no dia de Pentecostes, para centralizar o verdadeiro realizador daquele milagre: Cristo, tal como ele mesmo retoricamente se dirige à multidão:
Atos dos Apóstolos 3.12 ARA
À vista disto, Pedro se dirigiu ao povo, dizendo: Israelitas, por que vos maravilhais disto ou por que fitais os olhos em nós como se pelo nosso próprio poder ou piedade o tivéssemos feito andar?
A expressão "poder" (gr. "δύναμις") é usada por Pedro como conectivo com que fora dito a respeito da igreja anteriormente pelo próprio Cristo, de que do alto os discípulos seriam revestidos de "poder" (cf. Lc 24.49). A intenção de Pedro é já de imediato remeter às multidões à percepção de que a instrumentalidade dos discípulos na feitura daqueles sinais não era nenhuma novidade, mas desdobramentos do cumprimento da promessa de Cristo.
Ligado a esse objetivo, Pedro usa o mesmo tom admoestativo de antes, apresentando a condição de antagonia em que se encontravam as multidões diante daquele que foi capaz de um ato tão espantoso quanto a cura de um coxo.
Embora pareça digredir do fato em foco, afirmando que "o Deus de nossos pais, glorificou a seu Servo Jesus, a quem vós traístes e negastes perante Pilatos" (v.13), o uso da titulação messiânica "Servo", sendo familiar aos expectadores, traz luz a identidade daquele que realizara o milagre. Muito provavelmente, Pedro tem mente o texto de Isaías 53, no qual, o Servo do SENHOR é descrito como aquele que "levou sobre si as nossas enfermidades" (cf. Is 53.4). A cura de um coxo era uma obra que apontava para o poder remidor do Messias, aquele que as próprias multidões haviam entregue para ser crucificado; ou seja, Jesus.
O caráter sacrificial da obra messiânica, conhecida de todos, foi plenamente realizado a partir do momento em que os próprio judeus negaram o Senhor Jesus, encaminhando-o ao madeiro. Por outro lado, na cruz, Cristo estava curando a todos quantos em seu nome fossem chamados a vida, tal como agora era evidenciado literalmente na cura do homem na porta do templo.
A iniquidade das multidões é então reforçada de maneira mais vivaz, a partir do momento em que, ironicamente, Pedro salienta a ação corrupta de seus ouvintes:
Atos dos Apóstolos 3.14–15
Vós, porém, negastes o Santo e o Justo e pedistes que vos concedessem um homicida. Dessarte, matastes o Autor da vida (…).
Enquanto que alguém que tira vidas foi ovacionado e aclamado pelas multidões, o Servo de Deus, que cura o pecado e concede vida, foi rejeitado. Diante desse argumento, Pedro expõe — da mesma forma que fez antes (cf. 2.36) — a glória de Cristo; e tal glória novamente depõe contra os ouvintes: o Senhor que eles mataram, estava vivo ((…) "Deus o ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas" (v.15), e a prova disso era o próprio coxo, que "pela fé em o nome de Jesus" (v.16) foi fortalecido.
Todavia, a publicação da condição de tensão entre os ouvintes, que participaram da crucificação do Senhor, e o próprio, estando este agora glorificado e exaltado, é seguida pela comunicação da via salvadora. Pedro anuncia que a ignorância dos judeus (v. 17) foi providenciada por Deus, pois assim fora anunciado "por boca de todos os profetas: que o seu Cristo havia de padecer" (v.18). Nesse ponto, o convite ao arrependimento proferido por Pedro (e registrado por Lucas), centraliza o objetivo da igreja em seu testemunho e no recebimento do poder do Espírito:
Atos dos Apóstolos 3.19–21 ARA
Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados, a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos profetas desde a antiguidade.
O sinal da cura de um coxo, assim como aludido, não era um fim em si mesmo, mas um chamariz para o anúncio da glória de Cristo na salvação dos pecadores; mesma tese do discurso passado. A presença dos sinais e milagres operados pela igreja (tal como ocorrerá ao longo de todo o livro de Atos), acompanha o testemunho apostólico, que por sua vez, consiste no eco do chamado do SENHOR a que pessoas de todos os povos venham à Cristo, para dele receberem o refrigério da redenção.
Essa dinâmica salvífica, antes de ser uma alteração ou inovação da ação do SENHOR, também deve ser vista à luz da revelação profética, como o próprio Pedro demarca, anexando, contudo, outra advertência:
Atos dos Apóstolos 3.22–25
Disse, na verdade, Moisés: O Senhor Deus vos suscitará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser. Acontecerá que toda alma que não ouvir a esse profeta será exterminada do meio do povo. E todos os profetas, a começar com Samuel, assim como todos quantos depois falaram, também anunciaram estes dias. Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com vossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência, serão abençoadas todas as nações da terra.
A boa nova apresentada pelo apóstolo às multidões, é que eles são filhos dos profetas que anunciaram a vinda do Profeta: Cristo Jesus. Essa é uma forma repetir o mesmo argumento em 2.39, em que é dito que "para vós e para vossos filhos é a promessa". Todavia, a partir de uma interpretação de Dt 18.19, Pedro expõe a delicada situação em que se encontravam os ouvintes de sua prédica: Deus o Pai, determinou que em Cristo, salvação e condenação fossem executadas; no caso, condenação pela rejeição do Filho de Deus como aquele que comunica os termos de paz concedidos pelo SENHOR.
Se rejeitassem a Cristo, todas testemunhas da cura do coxo estariam dando às costas ao convite do SENHOR à graça salvadora, e tal como foi profetizado, "o SENHOR lhes pediria contas", ou, segundo a interpretação de Pedro, seriam exterminados. Nada obstante, ligado a essa palavra, a promessa abraâmica de salvação à todas as famílias da terra por meio da benção da aliança anexa às palavras do SENHOR ao patriarca, estavam em vigor, tendo sido cumpridas por Cristo. Tal benção nada mais é do que o envio de Jesus como aquele que determina "que cada um se aparte das suas perversidades" (v.26), reiterando o chamado ao arrependimento proferido por antes.
Transição
O poder do Espírito que agora agia através da igreja, revela-se novamente como a capacitação dos discípulos para comunicarem aquilo que foi concedido ao povo de Deus como missão, enquanto aguardam os tempos da restauração (v.21), isto é, o próprio Cristo. É o anúncio das palavra do Supremo Profeta, designado pelo Pai para ser glorificado como benção das nações, que é ratificado neste discurso registrado por Lucas.
Em dado momento, tanto quanto o coxo tinha os olhos fitos em Pedro e João, esperando receber deles alguma coisa (v.5), da mesma forma as multidões, olhando atentamente (v.12) para os discípulos, esperava deles a comunicação do testemunho que os faria reconhecer suas perversidades, e pelo poder do Espírito, as abandonarem, desfrutando do refrigério prometido.
A tônica de Lucas enfatiza exatamente essa propriedade comunicativa/concessiva da igreja no processo testemunhal para a qual foi chamada a realizar até aos confins do mundo: a igreja dá o que tem, não prata ou outro, mas Jesus Cristo, o Nazareno.
Diante disso, o texto de Atos 3.1-26 enfatiza como princípio a ser apreendido pela igreja, a seguinte verdade:
Aplicação
O poder concedido à igreja, tem como objetivo demonstrar/conceder Cristo: o Profeta que inaugura os tempos de refrigérios aos pecadores perdidos.
Como já demonstrado, a igreja não apenas recebe o poder para operar segundo a vontade de Cristo em relação a si mesma (cf. 2.42-47), mas também para comunicar a benção de Deus à todas as famílias da terra; aquelas chamadas eficazmente pelo testemunho dos discípulos do Senhor, a fim de gozarem da salvação em Cristo Jesus.
Certamente a igreja faz isso, mantendo firme a comunicação de que a profecia do Servo de Deus é que cada homem se aparte de suas perversidades. Porém, ninguém será capaz de fazer isso, se não lhe for — mediante a instrumentalidade do povo de Deus, usado pelo Espírito — dado Cristo.
O Servo de Deus, o Autor da vida, cura não apenas coxos, ou cegos, ou surdos, ou mudos, mas sim — e principalmente — a pior de todas as enfermidades: o pecado. Cristo fortalece o caído; firma-lhe os pés na Rocha Eterna, e lhe faz adentrar a presença de Deus donde estava proscrito e impedido.
Mais do que prata ou ouro, a igreja é chamada para dar Cristo, através do poder do Espírito: o único capaz de cancelas os pecados, "a fim de que da presença do Senhor, venham tempos de refrigério" (v.19-20).
Conclusão
O presente texto exibe o tesouro da igreja, concedido a fim de ser também repartido com todos os enfermos e doentes que, em seus pecados, estão à margem de Deus, mendigando na miséria de um mundo caído.
Cristo Jesus é a riqueza que o povo de Deus oferece; a cura que a igreja ministra; o refrigério dos discípulos do Rei são convocados a testemunhar, e todo aquele que nEle crê, desfrutará dessa benção.
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