Êxodo 6.28-7.13
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· 2 viewsO autor apresenta o prelúdio que antecede a realização dos sinais a serem executados pelo SENHOR contra os ímpios rebeldes em favor de seu povo, destacando o obscurecimento do entendimento dos primeiros como indício de sua instrumentalização no plano redentivo.
Notes
Transcript
"São estes os nomes..." (Êx 1.1).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após a digressão da seção anterior (6.14-27) em que estabeleceu a restauração da genealogia de Israel, a partir da defesa da descendência levítica de Arão e Moisés, o autor continua a narrar os eventos preparatórios para o início da ação redentiva do SENHOR em favor de seu povo, livrando-os das cargas da escravidão no Egito.
Entretanto, antes que se inicie o relato das pragas e demais prodígios a serem executados por Deus, a temática distintiva do juízo divino que recairá sobre Faraó é especificada, mediante o demonstrativo de que embora tais sinais interpretem os eventos como atos salvadores do SENHOR, o endurecimento do coração do monarca deve ser considerado como parte importante desse processo. O juízo do SENHOR já começara a ser derramado sobre o Egito, a partir do obscurecimento do entendimento de Faraó, a fim de que não deixe ir os filhos de Israel.
Uma dinâmica concomitante é estabelecida, em que tanto Deus quanto o próprio rei do Egito são responsáveis pelo enrijecimento do coração deste último, e tal dinâmica gira em torno dos sinais iniciais concedidos por Deus a Moisés, que identificam as ações representadas por eles como vindas da parte do SENHOR (cf. 4.1-9), a fim de que fique claro que todo o transcurso da situação está debaixo do controle soberano do Deus de Israel, que dessa forma começa a sentenciar os inimigos do seu povo.
Embora Moisés e Arão transmitam o edito divino e sinais sejam concedidos como demonstrativo claro de que é o SENHOR quem está exigindo a libertação de seus descendentes da terra do Egito, Faraó, como instrumento da publicação da glória de Deus, tanto rebela-se quanto tem sua mente enegrecida como forma de julgamento por ter se posto entre o Deus de Abraão e seu povo, o que prepara o cenário para o início do pesar da mão divina sobre a terra do Egito (cf. 7.4).
Diante dessas considerações, o texto de Êxodo 6.28-7.14 sintetiza como ideia central o obscurecimento do ímpio como prelúdio do juízo divino.
Elucidação
A narrativa é iniciada da mesma forma como fora a seção do capítulo 4; com o questionamento de Moisés quanto ao crédito que seria dado à palavra do SENHOR transmitida por ele mesmo, tendo em vista sua incapacidade para tal missão (cf. 6.28-30). A repetição de tal indagação conecta ambas as passagens, trazendo novamente à mente do leitor o momento em que os sinais divinos foram concedidos ao profeta, como indicativo da ação redentiva de Deus em favor de seu povo, isso declarado mediante o uso da cláusula de juramento empregada na seção de 5.22-6.13: "Eu sou o SENHOR", uma espécie de "assinatura divina".
Assim, os versículos 28 à 30 do capítulo 6, reintroduzem a temática dos sinais da ação salvadora do SENHOR, com um ponto a ser especificado: o endurecimento do coração do Faraó diante deles. O capítulo 7 inicia-se com uma menção a estrutura revelacional que garantirá a transmissão da exigência divina à Faraó: diante da exposição de sua incapacidade, Deus misericordiosamente concede que Arão e Moisés representem a si, a partir de uma estrutura hierárquica referencial; como segue:
Então, disse o Senhor a Moisés: Vê que te constituí como Deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta. Tu falarás tudo o que eu te ordenar; e Arão, teu irmão, falará a Faraó, para que deixe ir da sua terra os filhos de Israel.
A mensagem divina comunicada por meio dos dois irmãos, deveriam ser compreendida como sendo fidedignamente emitida pelo próprio SENHOR, e tal singularidade na forma da entrega da mensagem, aponta para sua clareza. O edito divino estava nítido, ou seja, Faraó tinha à sua frente toda a informação de que precisava para compreender que o SENHOR estava ordenando a libertação imediata dos filhos de Israel da terra do Egito, para que o servisse no deserto (cf. 5.1, 3).
Nada obstante, uma informação é concedida a Moisés fazendo-o notar que o julgamento divino que está prestes a ser executado contra Faraó e o Egito já fora iniciado: "Eu (i.e. o SENHOR), porém, endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais" (v.3).
Todas as partes dessa informação já haviam sido antecipadas por Deus em suas comunicações anteriores à Moisés, inclusive a partir de uma relação íntima entre ambas, isto é, entre a ignorância do Faraó e a realização de prodígios em decorrência disso. No capítulo 3.19, após anunciar seus planos libertadores, Deus havia dito que "o rei do Egito não vos deixará ir se não for obrigado por mão forte". A relutância do monarca egípcio deflagaria as ações portentosas do SENHOR como julgamento. Agora, porém, tal resistência é especificada como sendo uma operação interna do próprio Deus que, através de Faraó, está realizando seus planos. O rei egípcio fazia parte da obra redentiva, e a estruturação verbal da ação divina em 7.3, enfatiza isso. Deus mesmo "enrijecerá" (hb. "אַקְשֶׁ֖ה" (verbo no hifil)) o coração do líder do Egito, a fim de que por meio dele, o SENHOR manifeste o julgamento que prometera aos patriarcas no passado (cf. 7.4 - Gn 15.13-14).
A intenção do Deus de Israel com isso é fazer com que os egípcios (i.e. os inimigos e opressores de seu povo) saibam "que eu sou o SENHOR, quando estender eu a mão sobre o Egito e tirar do meio deles os filhos de Israel" (cf. v.5). Os prodígios divinos apontam para o poder de Deus em libertar seu povo, algo que ficaria evidente àqueles que foram criados para o propósito de publicar a glória de Deus mediante seu próprio julgamento.
Todavia, apesar da clareza desse intento divino à Moisés, Arão e todo o povo de Israel, o parágrafo seguinte da seção declara o distanciamento da compreensão de Faraó, apesar do sinais claros que foram inicialmente executados diante de si.
A intersecção cênica proposta entre os versículos 7 e 8, sugere que a segunda parte da seção explica em retrospecto o que ocorreu quando Moisés e Arão comunicaram a vontade divina na corte do Faraó. Nesse ponto, o próprio Deus enfatiza que o monarca egípcio pediria sinais "que vos acreditem" (v.9). A solicitação de sinais, a esta altura da narrativa, já deveria ser compreendida não como uma requisição legitima do Faraó, a fim de compreender a ordem divina, mas como um demonstrativo de resistência. O rei do Egito pediria um sinal apenas para sua própria condenação, pois o ignoraria devido a dureza de seu coração. Entretanto, a ironia da situação consiste no fato de que o sinal que foi executado diante de faraó, é exatamente o mesmo que foi feito diante dos filhos de Israel em 4.27-31, confirmando o ministério profético de Moisés, e como resultado, "o povo creu" (cf. 4.31).
O sinal que confirmou a palavra divina através de Moisés, sendo o instrumento através do qual Deus gerou fé no coração dos hebreus, era o mesmo que agora endurecia o coração do rei egípcio, como evidencia o registro:
Falou o Senhor a Moisés e a Arão: Quando Faraó vos disser: Fazei milagres que vos acreditem, dirás a Arão: Toma o teu bordão e lança-o diante de Faraó; e o bordão se tornará em serpente. Então, Moisés e Arão se chegaram a Faraó e fizeram como o Senhor lhes ordenara; lançou Arão o seu bordão diante de Faraó e diante dos seus oficiais, e ele se tornou em serpente. Faraó, porém, mandou vir os sábios e encantadores; e eles, os sábios do Egito, fizeram também o mesmo com as suas ciências ocultas.
Os magos egípcios reproduziram o milagre, ainda que a partir de truques. A ação enganadora dos sábios, intensificou a ignorância do Faraó (cf. 2Tm 3.8), e proporcionou o ambiente de rebelião do mandatário contra o SENHOR. A operação do erro/engodo dos magos apenas evidenciou aquilo que já estava latente no coração de Faraó: embora, após ver o bordão de Deus transformar-se em serpente, e engolir aqueles que os magos também transformaram, o autor registra que "o coração de Faraó se endureceu, e não os ouviu, como o SENHOR tinha dito" (v.13).
Se num primeiro momento o agente responsável pelo endurecimento de Faraó foi o SENHOR (v.3) , agora o próprio rei egípcio é responsabilizado. As duas perspectivas complementam-se (ainda que de forma aparentemente paradoxal) para exibir o quadro geral que fornece a conclusão do cenário para o derramamento do juízo divino sobre o Egito: Deus está usando a arrogância e prepotência pecaminosa do Faraó, para obscurecer-lhe o entendimento a fim de que nele, sua glória seja revelada mediante os sinais que realizará.
Transição
A tônica de Moisés ao registrar a presente seção, consiste numa exortação franca ao povo de Israel, que lhes fornece os princípios fundamentais para a compreensão da fruição do plano redentivo que o favorecerá.
Antes que todas as pragas fossem deflagradas contra Faraó e o Egito, Moisés salienta que o juízo divino precede essas coisas, manifestando-se tacitamente no coração do monarca egípcio, a partir do obscurecimento de seu entendimento quanto a revelação salvífica do SENHOR a favor de seu povo.
Como ficou claro à luz dos capítulos 3 e 4, se é o conhecimento de Deus, de sua promessa e aliança e de seu plano redentivo, que nutrem o coração do povo com a fé que fornece a convicção salvadora, os inimigos do SENHOR serão preteridos dessa graça, sendo mantidos na ignorância pecaminosa que os impele a rebelar-se contra Deus e seu povo.
De igual sorte, à partir da intenção do autor divino, o texto de Êxodo 6.28-7.13, salienta a mesma realidade ao povo de Deus hoje. É mister que a igreja de Cristo compreenda que as manifestações exteriores de juízo que testemunha ocorrer no mundo, são todas precedidas pela execução do juízo do SENHOR no coração dos ímpios, mantendo-os distantes da revelação da salvação em Cristo (cf. Rm 1.28-32): aquele que liberta o homem de sua escravidão ao pecado.
À luz dessa compreensão, Êxodo 6.28-7.13 sintetiza dois princípios claros a serem compreendidos pela igreja:
Aplicações
1. Antes que qualquer manifestação externa de juízo seja executada sobre o ímpio, o endurecimento do seu coração — que já o aprisiona ao estado de condenação — já preludia o juízo divino.
A visão que o presente texto fornece quanto ao juízo divino contra os ímpios, é ampliada pelo autor divino/humano, a fim de nos fazer compreender, como já mencionado, que o SENHOR, antes de publicar sua justa ira contra os rebeldes, a evidencia a partir de um endurecimento que gera no coração dos rebeldes a si.
Como afirma Provérbios 21.1
Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina.
E nesse caso, o que se aplica ao rei, aplica-se também a todos o homens, cujo o coração serve de instrumento nas mãos do SENHOR; para salvação, mediante a fé que concede aos seus, ou para a condenação, segundo a dureza que faz prevalecer no íntimo do perdido.
Aliado a essa noção, é notório que um dos meios usados pelo SENHOR para isso, é a operação do erro que faz chegar ao ímpio. No caso de Faraó, os magos do Egito, usando truques e ciência oculta (v.11), ludibriaram o entendimento do rei, mas isso não retirou do monarca a responsabilidade por ter se deixado enganar. O engano, em certo sentido, pode ser compreendido como a preferência humana por algo que deseja acreditar como certo ou vantajoso, ou pelos menos, que gosta de achar que assim é, mas que não condiz com a verdade ou com a realidade de fato.
Tal como com Faraó, de igual forma ocorre em nosso tempo. No lugar de truques de magia ou engodos ilusórios, diversas ideologias, filosofias, religiões e demais conceitos, a todo o tempo, cegam o entendimento das pessoas, não lhes permitindo que resplandeça a luz do evangelho de Deus em Cristo. Ao chegar o Dia do Julgamento, aqueles que foram contrários ao SENHOR, ao seu povo, e sobretudo, à palavra salvadora, serão culpados por terem endurecidos seus corações, ao passo que também ficará claro que o Deus Altíssimo, assim os conduziu, para que seu nome fosse glorificado também naqueles que foram proscritos de sua graça.
Dentre os sinais que anunciam a condenação dos rebeldes contra o Reino, o primeiro deles é o endurecimento do coração daqueles que aguardam o bater do martelo do Supremo Juiz.
2. Embora seja difícil de compreender como, devemos lembrar que o ímpio também é usado por Deus como instrumento para fruição do plano redentivo que glorifica o SENHOR como soberano sobre tudo.
Embora tenha sido rebelde e arrogantemente contumaz, Faraó serviu ao SENHOR em seu plano redentivo. Através da resistência do mandatário do Egito, Deus fez cair sobre aquela nação, sinais e prodígios que publicaram sua glória tanto no próprio Egito (lugar da opressão de seu povo), quanto em toda a terra (Js 1.8-9).
Ao povo de Israel, em determinado momento, pode ter sido complexo o entendimento de que Faraó, com toda sua crueldade e vileza, pode ter sido usado por Deus como instrumento na fruição de seus propósitos. Mas, a partir do presente texto, o povo de Deus no passado compreendeu essa verdade a partir da contemplação da soberania do SENHOR no enrijecimento do coração do ímpio.
Analogamente, o mesmo princípio deve embasar nossa visão quanto aquilo que Deus tem executado em nosso tempo, anunciando ao seu povo a redenção por vir que, concomitantemente, trará sobre os ímpios sua condenação.
Ao vermos o ódio dos ímpios contra a igreja, contra o SENHOR, sua Palavra e princípios, devemos nos lembrar que, embora não devamos ser passivos a isso, mas clamar ao SENHOR que leve à cabo seus planos, trazendo salvação aos eleitos que agora estão perdidos, e justiça aos ímpios, Deus os está usando da forma que agora agem, ainda que nunca serão isentados de suas ações.
O mesmo SENHOR que criou os justos para a salvação, criou também os ímpios para a perdição (Rm 9.19-24), e ambos, manifestarão sua glória. Sejam faraós, imperadores, reis, ou grupos ideológicos/políticos, a igreja do SENHOR não deve se atemorizar com o ódio destilado pelos rebeldes contra o Reino: a oposição que a igreja enfrenta é só mais uma amostra de que o SENHOR, nosso Deus, é soberanos sobre todos.
Conclusão
Antes de pertencer aos homens, todos os corações pertencem ao SENHOR, que faz brilhar sua glória, mesmo sobre aqueles que aqui se opõem ao seu Reino, sabendo que não há ninguém, do nobre ao plebeu, que prevaleça contra a mão do SENHOR, que favorece seu povo.