Sola Scriptura
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Texto base: 2Tm 3.14-17
Introdução: Falando especificamente sobre a Igreja do final da Idade Média, o que se podia ver era um distanciamento profundo das Escrituras. Além de toda corrupção na liderança da Igreja e em seu envolvimento com o Estado que causava muita insatisfação, as pessoas eram doutrinadas sob uma religiosidade baseada nos méritos humanos. A doutrina da justificação pela fé havia sido substituída por uma teologia que ensinava a salvação pelas obras. O ensino bíblico acerca do pecado havia sido banalizado com um verdadeiro comércio de perdão de pecados. As pessoas podiam comprar garantias de sua salvação pessoal através das cartas de indulgências. Logo, o arrependimento nem mesmo era mais requerido para o perdão de pecados. Bastava apenas uma doação generosa para a Igreja para tudo ser resolvido. Segundo a liderança da Igreja, as indulgências poderiam, inclusive, resolver o problema de pessoas que já tinham morrido e que supostamente estavam no purgatório.
Diante desse cenário, vários movimentos começaram a surgir nos séculos XIV e XV como resposta aos desvios da igreja. Movimentos como o do frade dominicano Jerônimo Savonarola na Itália que se levantou contra a imoralidade da igreja; John Wycliffe, professor da universidade de Oxford, na Inglaterra que protestou contra as irregularidades dos líderes e rejeitou os ensinamentos de celibato, purgatório e indulgências; e John Huss, sacerdote na Boêmia, defendendo que o cabeça da Igreja é Cristo, e não o Papa, e que a Igreja deveria ser mais e mais semelhante à Cristo.
No entanto, apesar desses movimentos, foi apenas no século 16 que a reforma alcançou proporções gigantescas. Ocorreu uma reviravolta que mudou definitivamente o Cristianismo mundial.
Nesse contexto obscuro, tanto teológico quanto moral, foi que surgiu o principal reformador: Martinho Lutero. Ele era um monge agostiniano nascido na Saxônia que resolveu protestar contra os abusos da Igreja. Então em no dia 31 de outubro de 1517, Lutero pregou as suas 95 Teses na porta da Capela de Wittenberg – o que marcou o início da reforma protestante.
As teses de Lutero era um documento que falava especialmente contra a questão das indulgências e apontava para a verdadeira doutrina bíblica da justificação pela fé. Desse documento surgem cinco propostas teológicas que sintetizam os pilares da reforma: Sola Scriptura, indicada que a autoridade máxima da igreja não é o papa, os cardeais ou qualquer outro homem, mas somente as Escrituras; Sola Fide, significa a justificação em Cristo ocorre somente pela fé, a fé é a causa instrumental da salvação; Sola gratia, significa que a salvação chega até nós somente pela graça de Deus e não por obra humana; Solus Christus, significa que Cristo é o único mediador entre o homem e Deus, a ninguém mais é facultado esse papel; e Soli Deo gloria, todo mérito, toda a glória da salvação é devida somente a Deus. Iniciaremos a série falando a respeito do Sola que é a base de toda reforma protestante: Sola Scriptura.
Transição: É muito curioso ver como algumas pessoas lidam com a Escritura. Por mais que estejamos em pleno século XXI e a maioria das pessoas tenham acesso livre as Escrituras, diferentemente do contexto da reforma, é notório que há muito engano na forma com que elas se relacionam e enxergam a Bíblia. Muitos lidam com a Bíblia como se ela fosse uma bola de cristal. Alguns como uma fonte única e exclusiva de palavras motivacionais (caixinha de promessas). Tem aqueles que a vê como amuleto (Bíblia aberta no salmo 91). Outros a enxergam como meramente um escrito humano, sem nenhum aspecto autoritativo. E ainda existe aqueles que querem domesticar a Escritura. Torná-la apenas como um mecanismo de validação de opinião e práticas.
Mas afinal de contas o que é a bíblia? Como devemos nos relacionar com ela? Como devemos enxergá-la?
Proposição: Apresentar as cinco grandes verdades sobre a Escritura.
Transição: A primeira grande verdade sobre as Escrituras é que elas são: “As Sagradas Letras”.
I. AS SAGRADAS LETRAS – VERSOS 14-15
Paulo enfatiza a importância do aspecto instrumental da Bíblia. Ele alega que o significado que vem a nós de maneira instrumental é sagrado, é santo.
Não podemos desprezar o aspecto instrumental da Bíblia. A bíblia que temos em nossas mãos é o instrumento em que Deus nos deu a Sua Palavra. Não podemos desvincular a Palavra de Deus das sagradas letras, pois é o único testemunho que nós temos de Deus. As sagradas letras é o instrumento criado, inspirado e designado para nos revelar Deus. Não existe outro escrito que possa fazer isso. Sem as sagradas letras não sabemos nada sobre o Deus trino (sobre Deus, sobre Espírito Santo, sobre Jesus).
Deus decidiu se revelar a humanidade de duas formas: de uma maneira geral e outra especial. A forma geral que Deus se revela a humanidade é através da natureza. Em Rm 1.20 Paulo diz que o eterno poder de Deus se entende e se enxerga através da criação. O Salmo 19.1 “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.”. Ou seja, a criação, a natureza revela o poder, a glória de Deus. Entretanto, a revelação geral não consegue evidenciar especificamente as qualidades do caráter de Deus, seus planos, seus desígnios. É somente através da revelação especial, da Bíblia, que podemos ter um conhecimento específico sobre Deus. Que podemos entender verdadeiramente que Ele é e o que deseja de nós.
Paulo também, ao se referir a Bíblia como “sagradas letras, ressalta que a Escritura possui um aspecto divino. Ela é como o próprio cristo, 100% humana e 100% divina. O teólogo americano R. C. Sproul diz que as duas expressões que definem a natureza das Escrituras são: Verbum Dei (Palavra de Deus)” e “Vox Dei (Voz de Deus). Isto é, a Bíblia não é simplesmente um escrito de homens, mas as” sagradas letras” de Deus para nós. E pelo fato da Escritura ter esse aspecto divino, ela se constitui uma fonte máxima de autoridade sobre nós. Autoridade máxima da igreja de Cristo não é o papa, não são os cardeais, não são os apóstolos modernos, não são pastores, mas “as sagradas letras”, a Palavra de Deus! Ela é a autoridade máxima da igreja.
Vivemos em um tempo em que a cristandade tem levado em consideração mais autoridade falível das filosofias humanas do que das Escrituras. É triste ver multidões perdidas, encharcadas de engano porque não vivem debaixo da verdadeira autoridade. Toda reflexão cristã deve ser guiada pela seguinte pergunta: o que a Bíblia diz? O que a “voz de Deus” nos diz? Precisamos constantemente fazer esse questionamento, porque a Escritura sozinha é a revelação suprema e autoritária de Deus para nós. Devemos estar mais interessados na autoridade do que Deus disse do que na fragilidade do discurso humano.
Transição: Em segundo lugar, o que é a Bíblia?
II. É O PODER PARA SALVAÇÃO DO HOMEM - VERSO 15
Paulo, neste ponto, fala sobre o objetivo principal das escrituras: conferir ao homem poder, capacidade para ser salvo pela fé em cristo. A Bíblia é o poder efetivo para que o homem creia e seja salvo (Rm 10.17). Através da Escritura, o leitor recebe a sabedoria para salvação.
Temos inúmeros relatos de pessoas que se converteram ao cristianismo apenas lendo ou ouvindo trechos da Bíblia. Agostinho de Hipona, um dos mais influentes teólogos cristãos da história, teve uma experiência de conversão enquanto lia a carta de Paulo aos Romanos. John Bunyan, autor de "O Peregrino", converteu-se ao cristianismo lendo a Bíblia. O próprio John Wesley, que teve a certeza de sua salvação, após ouvir uma leitura da introdução da carta aos Romanos feita por Lutero.
A salvação é facultada pelo verdadeiro conhecimento. E o evangelho é isso, conhecimento. Conhecimento de quem Deus é (santo, justo, misericordioso); de quem nós somos (pecadores, miseráveis, corruptos); do que é a graça (favor imerecido); de quem Cristo é (nosso redentor), e o que ele fez para perdoar os nossos pecados. É um conhecimento que inunda a vida do crente e o capacita a crer em Jesus.
E o que não é o objetivo primordial das Escrituras? A Bíblia não tem como objetivo primário nos apresentar tratados científicos. A Bíblia não tem como objetivo primário nos tornar ricos materialmente. A Bíblia não tem como objetivo primário afagar nosso ego. A Bíblia não tem como objetivo primário concordar com nossas opiniões. A bíblia, resumidamente, é a revelação divina de como homens pecadores podem ser salvos. É o instrumento inerrante de Deus que nos revela a salvação.
Em que aspecto a Bíblia é inerrante? A Bíblia é inerrante no aspecto apontar a verdade de todos os assuntos que ela ensina (religiosos, morais, sociais, espirituais). Em outras palavras, tudo aquilo que a Bíblia se propõe a ensinar ela é inerrante. Mas, ela não tem o compromisso de ensinar todos os assuntos genéricos da existência. Porém, não há nada sobre salvação que você precise buscar fora da Escritura. E as demais verdades existenciais? Estão reveladas no cosmos, na natureza (Sl 19.1).
Transição: Uma outra grande verdade da Bíblia é que ela é o “Sopro de Deus”.
III. É O SOPRO DE DEUS – VERSO 16
A Escritura foi divinamente soprada por Deus. A inspiração ocorreu na vida dos autores bíblicos. Deus soprou e os autores bíblicos, inspirados pelo sopro divino, registraram as sagradas letras.
Deus, por meio de sua infinita sabedoria, escolheu homens diversos, que viveram em contextos diversos, para registrar de seu sopro. Na Bíblia nós temos livros escritos por Reis, por profetas, por músicos, por agricultores, por cientistas. A maioria desses autores escreveram em situações, lugares e épocas distintas. E o que é mais interessante é a harmonia entre eles. Os autores por mais que estivessem lugares e contextos diferentes eles não se contradizem. Segundo a crítica textual, que avalia questões arqueológicas, paleológicas e linguísticas, existe uma harmonia espantosa nos textos bíblicos. O sopro divino foi inspirado pelos autores bíblicos e registrado com perfeição.
Toda essa perfeição nos remete a uma ideia: “A Escritura é a Palavra de Deus”. E o que nos leva enxergar a Bíblia como Palavra de Deus não é a crítica textual. Não é a análise racional dos textos sagrados. O que nos leva enxergarmos a Bíblia como palavra de Deus é a fé. A Bíblia, em última análise, não é um livro para ser provado, mas para ser crido. O que garante a inerrância e a infalibilidade da Escritura é o sopro de Deus. Mas, para ter essa percepção da Bíblia é preciso ter fé! É, por meio da fé, que o Espírito Santo testifica em nós a veracidade da Escritura. É o Espírito Santo que nos convence que a Bíblia é a Palavra de Deus.
O papel fundamental do Cristão em relação a Deus e as coisas concernentes a Ele é crer. A compreensão das coisas de Deus é recompensa da fé. Como disse o grande teólogo medieval Anselmo de Cantuária: “Eu creio para compreender”. Temos a experiência do crer, a experiência com o evangelho, a experiência com Deus, então passamos a compreender. E compreendemos não para esgotar Deus, para domesticá-lo, mas para amá-lo e adorá-lo ainda mais. Portanto, o ato mais importante em relação a Deus e as coisas relacionadas a Ele é crer. É por meio da fé que em nossos corações será testificado que somos filhos de Deus, que somos salvos, que fomos perdoados, que Deus existe, que a Bíblia é a Palavra de Deus!
Transição: A Bíblia são as sagradas letras, o poder para salvação do homem, o sopro de Deus e uma ferramenta útil. Útil para quê? Paulo utiliza quatro verbos no infinitivo para definir a utilidade da Bíblia.
IV. UMA FERRAMENTA ÚTIL - VERSO 16
Ensinar. A Bíblia nos ensina um conteúdo formal e profundo sobre Deus e tudo relacionado a Ele. Ela nos ensina sobre os atributos de Deus, sobre seu plano redentor, sobre seu Filho amado, sobre como podemos ser reconhecidos como filhos de Deus, como devemos nos relacionar com Ele.
Repreender. A Bíblia nos confronta, testa-nos. Podemos dizer que a Escritura é o controle de qualidade da igreja. É o parâmetro que mede a espiritualidade da igreja. Se desejamos saber sobre nossa vitalidade espiritual basta confrontarmos nosso estilo de vida com o padrão bíblico. Basta avaliarmos se o caminho que estamos seguindo condiz com o caminho apontado pelas Escrituras.
Corrigir. Quando a bíblia encontra algum o erro em nosso trajeto, ela reorienta nossas rotas. Ela corrige nossos pensamentos e atitudes. João Calvino disse que a leitura das Escrituras é um processo de mortificação e vivificação. Todas as vezes que lemos a Bíblia, temos pensamentos e atitudes pecaminosas sendo mortificados e pensamentos e atitudes bíblicas sendo vivificados em nós.
Educar. De maneira gradativa e efetiva as Escrituras nos educam. Em outras palavras, a Bíblia é a fonte da maturidade cristã. É o lugar onde conseguiremos ter uma perspectiva adequada do Criador e de que maneira poderemos nos relacionar com Ele, de maneira que possamos crescer espiritualmente. A Bíblia nos ensina a adorar a Deus, a obedecê-lo e amá-lo.
Transição: Em último lugar, o que a Bíblia?
V. É O NOSSO EQUIPAMENTO EFICAZ - VERSO 17
Deus convocou seu povo, o que inclui eu e você, para viver uma vida justa e agradável a Ele em um mundo de corrupção e injustiça. O que implica em dizer que a caminhada cristã é repleta de grandes desafios. Todavia, o Senhor não nos deu um desafio e nos deixou à mercê da nossa própria força. Não, Ele nos deixou um equipamento eficaz chamado Bíblia Sagrada. Não precisamos buscar nada fora das Escrituras. Tudo que precisamos para vivermos uma vida justa e agradável diante de Deus está na Bíblia. Ela é o nosso equipamento eficaz.
A compreensão de que a Escritura é o nosso equipamento eficaz deve nos levar a manuseá-la frequentemente. A utilizá-la como instrumento solucionador dos nossos dilemas existenciais. Como um meio de enxergar e viver a vida. Como posso, à luz da Bíblia, lidar com os meus problemas conjugais? Como posso, à luz da Bíblia, lidar com o meu desemprego? Como posso, à luz da Bíblia, lidar com a minha doença? Como posso, à luz da Bíblia, lidar com o perdão? Como posso, à luz Bíblia, vencer o pecado. Precisamos ter nossas mentes cativas as Escrituras! Precisamos ser cristãos bíblicos! O que nos faz sermos grandes homens e mulheres não é quanto temos no banco, não é nossa posição social, não a nossa função eclesiástica, mas é a nossa capacidade de sermos bíblicos. John Wesley ao compreender isso disse certa vez: “Eu sou um homem de um livro só: a Bíblia”.
Não há nenhum outro escrito mais eficaz que a Bíblia para nos ajudar em nossa caminhada; para nos direcionar ao coração e aos propósitos de Deus.
Transição: O que é a Bíblia?
Conclusão: A Bíblia são as sagradas letras. O instrumento da autorevelação especial de Deus para os homens. Um escrito divino que se constitui a autoridade máxima na vida do Cristão. A Bíblia é o poder de Deus para salvação do homem. É a revelação misericordiosa de Deus de como homens pecadores podem encontrar salvação. A Bíblia é o sopro divino. É a perfeita revelação de Deus que precisa ser recebida não apenas com razão, mas com fé. A Bíblia é uma ferramenta útil. Uma ferramenta que nos ensina, repreende, corrige e educa. Sobretudo, a Bíblia é o nosso equipamento eficaz. É tudo que nós precisamos para superar as adversidades neste mundo e conseguirmos viver uma vida que alegre o coração de Deus.
Agora, depois de já termos compreendido o que é a Bíblia, seu objetivo e particularidades, o que devemos fazer? Depois de conhecermos toda a verdade da escritura precisamos pregá-la em tempo e em fora de tempo (2 Tm 4.2). A compreensão adequada das Escrituras vem com um imperativo: pregar em tempo e fora de tempo. Se nós já conseguimos ter uma visão qualificada das Escrituras, chegou o momento de seguirmos o exemplo de Lutero e anunciá-la para que outros tenham a mesma compreensão. Para que outros consigam vê-la como: sagradas letras, poder de Deus para salvação do homem, como sopro divino, como ferramenta útil e como equipamento eficaz.