MONOGRAFIA - Capítulo I: Fundamentos Bíblicos e Teológicos do Ofício Sacerdotal de Cristo

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O texto a seguir aborda a evolução do conceito de sacerdócio desde o Antigo até o Novo Testamento. Ele examina o sistema levítico e sua relação com o sacerdócio de Cristo, destacando a continuidade e descontinuidade entre os dois. Além disso, o estudo incorpora profecias messiânicas que fornecem um contexto adicional para o sacerdócio de Cristo.

Panorama do Antigo e Novo Testamento

A saga da redenção humana, conforme articulada nas Escrituras, é uma narrativa rica que se estende desde o Gênesis até o Apocalipse. Este tecido da revelação divina é entremeado com tipos, sombras e prenúncios que encontram sua plenitude no ministério sacerdotal de Cristo. É crucial entender que Cristo, em suas duas naturezas, é ungido para três ofícios, como fica claro pelo nome “Cristo” (Vos, 2014, p.20). O presente capítulo busca imergir nas profundezas desta narrativa, explorando a trajetória do sacerdócio desde suas raízes levíticas até sua consumação em Cristo, o Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (Lv 16.1-34; Hb 5.10; 6.20; 9.11-15; Gn 14.18-20).
O sistema sacrificial e sacerdotal do Antigo Testamento, especialmente como delineado no livro de Levítico, serve como o pano de fundo sobre o qual a obra sacerdotal de Cristo é projetada. Levítico oferece um rico retrato dos vários sacrifícios e rituais que eram essenciais para a manutenção da relação pactuada entre Deus e Seu povo. O papel dos sacerdotes levíticos era indispensável, pois serviam como mediadores, facilitando o acesso do povo a Deus através de ofertas e sacrifícios. Este sistema, embora complexo em sua ritualística e simbolismo, era fundamentalmente imperfeito. Os sacerdotes levíticos, apesar de sua função mediadora, eram eles próprios falíveis e sujeitos à morte. Eles serviam como um “tipo”, uma sombra da realidade mais completa e perfeita que estava por vir. O sistema sacrificial levítico era, assim, uma tipologia, um prenúncio da obra redentora de Cristo.
Deus teria Seu Filho eterno e unigênito a se encarnar, tomar nossa natureza sobre ele — para ser feito homem. Qual é Seu desígnio nesta obra incompreensível de Sua sabedoria, amor e poder? Na verdade, em primeiro lugar, foi para a redenção da igreja, pelo sacrifício de Si mesmo, e outros atos de sua mediação. Mas há algo que é mais geral e abrangente, e onde todas as preocupações da glória de Deus se concentram. E isso era para que Ele pudesse reunir todas as coisas em uma Nele — que toda a criação, especialmente aquela que seria eternamente abençoada, recebesse uma nova cabeça, para seu sustento, preservação, ordem, honra e segurança.
John Owen - Adaptado de John Owen, The Works of John Owen, ed. William H. Goold, vol. 1 (Edinburgh: T&T Clark, n.d.), 372.
Elliot Ritzema, org., 300 citações e orações para o Natal, Série Pastorum (Bellingham, WA: Lexham Press, 2021).
É crucial notar que o sacerdócio levítico não era o único modelo sacerdotal no Antigo Testamento. Melquisedeque, o rei de Salém e “sacerdote do Deus Altíssimo” (Gn 14.18), serve como um tipo de Cristo que transcende as limitações levíticas. Ele não pertencia à linhagem de Levi, e ainda assim, foi reconhecido como um sacerdote legítimo por Abraão. Este fato é retomado na Epístola aos Hebreus para estabelecer a superioridade do sacerdócio de Cristo, que é “segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 5.10).
O Novo Testamento, particularmente a Epístola aos Hebreus, explora a continuidade e descontinuidade entre o sacerdócio levítico e o sacerdócio de Cristo. Há uma continuidade no sentido de que ambos os sacerdócios servem como mediadores entre Deus e o homem. No entanto, há uma descontinuidade marcante na perfeição e eficácia do sacerdócio de Cristo em contraste com o sacerdócio levítico. Cristo, como o Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, oferece um sacrifício perfeito e definitivo que consegue, de uma vez por todas, obter a redenção para o Seu povo.
Continuidade: A Função Mediadora
Ambos os sacerdócios, atuam como mediadores entre Deus e o homem. Para exercer sua obra como Mediador, Cristo teve que passar por um estado de humilhação, bem como um estado de exaltação, como se pode derivar dos nomes “Servo do Senhor”, “Filho de Davi” (Vos, 2014, p.20). No Antigo Testamento, os sacerdotes levíticos serviam como intermediários, oferecendo sacrifícios em nome do povo e atuando como seus representantes diante de Deus (Êx 28.1-3). Eles eram os guardiães da Lei e os administradores dos rituais e cerimônias que mantinham a relação pactuada entre Deus e Israel. Esta função mediadora é continuada em Cristo, que também atua como um intermediário entre Deus e a humanidade. No entanto, a mediação de Cristo é singular em vários aspectos cruciais (1 Tm 2.5).
Descontinuidade: A Perfeição e Eficácia do Sacerdócio de Cristo
Natureza do Sacerdote: O Mediador não pode ser uma pessoa humana (caso contrário, ele cairia sob o pacto das obras), e, ao mesmo tempo, deve ser uma pessoa (caso contrário, ele não poderia agir por nós em justiça). Portanto, Ele deve ser uma pessoa divina. (Vos, 2014, p.22). Enquanto os sacerdotes levíticos eram falíveis e pecadores, necessitando oferecer sacrifícios por seus próprios pecados antes de interceder pelo povo, Cristo é o Sumo Sacerdote sem pecado, não necessitando de expiação pessoal (Hb 4.15).
Natureza do Sacrifício: A obra de Cristo como Mediador deve possuir um valor infinito, uma vez que essa obra deve se estender à satisfação da ira eterna de Deus (Vos, 2014, pp.23-24). Os sacerdotes levíticos ofereciam sacrifícios de animais que precisavam ser repetidos continuamente. Cristo, por outro lado, ofereceu a Si mesmo, um sacrifício perfeito e definitivo que não necessita de repetição (Hebreus 9.12; 10.10).
Local do Sacrifício: Os sacerdotes levíticos operavam no tabernáculo ou no templo, lugares feitos por mãos humanas. Cristo, no entanto, entrou no Santo dos Santos celestial, apresentando-Se diante de Deus em nosso favor (Hb 9.24).
Eficácia do Sacrifício: Os sacrifícios levíticos eram simbólicos e temporários, servindo apenas para cobrir o pecado. O sacrifício de Cristo remove o pecado, tornando possível a verdadeira reconciliação com Deus (Hb 10.14).
A designação de Cristo como Sumo Sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 5:10, 6:20) é significativa. Melquisedeque, como já observado, é uma figura que transcende as categorias levíticas, sendo tanto rei quanto sacerdote. Cristo, da mesma forma, une em Sua única Pessoa as funções de Rei e Sacerdote, mediando um novo pacto que é ao mesmo tempo, real e sacerdotal. O sacerdócio de Cristo, portanto, não é uma mera continuação do sacerdócio levítico, mas sua consumação e transcendência. Ele realiza o que o sacerdócio levítico apontava, mas não podia realizar: a redenção definitiva e eterna de Seu povo.

Levítico e o conceito de sacerdócio

O livro de Levítico é uma obra monumental que estabelece o sistema sacerdotal levítico, um complexo conjunto de rituais, leis e normas que governam a relação entre Deus e o povo de Israel. Os sacerdotes levíticos não eram meros oficiantes de rituais; eles eram mediadores, educadores, e guardiães da pureza comunitária. Eles ofereciam uma variedade de sacrifícios, cada um com seu próprio significado e propósito, desde holocaustos até ofertas de paz e ofertas pelo pecado. Além disso, eles eram responsáveis por uma série de outras funções, incluindo a instrução do povo nas leis de Deus, a manutenção da ordem e da justiça, e a supervisão das práticas de pureza ritual e moral.
A pureza ritual e moral era uma preocupação central no sistema levítico. Os sacerdotes eram encarregados de diagnosticar e purificar doenças, regular práticas relacionadas à limpeza e higiene, e até mesmo presidir sobre questões de nascimento e morte. Esta obsessão com a pureza não era um fim em si mesma, mas simbolizava a santidade de Deus e a necessidade de o povo se aproximar Dele com reverência e integridade.
O sistema sacerdotal levítico, com toda a sua complexidade e rigor, servia como uma sombra da obra redentora futura de Cristo. Os rituais e sacrifícios levíticos prenunciavam a necessidade de purificação e expiação que seria plenamente satisfeita no sacrifício de Cristo na cruz. A continuidade e descontinuidade entre os dois sistemas sacerdotais não são apenas uma questão de evolução teológica, mas uma demonstração da coesão e unidade do plano redentor de Deus através das eras.

Profecias messiânicas relacionadas ao sacerdócio

As Escrituras do Antigo Testamento são repletas de profecias messiânicas que não apenas antecipam a vinda do Messias, mas também delineiam de forma explícita e implícita o seu ofício sacerdotal. Essas profecias, quando lidas à luz do Novo Testamento, oferecem uma rica tapeçaria teológica que aprofunda nossa compreensão do sacerdócio de Cristo.
Os textos do Salmo 110.4 e Zacarias 6.12-13 são pilares teológicos que antecipam o ofício sacerdotal do Messias. Ambos não apenas confirmam essa função, mas também a enriquecem com nuances de realeza e eternidade, estabelecendo um fundamento sólido para a compreensão do sacerdócio de Cristo no Novo Testamento.
O Salmo 110.4 é uma composição davídica que se destaca como uma das profecias messiânicas mais significativas do Antigo Testamento. O versículo proclama: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”. Esta declaração é carregada de implicações teológicas profundas. Primeiramente, ela confirma o ofício sacerdotal do Messias, estabelecendo que Ele não será apenas um rei, mas também um sacerdote. Em segundo lugar, a referência à “ordem de Melquisedeque” é crucial. Melquisedeque é uma figura enigmática que aparece em Gênesis 14 como “rei de Salém” e “sacerdote do Deus Altíssimo”. Ao associar o Messias com Melquisedeque, o salmo está apontando para um tipo de sacerdócio que vai além das limitações levíticas, um sacerdócio que é tanto real quanto eterno.
Zacarias 6.12-13 é outra profecia messiânica que merece atenção especial. O texto declara: “Eis que o homem cujo nome é Renovo… ele mesmo edificará o templo do Senhor… e levará a glória, e assentar-se-á, e dominará no seu trono, e será sacerdote no seu trono”. Esta profecia é notável por várias razões. Primeiramente, ela estabelece que o Messias será tanto um rei quanto um sacerdote, algo que era inédito na tradição judaica, onde esses ofícios eram mantidos separados. Em segundo lugar, a profecia fala da “união hipostática” dos dois ofícios em uma única Pessoa. Este é um conceito que só será plenamente compreendido com a revelação de Cristo no Novo Testamento. O Messias não apenas reinará no seu trono, mas também exercerá funções sacerdotais a partir desse mesmo trono, unindo assim os papéis de rei e sacerdote de uma maneira única e definitiva.
O que é notável nessas profecias é como elas estabelecem um pano de fundo teológico e bíblico para o sacerdócio de Cristo. Elas não apenas prenunciam o seu ofício sacerdotal, mas também fornecem os contornos teológicos dentro dos quais esse sacerdócio deve ser entendido. O sacerdócio levítico, com suas limitações e imperfeições, serve como um tipo ou sombra que aponta para o sacerdócio perfeito e eterno de Cristo. As profecias messiânicas, por outro lado, oferecem a antecipação e a esperança dessa realidade futura.
Esta exploração inicial, embora longe de ser exaustiva, estabelece uma fundação sólida sobre a qual as análises subsequentes do sacerdócio de Cristo podem ser construídas. Ela nos convida a uma apreciação mais profunda e nuanceada da obra redentora de Cristo como o verdadeiro e definitivo Sumo Sacerdote, cujo ofício foi antecipado e profetizado nas Escrituras do Antigo Testamento.
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