Êxodo 8.20-32
Série expositiva no Livro do Êxodo • Sermon • Submitted • Presented
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· 13 viewsO autor divino/humano enfatiza o aspecto redentivo/distintivo da obra executada pelo SENHOR, através da qual declara sua soberania e glória sobre toda a terra, separando seu povo do meio daqueles que serão alvos de sua ira.
Notes
Transcript
"São estes os nomes..." (Êx 1.1).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Avançando na epopeica narrativa em que retrata os atos poderosos de Deus em libertar seu povo, proclamando sua glória sobre toda terra, Moisés registra o episódio da quarta praga executada contra Faraó e o Egito; opressores dos filhos de Israel: a praga dos enxames de moscas.
A calamidade provocada pelo quarto flagelo salienta o aspecto peculiar do modo como está sendo executado o plano redentivo do SENHOR para com seu povo, tal como consta na primeira parte do texto (vs. 20-24). Após expor a Moisés como se dará o próximo castigo divino sobre o Egito, YHWH declara que por meio de tal ação, fará "distinção entre o meu povo e o teu (i.e. de Faraó) povo" (v.23). A expressão usada por Moisés para elucidar a iniciativa divina nesse ponto é "פְדֻ֔ת" (transl. "pêduth"), mais comumente traduzida como "redenção". A salvação que o SENHOR estava executando incidia diretamente numa separação dos hebreus de seus opressores. Enquanto a mão divina pesava sobre Faraó e os egípcios, Moisés e os hebreus assistiriam ilesos o espetáculo.
Por outro lado, tecendo a segunda parte da narrativa (vs. 25-32), Moisés registra a tentativa ardil de Faraó de evitar o desenvolvimento da ação redentiva do SENHOR, impedindo que tal distinção ocorra, propondo que o povo ofereça "sacrifícios ao vosso Deus nesta terra". A interferência de Faraó no modo de prestação do culto ao SENHOR demonstra sua rivalidade ao Todo-poderoso, e se o povo de Israel cedesse à sua sugestão, fariam com que o fator separativo entre eles e os egípcios fosse anulado.
A intenção autoral é de que seu público compreenda que a graça salvífica que atua na demonstração da glória do SENHOR mediante a condenação dos opressores de seu povo, distingue-os como sua propriedade peculiar. A redenção declara a separação executada pelo SENHOR entre aqueles que resgata para si, daqueles que, opondo-se contra sua vontade, são punidos .
Em face disso, o texto de Êxodo 8.20-32 clarifica como tese central a seguinte temática: a declaração da soberania do SENHOR na Redenção do seu povo: a quarta praga - YHWH, o Deus Redentor.
Elucidação
Tal como introduzido, o presente episódio divide-se em duas partes complementares em que a temática expressa por Moisés é comunicada aos ouvinte/leitores do texto do Êxodo. Passaremos então a considerá-las pormenorizadamente.
1. (vs. 20-24) - O caráter distintivo da ação redentiva.
O fluxo narrativo da quarta praga segue o padrão das operações anteriores da publicação da majestade divina mediante a realização de grandes sinais. A convocação para que Moisés e Arão compareçam diante de Faraó é retomada (tendo em vista a exceção da seção anterior), e novamente, o edito de YHWH é declarado ao mandatário egípcio.
Como já analisado, a repetição crônica dessa ação serve como atestado de que a recusa do Faraó em libertar os hebreus não se dá por algum tipo de incompreensão quanto ao que lhe é exigido, como se de alguma forma não compreendesse bem o que o SENHOR de fato quer. Pelo contrário, a cada vez que Moisés e Arão, de posse do bordão de Deus, apresentam-se diante de Faraó, os leitores são remetidos ao momento em que este ativamente rebelou-se contra o SENHOR, não dando atenção ao sinal claro que lhe fora posto diante dos olhos (cf. 7.8-13).
Assim, tanto quanto mantém-se duro o coração de Faraó, também permanece rígido braço do SENHOR que se estende contra ele, fazendo-o amargar o juízo divino que o obriga a curvar-se diante do verdadeiro soberano.
O SENHOR declara a Moisés que, se Faraó não deixar ir livre os filhos de Israel, ele "enviar[á] enxames de moscas sobre ti, e sobre os teus oficiais, e sobre o teu povo, e nas tuas casas; e as casas dos egípcios se encherão de enxames" (v.21). Novamente, a peculiaridade da quarta praga está no modo como Deus a usará para tornar patente o plano de glorificação de seu nome e cumprimento de sua palavra pactual aos patriarcas do povo de Israel.
No presente caso, a ação divina exporá o teor redentivo dos atos que YHWH estava executando sobre o Egito; teor que ganha um aspecto peculiar quanto ao que é desejado comunicar por meio dele. O registro dos versículos 22 e 23, especificam o caráter dessa salvação:
Naquele dia, separarei a terra de Gósen, em que habita o meu povo, para que nela não haja enxames de moscas, e saibas que eu sou o Senhor no meio desta terra. Farei distinção entre o meu povo e o teu povo; amanhã se dará este sinal.
A expressão usada por Deus quanto a separação que faria entre seu povo e os egípcios, é traduzida em diversas outras ocorrência como "redenção" (cf. Is 50.2; Sl 111.9; 130.7). Isso enfatiza que a separação que o SENHOR agora executaria entre hebreus e egípcios, encena de modo direto a execução do plano divino de um ponto de vista geral. A quarta praga é um retrato do que Deus vem fazendo desde o momento em que enviou sobre o Egito o primeiro sinal de sua soberania e poder sobre toda terra: Deus separou para si um povo, e o liberta de seus opressores, apartando-os destes. Enquanto todo o Egito era arruinado pelos enxames (v.24), Moisés, Arão e todo o povo de Israel, contemplavam o cenário de juízo incólumes, como já comentado.
A ação divina de destacar seus escolhidos, fazendo-os prosperar e serem vitoriosos, e, concomitantemente, trazendo juízo sobre seus opositores , não é nova. Foi assim com os patriarcas no passado
(Abraão (cf. Gn 14.12-17; Gn 20.1-18), Isaque (cf. Gn 26.1-25) e Jacó (cf. Gn 30.27-43). Cada um deles foi "redimido", isto é, separado, mediante a graça divina, do pesar da mão do SENHOR sobre seus inimigos. Israel agora veria o mesmo acontecer consigo numa escala muito maior: toda a terra do Egito sentiria a ira de YHWH, por ter Faraó se recusado a deixar ir livres os hebreus para prestar culto ao SENHOR.
Nesse momento, o texto apresenta um ponto de virada, em que a segunda parte da narrativa é registrada. Diante da ação redentiva do SENHOR, tendo visto que sobre os egípcios havia praga, enquanto que a terra de Gósen nada sofria, Faraó negocia com Moisés uma aparente "trégua", mas que na verdade não passava de outra manifestação da rebelião do Faraó contra o plano redentivo de YHWH.
2. (vs. 25-32): A oposição contra o plano redentivo/distintivo do SENHOR, mediante a perversão do culto a Deus.
Uma das colocações que embasam a ação redentiva do SENHOR, em separar o povo de Israel dos egípcios no tocante ao derramar do quarto flagelo, é a ratificação de que tal atitude visa libertar os filhos de Israel para que sirvam e adorem somente a Deus, como registra o versículo 20.
O clímax da obra redentiva retratada no êxodo de Israel, seria o momento em que o povo, reunido e liberto, adoraria ao SENHOR no deserto, tal como determinado pelo próprio YHWH. Nada obstante, a iniciativa de Faraó, no versículo 25, embora pareça ser a de alguém disposto a ceder, na verdade expõe a devassidão de alguém inclinado contra Deus, buscando impedir que o plano redentivo seja fruído, como registra o texto:
Chamou Faraó a Moisés e a Arão e disse: Ide, oferecei sacrifícios ao vosso Deus nesta terra.
Como já apontado, ao ver a praga se estender sobre todo o Egito (exceto sobre a terra dos hebreus), Faraó intenta fazer com que a distinção entre povos executada pelo SENHOR seja desfeita, propondo que o povo de Israel adore ao SENHOR no próprio Egito. A separação de povos, segundo já largamente apresentado, era o que demonstraria a graça salvadora do SENHOR sobre seu povo; adorar a Deus na terra onde ele está derramando sua ira, feriria o aspecto redentivo/distintivo empreendido, tornando-o em nada.
A recusa de Moisés à oferta do rei egípcio, confirma tal compreensão. O profeta alude que
Êxodo 8.26–27
Não convém que façamos assim porque ofereceríamos ao Senhor, nosso Deus, sacrifícios abomináveis aos egípcios; eis que, se oferecermos tais sacrifícios perante os seus olhos, não nos apedrejarão eles? Temos de ir caminho de três dias ao deserto e ofereceremos sacrifícios ao Senhor, nosso Deus, como ele nos disser.
Além da própria odiosidade aos sacrifícios que Israel provocaria nos egípcios, o ponto alto da argumentação do profeta é o cumprimento das determinações do SENHOR. A obra redentiva em curso visa destacar os filhos de Israel como povo separado por e para Deus, e a peculiaridade disso é retratada enfaticamente no serviço de culto a ser prestado pelos hebreus; não da forma como pensarem ou lhes parecer melhor (como era o caso da proposta de Faraó), mas "como ele (Deus) nos disser". Além da praga em si, a diferença entre hebreus e egípcios seria declarada mediante a realização do culto ao SENHOR, segundo as diretrizes e normas que o próprio estabeleceria.
Na sequência, Faraó mostra-se obrigado (inicialmente) a ceder, e transmite à Moisés sua permissão a que povo de Israel cultue ao SENHOR no deserto, ainda que com certas restrições (e.g. "somente que, saindo, não vades muito longe" v.28). Diante disso, Moisés aquiesce a palavra do rei, alertando que rogaria ao SENHOR que retirasse de Faraó os enxames de moscas, sob com compromisso de que o monarca "não mais [o] engane, não deixando ir o povo para que ofereça sacríficios ao SENHOR" (v.29).
Entretanto, tendo Moisés orado ao SENHOR em favor de Faraó, e tendo Deus feito "conforme a palavra de Moisés; (…) não ficou uma só mosca" (v.31), Faraó endurece seu coração, e novamente volta atrás em sua palavra, "e não deixou ir o povo" (v.32).
Outra vez o monarca egípcio, em seu coração contumaz, mantém em oposição ao plano redentivo, ainda que tenha novamente visto a mão do SENHOR voltar-se contra ele, inclusive agora revelando que uma distinção seria feita entre seu povo e os hebreus, condenando Deus o primeiro, e libertando da opressão o segundo.
Transição
Deus havia identificado o povo de Israel como seu filho primogênito (cf. 4.22), e essa identificação asseverava o amor do SENHOR por aqueles que escolheu para manifestar neles e através deles a glória do seu nome, mediante sua redenção/separação, daqueles que foram proscritos dessa benção.
A partir do presente texto, o termo redenção ganha um significado mais amplo. Ser redimido pelo Deus de Abraão implica numa distinção. Quem é salvo, é salvo não somente do pecado e seus efeitos, mas também retirado do meio daqueles que por causa de sua iníqua rebelião, são condenados.
Moscas invadem o Egito, arruinando a nação cujo rei insurgiu-se contra o Deus Altíssimo. Enquanto Faraó via seu povo ser devastado pelo dedo de Deus (cf. 19), se girasse sua cabeça em direção à terra de Gósen, veria que nenhuma mosca sequer pousou nas terras onde habitava os hebreus.
O texto de Êxodo 8.20-32 enfatiza ao povo de Deus o fato de que a redenção assevera a sua condição como povo separado por Deus para si. Cristo Jesus, como o maior ato redentivo do SENHOR na história, para onde o próprio êxodo apontava, banhou com seu sangue aqueles que foram eleitos para serem separados e salvos da condenação que pesa e pesará finalmente sobre o mundo.
A redenção em Cristo nos garante que os flagelos e pragas que Deus tem trazido sobre o mundo não nos atingirão, para que todo o mundo saiba que somente Deus é o SENHOR no meio desta terra (cf. v.22).
Considerando esses princípios, o presente texto enquadra as seguintes verdades a serem compreendidas pela igreja de Deus hoje:
Aplicações
1. A obra redentiva executada pelo SENHOR, distingue e separa — redime — aqueles que ele escolheu como beneficiários de sua graça, daqueles que assim não foram, e contra ele se rebelaram.
Muitas vezes a única concepção que temos quanto a redenção, é a compreensão que fomos salvos de sermos alvos da ira divina contra o pecado, e naturalmente essa é uma das faces que a obra salvífica assume, de acordo com a linguagem bíblica. Mas, há um arcabouço mais amplo nessa mesma perspectiva que muitas vezes nos escapa: nossa redenção consiste numa separação.
Desde o Éden, a partir das palavras profetizadas pelo próprio Deus a Adão e Eva, Deus vem revelando através da história que seu braço salvador distingue dois grupos no mundo: salvos e condenados. A obra de glorificação do nome do SENHOR divide-se em duas sub-ações: salvação e condenação, ambas aplicadas sobre aqueles a quem Deus separou como respectivos alvos.
O presente texto consiste numa visível manifestação dessa obra. O aspecto peculiar da praga dos enxames é a declaração divina de que por meio do julgamento que executaria sobre o Egito, Deus faria distinção entre o seu povo e o o povo de Faraó, e é dessa forma que devemos nos enxergar.
Enquanto Deus tem castigado severamente um mundo mau, que orgulhosamente rebela-se contra o SENHOR, os filhos do Altíssimos estão a todo momento sendo separados a fim de que não caia sobre eles o furor justo do Soberano.
Além da reconfortante notícia de que a ira divina não nos atingirá, assim como nenhuma mosca pousou em território hebreu, somos agraciados pelo SENHOR com o lembrete de que sua redenção nos separa como seu povo; como sua propriedade, que será preservada e zelada para que nos encontremos com ele para sempre.
O que nos encaminha ao segundo ponto.
2. O culto é uma das expressões do cumprimento divino de sua palavra e obra redentivas, pois exibe a distinção entre o povo de Deus e aqueles que a ele não pertencem.
O modo através do qual Israel declararia sua redenção — além da amostra clara do favor divino em os preservar da praga — foi a exposição de sua resolução de que deveriam adorar a Deus não mesclando-se ou misturando-se aos egípcios, mas preservando-se em obediência ao mandamento divino de que deveriam adorar e servir ao SENHOR exatamente como ele determinou.
Mais à frente na narrativa do êxodo, outros aspectos relacionados ao culto serão explicitados, demonstrando que verdadeiramente há uma conexão clara entre a obra redentiva executada por Deus, e a expressão/resposta do povo a ela por meio do culto.
De todo as formas que foram concedidas ao povo de Deus para demonstrar e declarar sua condição de salvos em Cristo Jesus, o culto ocupa o lugar máximo. Negligenciar ou mesmo adulterar a forma como o culto é prestado, é alterar a essência dessa exibição da obra redentiva. Enquanto os ímpios estão lá fora, nesse momento, pecando e rebelando-se contra Deus, o fato de a igreja reunir-se para adorar o Todo-poderoso, revela sua condição como redimida, e portanto, agraciada com o favor divino.
Não dar a devida importância ao culto a Deus é uma declaração de não participação ou exclusão da salvação/redenção. Seria impensável que, enquanto moscas arruinam o Egito, um hebreu saísse de sua terra, e fosse ao local onde Deus estava derramando sua ira, ignorando a distinção realizada pelo SENHOR entre seu povo e os egípcios. Analogamente, seria estranho que, enquanto a igreja preocupa-se em reverenciar o SENHOR, obedecendo seu chamado, um cristão se apartasse da reunião solene, quando é lá que ele afirma ser redimido por Deus em Cristo Jesus.
Conclusão
"Farei redenção entre o meu povo e o teu povo" é a declaração divina que ecoa o princípio através do qual Deus traz glória ao seu nome. Ter um povo que o adore é o modo por meio do qual Deus faz com que todo os seus inimigos saibam que ele é o SENHOR no meio desta terra (v. 22).