4.36-5.11
Série expositiva no Livro de Atos • Sermon • Submitted • Presented
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· 6 viewsO autor divino/humano exemplifica o princípio comunitário anteriormente registrado, a fim de consolidar a compreensão de sua importância no exercício da missão testemunhal desempenhada pela igreja.
Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Como anteriormente analisado, um padrão é estabelecido por Lucas em seu texto, a fim de dar progressão à sua narrativa; padrão que envolve: 1) um milagre ou sinal interpretado à luz da obra do Espírito que divulga a glória de Cristo; 2) uma apologia feita pelos apóstolos, que centraliza o testemunho a ser prestado pela igreja; e por fim, 3) um exemplo de como vivia a comunidade dos discípulos sob o poder do Espírito Santo.
Observados esses pontos, o arquétipo lucano, como dito, demonstra a fruição do objetivo da concessão do Espírito à igreja desde o Pentecostes: fazer como que a igreja testemunhe do evangelho, sendo o instrumento do chamado dos perdidos à salvação.
A seção anterior (cf. 4.32-35), enfatizou o caráter comunitário da igreja em sua exemplificação e demonstração da operação do Espírito no meio da comunidade dos discípulos. Na presente seção, como aludido antes, dois exemplos endossam a perspectiva do autor e sua ênfase aos leitores. Barnabé, Ananias e Safira, são usados pelo autor como exemplos positivos e negativos da vivência (ou não, no caso do casal) dos discípulos à luz dos princípios anteriores, principalmente em relação à vida comunitária.
A intenção de Lucas, com ambas as narrativas, é destacar quão próximo está o conceito de comunidade vivido pelos discípulos, da presença do próprio Espírito Santo no meio da igreja, e portanto, como isso reflete no próprio cumprimento do chamado recebido por esta. Tanto Barnabé quanto Ananias e Safira, exibem seus sentimento no tocante à comunidade, e o modo como expressam isso é qualificado pelo autor, enquadrando sua exortação aos leitores.
O sentimento de pertencimento, pelo poder do Espírito, à comunidade dos discípulos de Cristo que Barnabé demonstra, e o distanciamento do mesmo princípio, experienciado por Ananias e Safira, centraliza a tese de que a própria vida em comunidade é um dos fatores usados pelo próprio Deus Triuno na fruição de seu objetivo de tornar conhecido a glória do Filho( i.e. Jesus Cristo), através da ação do Espírito.
À luz dessas considerações, a ideia central do texto de Atos 4.36-5.11 consiste na exemplificação do princípio comunitário como evidência da presença do Espírito na igreja.
Elucidação
A reiteração do espírito comunitário da igreja mediante outra síntese quanto a como viviam os primeiros discípulos, reforça essa temática. Lucas, como introduzido, enfatiza esse ponto a fim de estabelecer uma forte perspectiva quanto aos princípios que definem a igreja como testemunha do evangelho de Cristo ao mundo (apresentados por exemplo em 2.42-47), e a garantia da efetividade de tal missão é a presença do Espírito Santo em seu meio.
A partir disso, o presente relato toca os dois horizontes conceituais: a presença do Espírito no meio dos discípulos, santifica a reunião dos chamados à salvação, habilitando-os a viverem de maneira a refletir a obra redentiva que receberam e, mediante a pregação apostólica, tal realidade é comunicada ao mundo. Por outro lado, uma falha no primeiro principio, pode levar a igreja a não cumprir à contento com sua incumbência, e tal possibilidade centraliza a exortação direcionada pelo autor através do registro.
Tendo em mente a seção anterior, a narrativa é iniciada nos versículos 36 e 37 do capítulo 4, com a caracterização do personagem encarregado de apresentar o exemplo positivo daquela síntese; Barnabé, como segue:
José, a quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho de exortação, levita, natural de Chipre, como tivesse um campo, vendendo-o, trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos.
Para além da própria narrativa que já se encarrega de qualificar positivamente Barnabé, o prolongamento na apresentação do indivíduo demonstra a preocupação de Lucas em estabelecer seu protagonismo na narrativa. Barnabé é usado como reflexo adequado dos princípios apresentados na seção imediatamente anterior (vs. 32-35).
Espontaneamente, o "filho da consolação" (de acordo com o significado do seu nome), exibindo desprendimento quanto aos bens que possuía e tendo em vista a necessidade de alguns da comunidade dos discípulos, fez aquilo que já estava se estabelecendo como hábito na igreja: vendeu uma propriedade e entregou o dinheiro aos apóstolos.
O ponto em destaque na atitude de Barnabé é exatamente o sentimento de pertencimento à comunidade dos discípulos; algo que fora usado por Lucas como marca indelével daqueles que verdadeiramente foram chamados pelo Espírito à salvação, mediante a contemplação da glória de Deus em Cristo. O gesto do discípulo não é de mera caridade, mas reflete sua condição de membro da comunidade evangélica.
O princípio de pertencimento à comunidade a partir da comunhão amorosa, é o grande distintivo apresentado por Lucas quanto a caracterização daqueles que verdadeiramente são parte da igreja de Cristo, que testemunha de seu evangelho pelo poder do Espírito Santo.
Nada obstante, à luz do mesmo ideal, Lucas apresenta o contraponto a tal sentimento: a disjunção egoísta de Ananias e Safira.
Diferentemente do primeiro personagem (Barnabé), o autor não empreende uma apresentação delongada em relação ao casal, ao passo que o balanço contrastante é feito a partir do próprio registro do caso.
Ambos os personagens venderam uma propriedade (cf. 4.37, 5.1), porém, como acrescenta Lucas, Ananias "em acordo com sua mulher, reteve (gr. "ἐνοσφίσατο" = lit. "fraudou" (cf. Tt 2.10)) parte do preço" (cf. 5.2). A subtração de parte do valor configura uma espécie de ardil do casal, que buscou omitir a verdade de que não estavam essencialmente inclinados a cooperar com a comunidade, pelo menos não tanto quanto haviam demonstrado anteriormente, ao terem planejado realizar a doação.
A mentira de Ananias (cf. v.3) consiste numa amostra daquele sentimento encontrado em Barnabé, porém, às avessas: o que motivou o primeiro a vender seus bens e entregar o valor integral ao apóstolos não foi, como dito acima, mera boa-ação, mas um demonstrativo de que via-se verdadeiramente como integrante da comunidade dos discípulos de Cristo, e, sabendo da necessidade de algum ou alguns irmãos, prontamente colocou-se à disposição para socorrê-lo(s).
De contrapartida, Ananias e sua esposa, embora tivessem alguma intenção externa de cooperar com a igreja, mantiveram em riste suas preocupações e amores particulares; dentre eles, o apego aos bens, o que denunciou sua disjunção ou distinção em relação ao corpo de discípulos.
A denúncia de Pedro registrada pelo autor, sacramenta essa percepção:
Então, disse Pedro: Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo?
A evocação do Espírito Santo feita por Pedro estabelece o ponto conectivo entre a postura de Ananias e a comunidade dos discípulos, pois a comunhão entre os discípulos do Senhor, sendo o tema central desta seção, ecoa os princípios trabalhados na seção anterior, como já aludido, em que o Espírito exerce o papel fundamental de identificar (mediante seu poder) a comunidade dos discípulos como testemunhas do evangelho.
Segundo o apóstolo, Ananias mentiu (gr. "ψεύσασθαί"), ou seja, ocultou ou tentou mascarar a verdade a partir de um engodo que deveria fazer parecer que a soma depositada aos pés dos apóstolos, teria sido o valor negociado na íntegra e, com isso, que cumprira com o compromisso de socorrer os irmãos necessitados, como era de se esperar de um verdadeiro integrante da igreja.
O pecado de Ananias (e consequentemente de sua esposa, como é exposto mais adiante), foi não apenas a hipocrisia ou avareza, como geralmente se entende (sendo uma leitura perfeitamente válida), mas, em essência, o atentado contra o espírito comunitário fomentado na igreja pelo Espírito Santo. Assim, como complementou Pedro, Ananias "não ment(iu) aos homens, mas a Deus" (v.4), isto é, ele não falsificou sua condição de discípulo de Cristo apenas diante dos homens, mas ao próprio Senhor da igreja.
Em decorrência disso, a pena para o transgressor é executada:
Ouvindo estas palavras, Ananias caiu e expirou, sobrevindo grande temor a todos os ouvintes.
Em que pese a celeridade do juízo divino sobre Ananias, o ponto enfatizado por Lucas no texto, repetido inclusive no versículo 11, é o temor que recai sobre a comunidade, como reforço do princípio comunitário. Ananias foi de pronto executado por causa de sua falsidade e violação do princípio da comunhão vivido pela igreja, e tal fato foi notado como exemplo a fim de evidenciar que tamanho ultraje não seria tolerado pelo Consolador da igreja (i.e. o Espírito Santo).
A partir do que ocorrera com Ananias, todos os membros da comunidade dos discípulos puderam compreender a importância dada pelo próprio Cristo por meio de seu Espírito, de preservarem a comunhão como aspecto indispensável à vida da própria igreja e à sua missão como testemunhas da salvação ao mundo.
Na sequência, a cena é repetida através da Safira, esposa de Ananias. Ao ter entrado na presença dos apóstolos, Safira, "não sabendo o que ocorrera" (v.7), inicia um diálogo com Pedro, que questiona o preço entregue por Ananaias:
Então, Pedro, dirigindo-se a ela, perguntou-lhe: Dize-me, vendestes por tanto aquela terra? Ela respondeu: Sim, por tanto.
Pedro e os demais apóstolos, desbaratam o conluio do casal, a partir da percepção de que realmente havia sido combinado (cf. v.2) entre marido e mulher, a divulgação de um valor que não era aquele arrecadado na venda do campo, e se o pecado da Safira foi o mesmo de seu marido, a penda também foi:
Tornou-lhe Pedro: Por que entrastes em acordo para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu marido, e eles também te levarão. No mesmo instante, caiu ela aos pés de Pedro e expirou. Entrando os moços, acharam-na morta e, levando-a, sepultaram-na junto do marido.
O casal mancomunou-se não apenas contra a igreja, como dito anteriormente, mas contra o próprio Espírito; aquele que vincula intima e espiritualmente cada membro do corpo de Cristo ao próprio. A ameaça da mentira de Ananias e Safira não poderia ser tolerada como um simples desvio moral, mas como um acinte à comunhão da igreja.
Novamente, tal como mencionado, no verso 11, o que se destaca não é a intensidade do julgamento na morte do casal, mas o temor que recai sobre a comunidade: "E sobreveio grande temor a toda a igreja...". Tal temor representa a compreensão de todos os membros, de que o Espírito que opera na igreja preservará o vínculo da comunhão que desfrutam, salvaguardando-a como testemunha da salvação, e qualquer ameaça a esse aspecto da identidade da igreja, será neutralizada.
Transição
A morte de Ananias e Safira representa a condição inerte e fúnebre daqueles que, embora convivam no meio da igreja, não veem-se verdadeiramente como membros da comunidade testemunhal.
O sentimento de pertencimento ao corpo de Cristo é uma das evidências destacadas por Lucas de que uma pessoa de fato ouviu o chamado à salvação ecoado pela igreja, e agora também reproduz esse chamado a partir do ímpeto que brota em seu coração de servir a Cristo servindo a seus irmãos, com exemplificado através da Barnabé.
O Espírito Santo é o guardião da unidade da igreja, e fará com que seu povo trilhe o caminho do martírio, comunicando ao mundo a verdade que faz o homem desfrutar de comunhão com o próprio Deus, o que sugere que há uma ligação essencial entre o relacionamento do homem com Cristo e sua situação em relação à igreja: um não pode ser verdadeiramente experimentado sem o outro.
O texto de Atos 4.36-5.11, evidencia essa verdade, que pode ser organizada a partir de alguns princípios a serem absorvidos pela igreja contemporânea, tal como foram direcionados aos primeiros leitores. Quais sejam:
Aplicações
1. Todos os nossos sentimentos e ações em relação à igreja, devem ser orientados pelo princípio comunitário fomentado em nós pelo Espírito Santo: somos membros de um corpo.
Como já reiterado em análises anteriores, uma consideração que enfatiza um aspecto identitário da igreja sobre outro, como por exemplo, a vida em comunidade sobre a fidelidade ao testemunho do evangelho, desequilibra a noção retratada por Lucas no texto de Atos. Ambos os princípios possuem papel essencial no cumprimento do missão outorgada por Cristo à sua igreja, e é exatamente essa correlação que torna a presente seção tão contundente em termos de uma exortação direcionada pelo autor ao seu(s) leitor(es).
O sentimento de Barnabé e o pecado de Ananias e Safira são exemplos deixados por Lucas de uma consideração positiva e negativa de indivíduos para com a comunidade cristã. O referencial que estabelece essa caracterização é o próprio Espírito Santo: a causa eficiente da comunhão que os crentes desfrutam entre si, como reflexo de sua comunhão com o Senhor Jesus Cristo.
Foi por terem se comportado adequada e inadequadamente em relação ao Espírito Santo e ao princípio comunitário por ele impresso na igreja, que ambos os personagens foram caracterizados por Lucas das formas como constam no texto.
Como base nessa ênfase do presente texto, conclui-se que o crivo para nossas ações e sentimentos em relação à igreja sempre deve ser esse: fomos chamados à salvação de Deus em Cristo, pelo poder do Espírito Santo, e isso será manifesto, principalmente, na igreja, a partir de nossa perspectiva dessa reunião.
Estar numa igreja não significa doar bens ou valores, ou realizar qualquer tipo de boa ação, embora essa coisas sejam importantes e até deveres que temos em relação uns aos outros. Mas, antes disso, todo nosso pensamento e conceito de igreja, deve iniciar como uma profunda convicção de que pertencemos ao Corpo de Cristo, isto é, nossa salvação está diretamente ligada ao convívio e participação do ajuntamento de pessoas que, assim como nós, partilham da graça salvadora.
Se no íntimo de nossos corações, esse for o nosso sentimento, o vínculo no Espírito se mostrará em nossa vida a partir do modo como tratamos a comunidade, mas não nos esqueçamos que o contrário disso também é verdade; se, no fundo, não nos vemos como partes do corpo de Cristo, cedo ou tarde, isso também será trazido à lume, e o devido julgamento por termos mentido ao Espírito, será executado.
O que nos leva ao segundo princípio.
2. O Espírito Santo habita no meio de sua igreja, e preservará o papel dela como comunidade testemunhal, desmascarando aqueles que fingem pertencer à comunidade, e com isso, ameaçam sua unidade.
Ananias e Safira, por não terem compreendido quão íntima era a relação dos crentes com o Deus Triuno, foram alvos da ira divina que os sentenciou imediatamente por sua violação à obra do Espírito Santo, qual seja: a consolidação da comunhão dos santos.
Isso foi um aviso deixado tanto pelo Espírito, quanto pelo próprio autor humano, que direcionou aquela advertência para que o temor do Senhor sobreviesse aos que pertencem a sua igreja, não como uma forma de ameaça, e sim, para que soubessem que o Senhor da igreja a protegerá e o Espírito a preservará para que tenha êxito em seu chamado testemunhal.
Embora não devamos esperar que pessoas caiam mortas do nosso lado na igreja, segundo supracitado, as mortes de Ananias e Safira são referencias àquilo que executa Cristo no meio de sua igreja através do Espírito: a vida flui no meio do povo de Deus; Cristo nutre seu povo, fazendo-os gozar de todas as benesses da salvação mediante o poder do Espírito Santo. Um falso cristão, isto é, alguém que apenas externamente aparenta ser parte do corpo de Cristo, mas no íntimo não se vê assim, não desfruta desses benefícios, e a falta da vida do Espírito logo se mostrará, pois mortos não podem caminhar muito tempo na presença dos vivos.
A igreja deve ter a convicção de que o Espírito está muito presente em seu meio, agindo diretamente para conduzir a comunidade dos discípulos à fruição do propósito estabelecido por Cristo: testemunhar do evangelho até aos confins do mundo, e o mesmo Espírito protegerá seu povo de ameaças externas e internas, que tentem impedir a realização da missão dos discípulos do Senhor.
Conclusão
O Espírito une os discípulos entre si e à Cristo, e Cristo une a igreja ao Pai. Comunhão e união são uma das marcas da igreja, e nada nem ninguém poderão destruir o vínculo eterno da redenção.