Atos 6.8-15

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O autor apresenta o modelo cristão de martírio, encorajando a igreja de Cristo a percorrer a mesma via crucis do Messias, a fim de testificar adequadamente do evangelho.

Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após enfatizar a centralidade do ministério apostólico da oração e pregação da palavra, como pilar principal da missão testemunhal a ser exercida pela igreja, Lucas, a partir da presente narrativa, destaca um dos personagens listados na seção anterior (cf. v. 5), como modelo de exercício dessa missão: Estevão.
Ao serem escolhidos "sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria" (v.3) que foram encarregados de cuidar do serviço aos santos no aspecto social, Lucas focaliza um deles como sendo o arquétipo que representará o caminho a ser percorrido pela igreja no tocante ao testemunho que deve prestar, a partir de uma identificação relacional entre o contexto experienciado por Estevão e aquele que viveu o próprio Senhor Jesus Cristo.
Os pontos correlacionais entre os contextos dos dois personagens, são retratados a partir das seguintes referências:
1. Os personagens destacam-se pela realização de sinais e milagres entre o povo (At 6.8 - Mt 4.23-25).
2. Os adversários não conseguem resistir ou apanhar os personagens nalgum equívoco (At 6.10 - Mc 14.55).
3. Testemunhas falsas são contratadas e o próprio povo é incitado contra os personagens (At 6.11, 12 - Mt 26.60).
4. O argumento forjado contra os personagens é de subversão da Lei e atentado ao Templo (sistema religioso em vigor) (At 6.14 - Mt 26.61).
5. Fica evidente na própria narrativa que ambos os personagens são inocentes das acusações, embora ainda assim sofram a oposição ( At 6.15 - Mt 26.59-60; 27.19).
Ao tecer essas referências, Lucas estava realizando um comparativo entre Estevão e Cristo, como dito, a fim de que seus leitores percebessem que o ministério executado por Cristo Jesus possui em si um teor mimético em relação a todos aqueles que professarão fé nele como Salvador, sendo direcionados a trilhar o mesmo caminho de martírio para o cumprimento de sua missão.
Nesse ponto, o encargo testemunhal da igreja passa a ser compreendido como a replicação do caminho percorrido pelo próprio SENHOR: Cristo foi a primeira testemunha do evangelho da salvação, e culmina sua carreira com sua glorificação pelo Pai, tendo operado tal ministério pelo poder do Espírito, e agora, todos aqueles que o seguem deverão percorrer a mesma vereda cristã.
Compreendendo isso, o texto de Atos 6.8-15, sintetiza como tema central a seguinte tese: o modelo cristão de martírio.
Elucidação
A presente seção inicia-se com a retomada referencial feita no verso 5 com relação ao personagem em foco: "Estevão, cheio de graça e poder...", e tal referência, segundo analisado na seção anterior, situa o protagonismo que será usado por Lucas como base de sua comunicação aos leitores do texto.
De acordo como que fora introduzido, a passagem estabelece um paralelo entre Estevão e Cristo, a partir dos respectivos martírios; isto é, tanto um quanto o outro, testificaram do evangelho diante de opositores com suas próprias vidas e obras.
A lista citada na introdução enquadra o contexto focado por Lucas na exposição dessa conexão, e estabelece as marcas messiânicas que agora são encontradas em Estevão e na ocasião em que está prestes a emitir seu testemunho diante de seus acusadores.
Os versos de 9 à 14 registram todo o levante contra Estevão, e o modo escolhido pelo autor para isso, indica inclusive que provavelmente Lucas usou, pelo menos nessa parte de seu texto, um material secundário para elaboração do registro do episódio (MARSHALL, 2004, p. 125), e dentre essas possíveis fontes, a que mais destaca o embate de Cristo com as autoridades judaicas é o Evangelho de Mateus. Por exemplo, o conluio de facções que eram até então rivais, com o intuito de prender a Cristo, retratada no capítulo 22 de Mateus (cf. 22.15-45), é sublinhado por Lucas no versículo 9, quando é dito que
Atos dos Apóstolos 6.9 ARA
Levantaram-se, porém, alguns dos que eram da sinagoga chamada dos Libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e Ásia, e discutiam com Estêvão;
Ao demonstrar isso, o autor elucida aos seus leitores o teor do testemunho que a igreja deverá prestar. Embora o tópico da oposição e perseguição que a igreja sofrerá já tenha sido retratado anteriormente, a diferença do presente relato é a ratificação de como essa oposição aproxima-se daquela sofrida pelo próprio Senhor Jesus, como reiterado, e isso justifica a repetição da temática.
Os tópicos da confiança da igreja no poder do SENHOR para levar adiante o testemunho (cf. 4.23-31), e com base nisso, a firmeza discípulos nesse propósito, entendendo que a obra que estavam realizando era verdadeiramente a obra de Deus (cf. 5.17-42), são acrescido pela compreensão de que a resistência e oposição sofrida pela igreja fazem parte de uma identificação direta com a trilha messiânica percorrida por Cristo.
O testemunho cristão a ser prestado ao mundo não é feito apenas de maneira externa, pela pública profissão de fé no Senhor Jesus como Salvador e Rei enviado da parte do Pai para ser glorificado e publicado até aos confins da terra, mas passa intrinsecamente pela exibição dessa verdade replicada na vida de cada discípulo, como agora era o caso de Estevão. O martírio ao qual Cristo se referiu ao ordenar que seus discípulos fossem suas testemunhas até aos confins da terra, é uma obra que é inerente ao crente, sendo selada com sua própria vida.
Toda movimentação antagônica voltada contra Estevão — muito semelhante aquela direcionada aos apóstolos seções atrás — agora é usada por Lucas como contexto demonstrativo de que o martírio cristão possui o Senhor Jesus como modelo, e o diácono Estevão é usado, por seu turno, como confirmação desse arquétipo. Os discípulos do Senhor estão ligados a ele de maneira tão vívida e profunda, que até mesmo seus sofrimentos em nome do evangelho devem espelhar aquilo que viveu o próprio Cristo.
De acordo com Lucas, nesta seção, a igreja deverá confirmar que todo o evangelho é verdade, não apenas falando e demonstrando pela palavra, como o próprio Estevão fará adiante, mas vivendo à luz do evangelho, o que inclui percorrer a via crucis que lhe está proposta.
Na conclusão da introdução preparatória ao testemunho propriamente dito, que Estevão deverá prestar, o autor retrata a conexão mística entre ele e Cristo a partir da ótica dos próprios opositores e ouvintes:
Atos dos Apóstolos 6.15 ARA
Todos os que estavam assentados no Sinédrio, fitando os olhos em Estêvão, viram o seu rosto como se fosse rosto de anjo.
A contemplação do rosto glorificado de Estevão era a marca que evidenciava sua distinção enquanto uma testemunha de Cristo: diante dos homens não estava alguém que iria proferir um mero discurso, mas uma testemunha fiel do Senhor Jesus Cristo e sua glória, refletindo ele mesmo o esplendor do evangelho.
Transição
A tônica de Lucas é clara: há uma identificação e relação direta do cristão com Cristo, e do testemunho que o Senhor prestou de si e da obra redentiva, com o martírio a ser replicado por cada discípulo.
As dificuldades enfrentadas pela igreja concernentes a oposição sofrida, servem como instrumentos que clarificam ao mundo esse vínculo. Estevão foi exemplo usado pelo autor bíblico para provar aos próprios crentes essa realidade. Antes de estarem numa relação indireta ou até distante, em que apenas obedecem ordens entregues por um superior, cada cristão está na verdade comprometido em imitar o paradigma testemunhal do evangelho: Cristo Jesus.
Diante disso, o texto de Atos 6.8-15 enfatiza a seguintes aplicação principiológica à igreja contemporânea:
Aplicação
A veracidade do evangelho é testemunhada por cada discípulo de Jesus, através da identificação com o percurso messiânico empreendido pelo Senhor, trilhado referencialmente por ele mesmo.
James Hamilton, reconhecendo a correlação mimética das agruras messiânicas com cada crente, enfatiza:
O sofrimento do Messias e do povo do Messias é, às vezes, referido como as angústias messiânicas. Se você é crente em Jesus, você é noiva e corpo de Cristo, faz parte da família de Deus, é templo do Espírito Santo, e — por mais surpreendente que lhe pareça — a sua vida será difícil, e não fácil, você não evitará as angústias messiânicas. Se foi necessário, primeiro, que o Messias sofresse para, então, entrar em sua glória (Lucas 24.26), é necessário que a igreja passe por muitas tribulações para, então, entrar no reino de Deus (Atos 14.22).
Ironicamente, o único jeito de evitar as tribulações e aflições é se aliar ao time perdedor. Junte-se a Satanás contra Deus, e você não sofrerá as agruras messiânicas. Em vez disso, você terá o mundanismo. Mas descobrirá que o mundanismo não satisfaz a alma. Descobrirá que a cobiça dos olhos, a cobiça da carne e a soberba da vida deixam a boca seca, a garganta crestada, e cascalho nas entranhas. Verá ao final sua vida arruinada pelos prazeres transitórios do pecado (HAMILTON, 2016, p. 112).
Cedo ou tarde, em maior ou menor intensidade, em algum momento de sua vida, o testemunho do evangelho será exigido de você, e isso implicará na experimentação de alguma dose de sofrimento na forma de resistência contra a mensagem que você, com sua vida, alega ser verdadeira.
Embora seja certo que não conseguirão resistir ou vencer a mensagem do evangelho que você transmite, subornarão pessoas que prestem um falso testemunho de você e incitarão outras para que lhe persigam; buscarão distorcer o que você disse a fim de tornar você culpado de algo errado (ainda que fique evidente que não agiu de tal forma); tramarão contra você a fim de lhe prejudicar e etc, tudo isso por causa da mensagem de salvação à luz da qual você vive.
Isso significa que em algum momento da sua vida, você se deparará com a compreensão de que o evangelho exige um compromisso tão radical, que só pelo fato de professá-lo, será visto de maneira negativa por muitos.
Qual será sua reação quando esse dia chegar? O que os homens verão no seu rosto? a glória do evangelho? o esplendor de Cristo? ou a opacidade de alguém que negará o Senhor em troca das lentilhas mundanas?
Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, abandonando qualquer alta consideração que tem por si; qualquer apego à sua própria pessoa; tome sua cruz, assumindo um compromisso total, podendo isso custar sua própria vida; e siga-me, pelo caminho sofrido e dolorido da oposição e dor causados por um mundo imerso nas trevas, até a glorificação. Isto é o que significa ser uma testemunha de Cristo.
Conclusão
Estevão foi apenas um, dos tanto e tantos outros irmãos nossos que foram trazidos à fé no Senhor Jesus, e a quem foi dado o poder de testemunhar do evangelho, percorrendo a mesma via dolorosa que ele. Se você faz parte desse grupo, venha! Nosso Cordeiro venceu, vamos segui-lo [Vicit agnus noster, eum sequamur].
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