Um novo homem
17Isto, portanto, digo e no Senhor testifico: não vivam mais como os gentios, que vivem na vaidade dos seus próprios pensamentos, 18tendo o seu entendimento obscurecido, separados da vida que Deus concede, por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração. 19Tendo-se tornado insensíveis, eles se entregaram à libertinagem para, de forma desenfreada, cometer todo tipo de impureza.
20Mas não foi assim que vocês aprenderam de Cristo, 21se é que, de fato, ouviram falar dele e nele foram instruídos, segundo é a verdade em Jesus. 22Quanto à maneira antiga de viver, vocês foram instruídos a deixar de lado a velha natureza, que se corrompe segundo desejos enganosos, 23a se deixar renovar no espírito do entendimento de vocês, 24e a se revestir da nova natureza, criada segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.
I. Abandonar o velho homem;
17Isto, portanto, digo e no Senhor testifico: não vivam mais como os gentios, que vivem na vaidade dos seus próprios pensamentos, 18tendo o seu entendimento obscurecido, separados da vida que Deus concede, por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração. 19Tendo-se tornado insensíveis, eles se entregaram à libertinagem para, de forma desenfreada, cometer todo tipo de impureza.
A essência da mensagem do apóstolo é clara: “Não vivam mais como os gentios”. Paulo está generalizando, é claro. Nem todos os pagãos eram (ou são) tão dissolutos quanto aqueles que ele está prestes a retratar. No entanto, assim como há uma típica vida cristã, também existe uma típica vida pagã.
Paulo continua a descrever os novos padrões esperados da nova sociedade de Deus, ou a vida digna do chamado de Deus. Chamados a sermos um só povo, devemos cultivar a unidade. Chamados a sermos um povo santo, devemos também cultivar a pureza
Seus leitores sabiam por experiência o que ele estava dizendo, pois eles mesmos haviam sido pagãos e ainda viviam em um ambiente pagão. Mas eles já não deveriam viver dessa maneira, mesmo que as pessoas ao seu redor continuassem a fazer isso. Antes eles eram pagãos e viviam como pagãos; agora eles eram cristãos e deveriam assim viver.
Era essencial, desde o início, que seus leitores entendessem o contraste entre o que haviam sido como pagãos e o que eram como cristãos, e ainda compreendessem as bases teológicas fundamentais dessa mudança. Ao descrever os pagãos, Paulo chama a atenção para a inutilidade dos pensamentos deles, acrescentando que estão obscurecidos no entendimento e, ao mesmo tempo, atribuindo o fato de estarem separados de Deus à ignorância em que estavam. Como resultado, os pagãos se tornaram insensíveis, licenciosos e insaciavelmente impuros.
Mas qual é a origem da escuridão das mentes pagãs? É “devido ao endurecimento do seu coração” (v. 18). A versão Almeida Revista e Atualizada traduz “pela dureza do seu coração”, enquanto a Nova Tradução na Linguagem de Hoje utiliza “ignorantes e teimosos”. É verdade que, no uso bíblico, coração e mente não podem ser separados, uma vez que o coração inclui a capacidade de pensar e entender. No entanto, existe uma distinção real entre a ignorância, por um lado, e a dureza ou teimosia, por outro.
Se colocarmos juntas as expressões de Paulo, observando cuidadosamente suas conexões lógicas, ele parece descrever o terrível caminho do mal rumo ao declínio, que começa com uma obstinada rejeição da verdade conhecida de Deus. A dureza do coração leva ao obscurecimento da mente, depois à morte da alma sob o juízo de Deus e, finalmente, à imprudência na vida. A Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz: “Eles não têm nenhum controle e fazem todo tipo de coisas indecentes”. Assim, tendo perdido toda a sensibilidade, as pessoas perdem todo o autocontrole.
O relacionamento destruído com o Deus verdadeiro, motivo pelo qual a razão foi obscurecida, acarreta as conseqüências correspondentes para a conduta: a vida nas trevas resulta em um “embotamento”, um desinteresse para com um estilo de vida que corresponda ao relacionamento da criatura com o Criador (seria uma vida “para o louvor de sua glória”: Ef 1:12; Rm 1:21). “A não-receptividade para a verdade de Deus liga-se ao embotamento do sentimento de vergonha e dor.” Visto que as linhas mestras dos mandamentos divinos são desconhecidas, o ser humano cai no “desenfreamento”. De uma forma geral isso representa a “dissolução”, a “fruição desmedida”, caracterizando aqui o modo de vida de Sodoma e Gomorra (2 Pe 2:7), e o dos falsos mestres e dos que foram aliciados por eles (2 Pe 2:2,18). Concretamente a expressão pode referir-se ao desregramento sexual (Rm 13:13; 2 Co 12:21; Gl 5:19).
O conceito seguinte amplia o estilo de vida não-divino para “toda sorte de impureza”, à qual o ser humano separado de Deus “se entrega”. Essa conduta “forma um perfeito contraste com a santificação cristã” (Rm 6:19; 2 Co 12:21; 1 Ts 4:7), excluindo assim “o ser humano da comunhão com Deus”. Por fim essa lista ainda cita a “avidez”.222 Originalmente o termo significa “querer mais”, ou seja, não se restringe apenas à esfera material.
II Revestir do novo homem;
20Mas não foi assim que vocês aprenderam de Cristo, 21se é que, de fato, ouviram falar dele e nele foram instruídos, segundo é a verdade em Jesus. 22Quanto à maneira antiga de viver, vocês foram instruídos a deixar de lado a velha natureza, que se corrompe segundo desejos enganosos, 23a se deixar renovar no espírito do entendimento de vocês, 24e a se revestir da nova natureza, criada segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.
Diante da dureza, do obscurecimento e da imprudência dos pagãos, Paulo define todo um processo de educação moral cristã. Ele usa três expressões paralelas: vocês aprenderam (v. 20), vocês ouviram (v. 21) e foram ensinados (v. 21).
De acordo com a primeira expressão, o próprio Cristo é a essência do ensino cristão. Ele é a Palavra que se fez carne, o único Deus-homem que morreu, ressuscitou e reina. Mas, mais do que isso, devemos também pregar seu senhorio, o reino ou o governo de justiça que ele inaugurou, e todas as exigências morais da nova vida. O Cristo de quem os efésios haviam aprendido os estava chamando a padrões e valores totalmente diferentes da antiga vida pagã deles.
Na segunda expressão, temos Cristo, o mestre (vocês o ouviram). É lamentável que a Nova Versão Internacional traduza a expressão como “vocês ouviram falar dele”, pois não há preposição. Paulo acredita que, por meio da voz de seus mestres cristãos, eles realmente ouviram a voz de Cristo. Assim, quando a sólida instrução moral bíblica está sendo dada, pode-se dizer que Cristo está ensinando sobre ele próprio.
Já na terceira expressão, nele foram ensinados, isto é, Jesus Cristo também era o contexto, até mesmo a atmosfera dentro da qual o ensino era dado. Quando Jesus Cristo é, ao mesmo tempo, o sujeito, o objeto e o contexto da instrução moral que está sendo dada, temos a confiança de que ela é verdadeiramente cristã. Pois a “verdade […] está em Jesus”. Mas o que exatamente é essa verdade em Jesus? Se o obscurecimento dos pagãos leva à impureza imprudente, os versículos 22–24 dão a resposta: é nada menos do que nos despir da velha humanidade, como se ela fosse uma roupa puída, e nos revestir de uma roupa limpa, como se ela fosse a nova humanidade recriada à imagem de Deus
O “mas não assim vós” do v. 20, a ruptura radical entre “outrora” e “agora”, traz consigo um “despir-se” e “revestir-se”: uma vez que essa ruptura foi realizada pela fé e pelo batismo, os destinatários da carta já morreram para sua vida anterior (cf. Rm 6:2), já se despiram do “velho ser humano”. Agora importa que eles “se mantenham mortos
23 Com a formulação “e fostes renovados no espírito do vosso entendimento” Paulo alude a Rm 12:2, onde ele fala da “transformação pela renovação do entendimento”. É interessante que aqui sejam usados dois termos diferentes para “novo”: neos e kainos. É possível que ao contraste entre o “velho” e o “novo” (kainos: Ef 4:23) ser humano se acrescente o elemento do frescor da juventude na palavra “renovar” (grego: ananeomai).
Os leitores de Paulo haviam aprendido que se tornar um cristão envolve uma mudança radical, ou seja, conversão e recriação. Envolve o repúdio do velho eu, nossa humanidade caída, e a convicção de um novo eu, ou de uma humanidade recriada
As descrições que Paulo faz de ambos os “eus” se equilibram. O velho eu estava em processo de degeneração, a caminho da ruína ou destruição; o novo eu acabou de ser “criado para ser semelhante a Deus”.
A nova humanidade que assumimos é criação de Deus, não nossa, mas concordamos inteiramente com o que ele fez. Nós “nos despimos” de nossa velha vida, afastando-nos dela com aversão, e “nos revestimos” da nova vida que ele criou, aceitando-a e acolhendo-a com alegria. Em suma, a recriação (o que Deus faz) e o arrependimento (o que fazemos por sua graça) são indissolúveis e não podem ser separados
O tipo de roupa que vestimos depende do tipo de papel que estamos cumprindo. Mas quando mudamos nosso papel, trocamos de roupa. Uma vez que, por uma nova criação, nós nos despimos da velha humanidade e nos revestimos da nova, devemos também deixar de lado os velhos padrões e adotar novos. Nosso novo papel implicará novas roupas; nossa nova vida, um novo estilo de vida ético.
24 Conforme Ef 2:15 o “novo ser humano” é o novo povo de Deus formado por judeus cristãos e gentios cristãos, o corpo uno de Cristo. No presente contexto, porém, a expressão caracteriza a “nova criação” (2 Co 5:17; Ef 2:10), a “novidade de vida” (Rm 6:4). É desse novo ser humano, desta nova vida que cumpre “revestir-se”.
O binômio “despir-se” – “revestir-se”, que na presente passagem se refere à luta contra a velha vida e à concretização da nova, é usado por Paulo também com vistas à transição do corpo corruptível para o corpo incorruptível.