Atos 7.1-16
Série expositiva no Livro de Atos • Sermon • Submitted • Presented
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· 2 viewsO autor divino/humano apresenta o modelo do testemunho evangélico a ser prestado pela igreja, consistindo este na apresentação clara e direta de Cristo Jesus e sua obra.
Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
De acordo com a narrativa anterior, a tese central de Lucas era demonstrar o modelo cristão de martírio, isto é, como cada discípulo de Cristo deve reproduzir ou imitar os passos do próprio Messias, atestando a veracidade do evangelho com sua própria vida. Tal modelo fora retratado a partir de Estevão, e da identificação feita pelo autor com momentos da própria trajetória messiânica de Cristo.
A partir desse ponto, quando o sumo sacerdote questiona Estevão (cf. 7.1) quanto a se as acusações de subversão da Lei de Moisés e atentado ao lugar santo (cf. 6.14) procedem, Lucas registra a defesa do mártir cristão, que sintetiza a história de Israel desde Abraão até o templo construído por Salomão. O objetivo de Estevão ao fazer isso, em primeiro lugar, é rebater as acusações contra seus oponentes (KENNER, 2018, p.399). Porém, a intenção tanto de Estevão quanto de Lucas, ao descrever seu discurso, é de apresentar o núcleo central do testemunho cristão: a apresentação de Cristo Jesus.
Essa apresentação desdobra-se em pelo menos três pontos que giram em torno da história de Israel, demonstrando os atos graciosos do SENHOR em favor desse povo, antes mesmo que houvesse a Lei ou o Templo — ambos os elementos usados na acusação de subversão feita contra Estevão, como já identificado —, quais sejam:
1. 7.1-16: Cristo, o descendente.
2. 7.17-43: Cristo, o profeta e libertador.
3. 7.44-50: Cristo, o verdadeiro tabernáculo de Deus.
Por fim, a conclusão de Estevão (vv. 51-53), que culmina com seu martírio (vv.54-60), enfatiza a resistência dos líderes judaicos contra os indicativos claros registrados na história de Israel quanto a vinda do Justo (v. 52), manifesta agora com a resistência daqueles homens contra o Espírito Santo, através do aprisionamento (e assassinato) de Estevão.
A defesa do mártir cristão é narrada por Lucas (que ecoa os princípios da seção anterior) com vistas a estabelecer o teor do testemunho que cada cristão é convocado a prestar diante do mundo. O anúncio da pessoa e obra de Cristo é a temática que deve ser evidenciada na vida e nas palavras de todos aqueles que são seus discípulos, tal como é apresentado por Estevão.
Compreendendo isso, o texto de Atos 7.1-60, possui como tese central a apresentação da pessoa e obra de Cristo como centro do testemunho da igreja: Atos 7.1-16 - Cristo, o descendente.
Elucidação
Como introduzido, a tônica de Estevão em seu discurso, consiste na extração de sua defesa da própria história de Israel. A acusação de que ele estaria voltando-se contra os costumes legados por Moisés e contra o Templo, não possuem fundamento, tendo em vista que ele compreende que a descendência de Israel, a Lei e o tabernáculo eram apontamentos da chegada do Ente prometido como libertador e redentor do povo de Deus, Cristo Jesus (v.52); Estevão, crendo nisso, estava apenas propagando essa verdade, isto é, ele estava ensinando e divulgando aquilo que correspondia a expectativa desenvolvida ao longo de todo o Antigo Testamento quanto a chegada do Salvador.
O uso da história de Israel como pano de fundo de sua prédica é orientado pelo relacionamento pactual de Deus com seu povo, que lhe garante os benefícios da salvação, desde antes de haver Lei e Templo (terra). Três alianças são citadas: a abraâmica, a mosaica e a davídica. O crivo para a escolha destes desenvolvimentos pactuais é a relação direta com os judeus: em Abraão a descendência é chamada; em Moisés, a descendência recebe a Lei; e através de Davi (mais especificamente em seu filho, Salomão), o Templo é construído.
Como dito, embora Estevão esteja frisando em sua fala o fato de que nenhum aspecto da tradição veterotestamentária fora quebrado por ele, o apelo a linguagem pactual deverá remeter seus ouvintes leitores à perspectiva de que em Cristo, Lei e Templo são consumados, o que justifica o anúncio de Estevão quanto a vida e obra do Senhor.
A presente seção concentra-se no primeiro dos três momentos mencionados como desenvolvimentos da aliança redentiva que garantiria a chegada de Cristo como sua consumação: a aliança abraâmica, na qual Cristo é apresentado como o descendente.
A narrativa começa exatamente com a menção de Estevão ao aparecimento do Deus da glória a Abraão "quando estava na Mesopotâmia" (v.2). A chamada eletiva do SENHOR para que Abraão saísse do meio de sua terra e de sua parentela, partindo de Harã para a terra "que eu te mostrarei" (v. 3 - Gn 12.1), revela o fato de que Abraão não estava na terra prometida quando Deus o chamou para ser seu filho. O argumento do diácono mostra-se direto nesse ponto: Abraão foi chamado pelo SENHOR à salvação e ao conhecimento do Deus vivo e verdadeiro quando era um idólatra, ou no mínimo quando nem havia uma terra para que ele pudesse vincular sua condição de eleito de Deus à herança terrena da qual os líderes judaicos tanto se gloriavam.
Corroborando essa argumentação, Estevão ainda alude ao fato de que, tendo Abraão saído de Harã, por ocasião da morte de seu pai (v.4), e peregrinado em Canaã, Deus
Nela, não lhe deu herança, nem sequer o espaço de um pé; mas prometeu dar-lhe a posse dela e, depois dele, à sua descendência, não tendo ele filho.
A temática aludida por Estevão da descendência abraâmica, possui desdobramentos que aclaram ainda mais suas intenções em sua fala diante do Sinédrio. A recepção de uma terra pelo filho de Abraão, Isaque, e consequentemente, por todos aqueles que dele descendem, toca de modo nevrálgico o cumprimento redentivo da aliança. O trato salvífico da aliança é remetido, complementarmente, no momento em que é citado não apenas a descendência de Abraão, mas sua libertação da opressão que fora predita que viria sobre ela, conforme Estevão explica nos versos 6-8, nos quais é referida a entrega do selo do pacto abraâmico: a circuncisão.
Ligado a isso, uma outra parte da argumentação do diácono é registrada por Lucas. Em vista da chamada de Abraão de uma outra terra, embora não a tenha efetivamente recebido como herança, os próprios patriarcas descendentes de Abraão (i.e. Isaque, Jacó e seus doze filhos), são símbolos de que, a ação pactual do SENHOR para com seu povo, nunca dependeu essencialmente da terra, pois como ele argumenta nos versículos 9 ao 16, Jacó, devido a fome que sobreveio em Canaã, desceu ao Egito (v.14), tendo seu filho José sido vendido como escravo por seus irmãos (v.9). Lá, foi livrado por Deus de suas aflições, chegando a ser constituído "governador daquela nação e de toda a casa real" (v.10).
A tese é a de que tanto no caso de Abraão, quanto no dos patriarcas, não estar na terra como seu proprietário, ou estar numa nação estranha, não seriam empecilhos para que Deus manifestasse o cumprimento de sua promessa, principalmente apontando por meio delas para a grande benção que seria herdada por todos aqueles que descendessem de Abraão: a vinda do descendente através do qual o povo obteria a plena herança: Cristo Jesus.
O chamado de Abraão, a promessa de uma descendência e o selo do pacto, juntos, sintetizam todos os aspectos da aliança prometida ao patriarca, e assim, Estevão alude ao quadro geral desse ponto da história de Israel, que por sua vez, incide luz diretamente sobre a apresentação testemunhal de Cristo Jesus.
O apego dos líderes judaicos às tradições, sobretudo, à terra de Israel, como se ela fosse, em si, o grande distintivo da ação benevolente do SENHOR para com o povo, é contradito por Estevão. Abraão fora chamado de outra terra, para conhecer a Deus e ser o progenitor (pela fé) de seu povo. Os patriarcas migraram para o Egito, onde lhes foi provido alimento. Logo, a ação graciosa do SENHOR para com Abraão, seus filhos e a descendência que dele veio, nunca dependeu da terra, mas a promessa estava vinculada a semente divina, herdeira das promessas de Abraão, cujo o cumprimento é o Justo que viria: Cristo Jesus.
A ótica de Lucas ao registrar o discurso de Estevão, certamente pode ser compreendida a partir da movimentação que faz em relação à progressão do testemunho evangélico prestado pela igreja rumo aos confins do mundo, como determinado por Cristo. Os judeus estão manifestando resistência a Estevão, aos apóstolos e a igreja de modo geral, e isso resultará na projeção do evangelho para além das fronteiras da Judeia, como se verá a partir do capítulo 8.
Todavia, partindo de uma perspectiva ainda mais ampla, o discurso de Estevão, nesse ponto, retrata o esquema testemunhal a ser replicado pela igreja: Estevão abre sua defesa, mediante o uso da própria história de Israel, mencionando que desde Abraão o trato divino visava algo muito mais profundo do que a concessão de uma terra aos filhos do patriarca; apontava para O DESCENDENTE, Cristo Jesus; aquele que consumaria a herança esperada por Abraão.
Transição
O modelo do martírio cristão foi tese da seção anterior; agora, o próprio testemunho é focado, e a apresentação do Justo (i.e. Cristo) é clarificada como sendo a base da mensagem a ser proclamada pela igreja.
Os líderes judeus estavam se opondo a Estevão, acusando-o de afastar-se das tradições de Israel. Porém, o diácono, pelo poder do Espírito Santo, prova que na verdade sua pregação reflete diretamente o fluxo desenvolvido por Deus ao longo da história, guiando-a para o clímax que seria a chegada de seu bendito Filho.
O autor divino/humano, mediante o presente texto, sinaliza o caminho para que todo crente trilhe, dando as diretrizes por meio das quais o evangelho será anunciado: o testemunho cristão consiste na apresentação da pessoa e obra de Cristo Jesus, o Justo.
Diante disso, o texto de Atos 7.1-16, nos apresenta as seguintes aplicações principiológica:
Aplicações
O testemunho do evangelho que é exigido que a igreja preste ao mundo, consiste na apresentação de uma pessoa: Cristo Jesus.
É interessante como muitas pessoas hoje, procuram saber qual o melhor método de evangelização, e numa tentativa de responder a essa carência da igreja, várias estratégias e táticas têm sido criadas para fornecer aos cristãos um modo eficaz de evangelizar e transmitir o convite do evangelho aos descrentes.
Todavia, nunca foi pressuposto pela Escritura, por Cristo ou pelo Espírito Santo, que o testemunho evangélico requerido da igreja fosse prestado a partir de uma metodologia; qualquer que seja ela. Ao nos voltarmos para os textos do Novo Testamento, como o de Atos 8.1-53, vemos que claramente a iniciativa da igreja no cumprimento de sua missão foi a de tornar notório a pessoa e obra de Cristo Jesus, e isso da maneira mais simples e clara possível.
Embalar o evangelho com uma roupagem atrativa, ou adotar uma estratégia comunicativa para "atrair pessoas a Cristo", não reflete o princípio neotestamentário que deve nortear a igreja em sua tarefa.
Ao atestar a autenticidade de sua pregação à igreja de Corinto, Paulo afirma:
Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado.
O puro e simples anúncio de Cristo Jesus como o Filho bendito de Deus; Redentor da igreja e Senhor do mundo, a quem está sujeita a obra de salvação e de condenação, foi mais do que suficiente para que pessoas em Corinto fossem alcançadas pelo poder do Espírito, regenerando seus corações e trazendo-as à fé no Salvador. O mesmo deve acontecer hoje, pois o teor do evangelho não mudou: o Espírito guia sua igreja a testemunhar de Cristo Jesus, como já visto em análises anteriores do próprio texto de Atos.
Embora não haja uma forma ou modo específico de anunciar o evangelho, Lucas por meio do presente texto nos deixou uma diretriz quanto ao que é o evangelho: a apresentação poderosa da pessoa de Jesus Cristo, e a partir da defesa de Estevão, temos um exemplo desse testemunho:
Exemplo: Cristo, O Descendente.
A leitura feita por Estevão de toda a história patriarcal revela a noção de que a esperança de Abraão e dos demais patriarcas, nunca esteve confinada à uma localização geográfica limitada (i.e. a terra de Canaã), mas estava embasada na doce promessa de um Ente que viria e os faria desfrutar da pátria celestial (Hb 11.8-22).
O descendente de Abraão, em quem toda a linhagem, pela fé, seria chamada (Gn 15.4; 21.12), foi apresentado diante do Sinédrio por Estevão, e deve ser apresentado ao mundo por intermédio do testemunho da igreja. O Filho da promessa, Cristo Jesus, é quem nos faz herdar a benção prometida que recairia sobre todas as famílias da terra (Gn 12.3).
Conclusão
O evangelho está acima e além de um método ou estratégia, pois sua mensagem transcende a condição limitada dos homens, e assim, artimanhas terrenas não podem fazer justiça à boa-nova celestial.
Somente tornando claro a pessoa e obra de Cristo Jesus, pecadores são convencidos, pelo poder do Espírito, do pecado, da justiça e do juízo, e assim, convertidos de inimigos em filhos de Deus.