O Novo Nascimento

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Notes
Transcript
Texto base: Jo 3.1-15
Introdução:
Transição:
1. A necessidade do novo nascimento
Aqui encontramos outro homem confuso em sua religião. Se o judaísmo tivesse um cargo como o de papa, Nicodemos (termo grego para “conquistador de pessoas”) seria o candidato ideal. Conforme observamos seu encontro com Jesus, descobrimos que ele tinha três qualificações que se sobressaíam que o tornavam um dos homens vivos mais impressionantemente religioso.
Entre os fariseus um homem (3.1). O sentido mais provável do termo “fariseu” é “separado”. Muitos traçam a raiz dos fariseus a Daniel e seus três amigos, que se recusaram a compartilhar do alimento de seus captores (Dn 1.8-19) ou a adorar o rei como um deus (Dn 3.1-30) enquanto estavam exilados na Babilônia. Eles, depois de tirados da terra prometida e afastados de seu templo, apegaram-se à lei como um meio de preservar sua identidade como filhos distantes de Abraão.
Contudo, essa lealdade admirável ao nacionalismo e devoção à lei, depois de mais de seiscentos anos, passou a ter vida própria. Os fariseus vieram a se tornar uma irmandade coesa, uma facção política e religiosa que conseguiu o respeito de seus irmãos judeus. Eles eram expositores meticulosos da Escritura e trabalhavam de forma incansável para aplicar os princípios gerais da lei à vida diária. Por exemplo, a lei afirmava que todo israelita tinha de reservar o sétimo dia da semana para descansar o corpo e restaurar a alma (Êx 20.10,11). Os rabis farisaicos, de modo que todos soubessem como aplicar a lei em sua cultura e “descansar” como deviam, acrescentaram uma longa lista de proibições específicas. Mais tarde, essa tradição oral dos fariseus seria preservada em um documento denominado Mixná, composta de 24 capítulos apenas sobre como guardar o sábado.
Ninguém rivalizava com os fariseus no quesito de ser cristão. Ninguém conseguiria!
Autoridade entre os judeus (Jo 3.1). Antes de os judeus serem exilados na Babilônia, um rei governou a nação de Israel. Os judeus, depois de sua volta à terra prometida, ficaram sujeitos a
governos estrangeiros e procuraram o sumo sacerdote para liderança. No século I, quando Roma dominava Israel, o sumo sacerdote dividia poder com um conselho de setenta homens que eram estadistas experientes e figuras religiosas notáveis. Esse conselho governante de “anciãos”, denominado Sinédrio, funcionava como o Parlamento/Congresso e Suprema Corte de Israel.
Não só Nicodemos era um homem religioso devotado, mas um líder dos homens religiosos.
[O] mestre em Israel (3.10). João usa o artigo definido, indicando que Nicodemos era mais que apenas um mestre entre muitos em Israel. Não havia nenhuma posição rabínica ou cargo político denominado “[o] mestre de Israel”; então, essa era a opinião pessoal de Jesus ou, mais provavelmente, a opinião geral dos pares de Nicodemos. Jesus encontrou ironia na reputação do homem, sugerindo que Nicodemos era considerado pela maioria a voz preeminente do ensino religioso em Israel.
O fato de Nicodemos ir ver Jesus sob a proteção da escuridão sugere que ele estava preocupado em ser visto com ele. As imagens de noite e escuridão representam perigo no evangelho de João (9.4; 11.10; 13.30; 19.39). A confrontação aberta no templo provou ser embaraçosa para os líderes religiosos, por isso talvez Nicodemos tenha sido enviado por seus pares para negociar em particular. Suas palavras iniciais mostram toda a graça e dignidade de um homem em missão diplomática. Também é possível que ele tenha ido para investigar com toda a sinceridade o popular e controverso rabi da Galileia, talvez no espírito de cortesia profissional, se não por curiosidade pessoal.
Talvez João tenha resumido essa conversa por uma questão de concisão, enquanto manteve o clima geral do encontro. O
Senhor contornou rapidamente a abordagem lisonjeira e foi direto ao cerne do assunto. Esse homem sentado diante dele não era um judeu comum; essa era uma mente teológica notavelmente astuta. E Jesus via através dele com sua visão de raio X espiritual e sobrenatural.
Jesus colocou diante do mestre uma proposição teológica, usando terminologia nova. Essa é a primeira ocorrência da expressão “nascer de novo”. Esse não era um conceito familiar para os estudiosos das Escrituras hebraicas. Na língua grega em que João escreveu essa história, as palavras são carregadas com várias camadas de sentido, todas elas revelando uma verdade simples, contudo profunda, que convida a um exame mais detalhado. João prenuncia esse conceito em seu prólogo:
Mas a todos que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes a prerrogativa de se tornarem FILHOS DE DEUS; OS QUAIS NÃ O NASCERAM DE LINHAGEM HUMANA, NEM DO DESEJO DA CARNE, NEM DA VONTADE DO
HOMEM, MAS DE DEUS (1.12,13, destaques do autor).
A palavra grega anōthen [509], traduzida por “de novo”, pode ter diversos sentidos, mas a tradução mais comum é “de cima”. Da mesma maneira, podemos dizer que alguém “recebeu ajuda de cima”, significando que Deus ajudou o indivíduo. No entanto, aqui é muito provável que a intenção tivesse um duplo sentido, juntando “de cima” e “de novo” para ilustrar uma verdade profunda.
Nas palavras de Merrill Tenney: “O nascimento é nossa maneira de entrar no mundo e traz consigo o equipamento potencial para se ajustar ao mundo”.15 Passa de um tipo de vida e de um ambiente para outro. “Nascer de novo ou ‘nascer de cima’ significa uma transformação da pessoa para que ela seja capaz de entrar em outro mundo e se adaptar a suas condições. [… ] O indivíduo, para pertencer ao reino celestial, tem de nascer nele”.16 Além disso, nosso próprio nascimento não é algo que podemos realizar por nós mesmos. Não podemos conceber a nós mesmos nem ficar preparados para nascer por nós
mesmos. O nascimento físico é o resultado de duas pessoas decidirem procriar e, depois, juntarem seus corpos conforme designado por Deus. O nascimento espiritual é semelhante no fato de que o nascido de novo não consegue realizar seu próprio nascimento; seu nascimento tem de ser realizado por outrem em seu favor. Mas o nascimento espiritual, ao contrário do nascimento físico, é estritamente uma obra de Deus (1.12,13).
Jesus transformou esse tipo diferente de nascimento em uma exigência para obter a cidadania no “reino de Deus”, expressão raramente usada no evangelho de João. Nicodemos, como político, importava-se com a crise em Israel; o reino de Deus fora reduzido a uma província de Roma. Além disso, ele esperava que o Messias fosse um comandante militar e governante político que transformaria Israel em uma potência mundial dominante e em uma potência econômica. Essa nova exigência chamou sua atenção, e sua atitude mudou drasticamente. Ele tirou sua fachada de lisonja e se envolveu em um debate reflexivo com Jesus.
Quando Nicodemos ouviu a nova exigência “nascer anōthen”, ele focou de forma deliberada a nuança da expressão “de novo” da frase. Talvez ele tenha, com ironia, ampliado a imagem a ponto de ela ficar deformada. Não se esqueça, não é um imbecil que está sentado diante de Jesus. É um teólogo brilhante, capacitado na arte do debate, dirigindo-se a quem ele, sem dúvida, via como um jovem arrogante. Sua pergunta na verdade dizia: “Que proposta ridícula!”
Os judeus de sua época chamavam os gentios convertidos ao judaísmo de “filhos recém-nascidos”, uma expressão graciosa para aqueles que tinham acabado de começar sua nova vida como “filhos da aliança” e herdeiros das bênçãos da
descendência de Abraão. Os homens eram circuncidados, e todos os convertidos eram batizados com água. Nicodemos não entendeu a imagem de Jesus de forma equivocada; ele objetou à noção de que apenas os convertidos gentios podem tomar parte na vinda terrena do reino sob o Messias. Isso deixaria os judeus
— o próprio povo preservado por Deus durante séculos (Sl 106.5; 135.4) — fora das promessas feitas a Abraão (Gn 12.1-3; 15.18-21).
Claro que esse não era de modo algum o pensamento de Jesus. A perspectiva de Nicodemos estava limitada ao plano terreno, à dimensão física. Jesus, a fim de ajudar o velho teólogo a ver, apresentou duas ilustrações (3.6-8 e 3.14,15). Para os ocidentais do século 21, ambas as ilustrações parecem mais enigmáticas que para as pessoas que viveram no século I. Os conceitos eram muito familiares para Nicodemos.
Antes de examinarmos essas duas ilustrações, observe o paralelismo entre 3.3 e 3.5. Esse artifício literário usual dos poetas hebreus é um meio útil de interpretação para nós hoje.
Em verdade, em verdade te digo que ninguém pode ver o reino de Deus se não NASCER DE NOVO (Jo 3.3, destaques do autor).
Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não NASCER DA ÁGUA E DO ESPÍ RITO, não pode entrar no reino de Deus (Jo 3.5, destaques do autor).
O ministério de João Batista era conhecido de todos em Jerusalém, incluindo esse rabi. João Batista chamou os judeus ao “batismo de arrependimento” no qual os judeus, como os gentios convertidos, tinham de vir a Deus como se fosse pela primeira vez. Mas lembre-se: o batismo de João era apenas um símbolo da nova vida (1.31-33); o batismo de Jesus é o batismo de vida de fato… de vida abundante, vida espiritual, vida tornada possível só por intermédio do Espírito Santo. Além disso, a conexão dos conceitos de “nascer anōthen” e “da água e do Espírito” devia trazer à memória do rabi uma conhecida promessa do Antigo Testamento:
Pois vos tirarei dentre as nações e vos reunirei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra. Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; eu vos purificarei de todas as vossas impurezas e de todos os vossos ídolos. Também vos darei um coração novo e porei um espírito novo dentro de vós; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Também porei o meu Espírito dentro de vós e farei com que andeis nos meus estatutos; e obedecereis aos meus mandamentos e os praticareis. Então habitareis na terra que eu dei a vossos pais, e sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus (Ez 36.24-28).
O indivíduo, a menos que nasça “de cima” por meio da obra purificadora do Espírito de Deus nele, não entra no reino de Deus.
Transição:
2. O novo nascimento
A primeira ilustração de Jesus revela uma diferença radical entre religião e regeneração. Sua segunda ilustração (3.14,15) explica como a regeneração funciona.
A carne produz carne. O Espírito produz espírito. A vida espiritual é um mistério para o reino físico. Não é possível obtê- la por meios físicos. O Espírito de Deus, a Fonte de toda vida espiritual, não pode ser forçado a dar vida como recompensa; ele não pode ser subornado, lisonjeado ou enganado para dar vida em troca de sacrifício; e não se vende vida eterna, algo que não tem preço, por algo temporal, que em última instância é sem valor.
A religião é feita pelo homem. A religião é do reino físico: impressionante e comovente na terra, futilidade e entulho no céu.
Vamos dar um crédito a Nicodemos. Enquanto muitos sem rodeios rejeitaram Jesus, Nicodemos tentava entender a mensagem de Jesus e lutava com a questão da identidade deste. O persuasivo estadista se transformou em um pupilo tartamudo. À primeira vista, seu problema parecia ser a falta de entendimento, mas Jesus foi mais fundo para encontrar a verdadeira fonte da luta desse homem. Observe a progressão:
[Tu] não ENTENDES (3.10);
não ACEITAIS (3.11);
como CREREIS? (3.12).
Primeiro, Jesus ficou admirado que os assuntos espirituais pudessem ser tão estranhos à mente de um importante líder espiritual de Israel. Se o pastor é cego, o rebanho está condenado!
Segundo, a verdadeira dificuldade para Nicodemos e as pessoas que ele representava estava em sua recusa em afirmar a verdade do testemunho ocular. No mundo antigo, não havia evidência mais forte que o testemunho corroborativo de várias testemunhas.
Terceiro, Jesus reconhecia que era mais difícil acreditar nas realidades espirituais que nas realidades percebidas com nossos sentidos; não obstante, o cerne do assunto é a credibilidade. Em quem você vai confiar?
Por fim, Jesus afirmou ser uma testemunha ocular das verdades celestiais, tendo visto o que os olhos físicos não conseguem ver. Um mero ser humano não pode ascender fisicamente ao céu para testemunhar realidades espirituais, mas Deus pode descer fisicamente para testemunhar para a humanidade. Não só Deus pode vir à terra como homem, como veio à terra como homem. Por isso, Jesus usava a conhecida expressão do Antigo Testamento “Filho do homem” para se referir a si mesmo.
Transição:
3. A recompensa do novo nascimento
Jesus usou um episódio conhecido na história de Israel (registrado em Nm 21.4-9) para ilustrar como acontece a regeneração. Quando esse episódio ocorreu, os israelitas tinham experimentado a libertação milagrosa de Deus da escravidão no Egito: dez pragas, a divisão do mar Vermelho,
uma coluna de nuvem e uma coluna de fogo para guiá-los. Mesmo assim, eles começaram a resmungar e a reclamar. No fim, Deus decidiu disciplinar seu povo descrente e desobediente com uma tragédia de serpentes venenosas. Quando as pessoas começaram a morrer, Moisés intercedeu pelo povo. O Senhor, em resposta, instruiu-o a fazer uma serpente de bronze e colocá-la em um poste para que aqueles que fossem picados pudessem olhar para ela. A seguir, ele prometeu que o veneno, quando a pessoa olhasse para a representação em bronze de sua aflição, perderia sua eficácia (Nm 21.8,9). O plano funcionou exatamente como Deus prometera. Não só as pessoas sobreviveram à tragédia, mas também tiveram uma poderosa lição prática de arrependimento.
A experiência dos israelitas no deserto foi um prenúncio do que Jesus fez por todas as pessoas quando ele foi “levantado” na cruz (veja também 2Co 5.21). Quando reconhecemos nosso pecado, assumimos a completa responsabilidade por nossa culpa e vamos ao Senhor em busca de cura, o veneno do mal perde seu poder de matar.
Transição:
Conclusão:
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