Atos 7.17-43

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O autor continua no registro da apresentação do modelo do testemunho cristão, enfatizando a apresentação de Cristo como o chefe e libertador da igreja, porém rejeitado por muitos.

Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Tecendo o registro da segunda parte do discurso de Estevão diante das autoridades judaicas, Lucas enfatiza o tópico central da defesa do diácono como sendo (segundo abordado na análise anterior) o modelo do testemunho cristão. Tendo já usado o personagem como arquétipo de mártir ou de uma testemunha de Cristo, agora a apresentação desse testemunho é o foco de Lucas na presente seção (cap. 7).
A intenção de Estevão, de acordo com o relato lucano, é ambígua: Estevão visa tanto defender-se da acusação de subverter os costumes mosaicos e profanar o templo (cf. 6.13-14), quanto apontar e retratar Cristo Jesus como o Justo prometido (v.52), segundo já adiantado na seção anterior. Num primeiro momento (vv. 1-16), ele fez isso ressaltando a promessa divina feita por Deus a Abraão, antes que o mesmo tivesse obtido qualquer espaço de terra, o que deveria ser suficiente para que se compreendesse que o espaço geográfico (ou a etnia a ele ligado) do qual os judeus tanto se orgulhavam, não era o aio ou o sustentáculo da obra redentiva que favorecia a linhagem de Abraão, e sim, a promessa de um descendente de sua genealogia, que proporcionaria a ele, aos pais no passado, e a todos quantos nele crescem, a herança prometida.
Nada obstante, a forma como argumentará de modo a enfatizar esse segundo aspecto neste ponto do texto é peculiar, e toca de maneira precisa o exato contexto em que se encontrava Estevão e os líderes judaicos. Na primeira parte de seu discurso (vv. 1-16), Estevão mencionou o fato de que "os patriarcas, invejosos de José, venderam-no para ser levado para o Egito" (v.9), o que noutras palavras, significava a rejeição daquele que posteriormente seria revelado como instrumento divino da salvação e preservação da vida promovida por Deus em favor de Jacó e sua descendência: José.
Essa temática da rejeição de um homem levantado por Deus como salvador de seu povo, retorna na segunda parte do argumento de maneira mais explícita, através da síntese da história de Moisés. Retratando a história desse profeta, Estevão alude que o mesmo fora rejeitado pelos antepassados (cf. vv. 25, 27, 39), tendo Deus o enviado como "chefe e libertador" (v.35). O paralelo entre José, Moisés e Cristo é então estabelecido: a argumentação de Estevão, que tematiza o Deus que se revela fora da Terra Santa e Israel [que] rejeita seus libertadores (KEENER, 2018, p. 400), aponta claramente para a situação em curso: os líderes judaicos estavam resistindo o ensino e pregação de Estevão, alegando que ele estava indo contra a Lei e o Templo, quando na verdade eram os próprios anciãos que, à semelhança de seus pais, estavam se insurgindo contra o anúncio da chegada de Cristo, o salvador e libertador de todo o povo de Deus (judeus e gentios).
Lucas narra que, de modo magistral, Estevão defende-se das acusações feitas contra ele, mas, para além disso, agindo como testemunha do evangelho, declara que a postura contumaz e rebelde dos líderes judaicos, que se escondiam sob a égide de defesa da Lei e do Templo, na verdade imitava a ação recalcitrante dos pais no passado, que rejeitaram tanto José, quanto, mais enfaticamente, Moisés, enviados como salvadores e libertadores do povo, sendo ambos tipos (i.e. representações) de Cristo; aquele a quem Estevão pregava.
Considerando isso, o texto de Atos 7.17-43 centraliza o modelo de testemunho cristão: apresentação da pessoa e obra de Cristo como centro do testemunho da igreja — Cristo, o libertador/salvador rejeitado.
Elucidação
De acordo com a introdução e com o que fora apresentado na análise anterior, Estevão avança em sua síntese da história de Israel usando os desdobramentos pactuais realizados pelo SENHOR ao longo do tempo, os quais apontavam para a realização apoteótica de suas palavras com a chegada do Justo: Cristo Jesus, sendo o próximo ponto referencial histórico, a narrativa do uso de Moisés na fruição dos planos divinos para o povo de Israel.
A argumentação nesse ponto divide-se em dois blocos concêntricos à uma mesma temática: a rejeição de Moisés como chefe e libertador pelo povo: a) enquanto de sua preparação no Egito (vv. 17-29); e b) durante a saída dos filhos de Israel da casa da servidão e pelo deserto (vv.30-44); blocos que passaremos a analisar detalhadamente.
A) A rejeição de Moisés enquanto de sua preparação no Egito (vv. 17-29).
Concluindo a primeira parte de sua argumentação, na qual desenvolve a história de Abraão e dos patriarcas que, fora da terra de Canaã, foram alvos da graça salvadora do SENHOR através de um ente preparado por Deus (i.e. José), que por sinal fora alvo da inveja e, pelo menos parcialmente, rejeição de seus irmãos, Estevão desdobra sua fala agora voltando-se ao momento em que, no Egito, "como [...] se aproximasse o tempo da promessa que Deus jurou a Abraão, o povo cresceu e se multiplicou" (v.17), sendo este o contexto que ensejará a transição de foco para Moisés, a partir do modo como o mesmo foi preparado para desempenhar o chamado designado por Deus.
Segundo Estevão, no contexto de profunda aflição infligida aos filhos de Israel pelo rei que não conhecia José (v. 18-19), nasceu Moisés. O diácono interpreta tal nascimento como tendo um caráter especial, ao ter ele referido que Moisés "era formoso aos olhos de Deus" (v.20), expressando o protagonismo que o mesmo teria no desenrolar dos planos divinos.
Por outro lado, ao completar o relato do nascimento de Moisés com seu recolhimento à corte de Faraó, sendo criado pela filha deste (v.22), Estevão novamente ergue o argumento anterior, ressaltando a ação divina em favor de um grande personagem do AT, mesmo estando longe da terra de Canaã. No caso, Moisés foi feito "poderoso em palavras e obras" (v.22), por ocasião da providência divina que o preparava (mesmo na casa do Faraó) para exercer a função de liderança que teria sobre o povo de Israel, não tendo este qualquer contato com a terra, o que punha em xeque a acusação falsa feita contra Estevão de que por pregar Cristo, ele estaria indo contra a Lei e o Templo, e isso salienta mais intensamente a noção da ausência do simbolismo da terra de Canaã como necessária à operação da vontade divina.
Ligado a "extraordinariedade" de seu nascimento, tendo sido livrado da tirania do Faraó, que vitimou centenas de filhos hebreus (v.19), Estevão registra o primeiro momento em que os filhos de Israel rejeitaram Moisés como líder posto por Deus em tal lugar, como narra Lucas a partir do versículo 23:
Atos dos Apóstolos 7.23–28 ARA
Quando completou quarenta anos, veio-lhe a ideia de visitar seus irmãos, os filhos de Israel. Vendo um homem tratado injustamente, tomou-lhe a defesa e vingou o oprimido, matando o egípcio. Ora, Moisés cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus os queria salvar por intermédio dele; eles, porém, não compreenderam. No dia seguinte, aproximou-se de uns que brigavam e procurou reconduzi-los à paz, dizendo: Homens, vós sois irmãos; por que vos ofendeis uns aos outros? Mas o que agredia o próximo o repeliu, dizendo: Quem te constituiu autoridade e juiz sobre nós? Acaso, queres matar-me, como fizeste ontem ao egípcio?
A intervenção de Moisés entre a querela dos dois hebreus não era uma simples intervenção, mas de acordo com o próprio Estevão, Moisés havia se colocado no meio daquela situação, por compreender que Deus os estava guiando à liderança da casa de Israel (v.25), para ser o instrumento por meio do qual Deus haveria de livrá-los da opressão no Egito. Todavia, ao invés de notarem esse destacamento em Moisés, os hebreus o rejeitaram, colocando-se portanto, também contra a designação dele como autoridade e juiz (v.27).
Como já dito, essa rejeição a Moisés por parte dos dois hebreus, representava a própria rejeição do líderes judaicos, dos quais Estevão estava se defendendo, à mensagem do evangelho que lhes anunciava Cristo Jesus, o Salvador enviado pelo Pai ao seu povo. Tendo acusado Estevão de subversão da Lei e do Templo, arrogando para si serem grandes guardiões da Lei, o Sinédrio na verdade estava explicitando sua condição contumaz e antagônica contra Cristo, aquele que fora prefigurado por Moisés.
Estevão, segundo a narrativa de Lucas, volta a acusação dos ancião de Israel contra eles mesmos; na realidade, naquela ocasião, os papéis estavam invertidos: Os anciãos que o acusavam, estavam resistindo o Salvador, acusando aquele que pregava e anunciava o evangelho em seu nome de resistir à Lei, exibindo completa ignorância em relação a mesma (principalmente levando em consideração o homem por meio do qual ela foi entregue).
Para intensificar e ratificar sua argumentação, um segundo momento em que Moisés é rejeitado é trazido ao centro da discussão, e, neste último caso, há um agravante, pois a outorga da Lei havia sido executada, sendo jungido à ela a vinda do Profeta semelhante a Moisés, a quem o povo deveria ouvir, conforme é clarificado na segunda parte do texto.
B) A rejeição de Moisés durante a saída dos filhos de Israel do Egito e pelo deserto (vv. 30-44).
Após ter sido rejeitado pela primeira vez por ocasião da briga entre os dois hebreus, Moisés, tendo se refugiado na terra de Midiã (v.29), recebeu do SENHOR uma revelação que o encaminharia oficialmente ao posto de libertador do povo de Israel da terra do Egito.
No monte onde "o Deus de seus pais, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó" lhe aparecera (v.31), sendo aquele local, devido a teofania, transformado terra santa (v.33), Moisés ouviu do próprio SENHOR os planos de redenção que deveria comunicar ao povo, e como completa o registro lucano:
Atos dos Apóstolos 7.35–36 ARA
A este Moisés, a quem negaram reconhecer, dizendo: Quem te constituiu autoridade e juiz? A este enviou Deus como chefe e libertador, com a assistência do anjo que lhe apareceu na sarça. Este os tirou, fazendo prodígios e sinais na terra do Egito, assim como no mar Vermelho e no deserto, durante quarenta anos.
Os versículos 35 ao 37 selecionam diversas características que apontam para o ministério profético de Moisés como legítimo, principalmente ao ter ele mencionado a vinda de um outro profeta semelhante a ele mesmo (v.37), o qual era Cristo, a quem Estevão pregava. Entretanto, embora todas essas evidências ratificassem a instrumentalidade de Moisés como chefe e libertador sobre o povo de Israel, a partir do versículo 38 Estevão registra a postura contumaz do povo, pois os pais, no passado, "não quiseram obedecer, antes o repeliram e, no seu coração, voltaram para o Egito" (v.39).
A rejeição de Moisés como instrumento divino na salvação que o SENHOR executou em favor do povo, é colocada paralelamente a resistência do Sinédrio contra Estevão. O povo, no passado, tendo rejeitado Moisés por ocasião da feitura de ídolos (i.e. o bezerro de ouro) (cf. vv.40-43), em seu coração, "voltou ao Egito"; uma figura de linguagem usada por Estevão para denotar o desejo do povo de afastar-se do Deus que a eles se revelara. De maneira análoga, ao contrário do que pensavam, os líderes judaicos que estavam acusando o diácono de subversão da Lei, resistindo o testemunho do verdadeiro evangelho, estavam na verdade agindo como o povo rebelde: rejeitando o Cristo pregado por Estevão, estavam se afastando daquilo para onde apontava a Lei e o Templo: o envio de Cristo como libertador e chefe sobre seu povo.
A defesa de Estevão evidencia ainda mais a real situação daqueles homens como pessoas de "dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos" (v.51): eles sim, estavam alterando o significado da Lei e do Templo; eles sim, estavam deturpando aquilo que evidenciava a misericórdia de Deus na salvação de seu povo, pois, assim como os pais rejeitaram Moisés, enviado pelo SENHOR com salvador, estavam agora resistindo ao evangelho de Cristo Jesus, libertador e salvador de todo o povo de Deus (i.e. toda a igreja, incluindo os gentios).
Transição
A preocupação de Lucas ao registrar essa parte da prédica de Estevão, além de expandir a compreensão da seção anterior, é ratificar o modelo do testemunho do evangelho como sendo a apresentação a pessoa e obra de Cristo; agora, porém, o fator adicional na intenção do autor é a resistência que, à semelhança do que houve no passado nas história de José e Moisés, evidenciam o rejeitado como sendo verdadeiramente enviado da parte do Pai como "chefe e libertador" do povo.
Cristo é o cumprimento tipológico e referencial adiantado pelos personagens citados, e, assim como eles foram rejeitados pelo povo, a rejeição ao evangelho por parte das autoridades judaicas, ou de qualquer outro grupo com o qual os crentes possam deparar-se, nada mais é do que outra evidência da legitimidade de Cristo o Justo enviado por Deus para salvar aqueles que forem chamados, pelo poder do Espírito, à salvação.
Compreendendo isso, o texto de Atos 7.17-43, delineia as seguintes verdades a serem compreendidas pela igreja de Cristo:
Aplicações
1. Cristo é o "chefe e libertador" enviado por Deus para salvação e libertação de sue povo, e é esse Cristo que a igreja deve apresentar ao mundo.
Usando a história de Israel, Estevão, como na seção anterior, preocupa-se em defender-se das acusações, mas sua intenção principal é demonstrar Cristo.
Antes, ele apresentou o Senhor Jesus como o descendente de Abraão; aquele que iria fazer com que a genealogia espiritual do patriarca herdasse não um punhado de terras, mas a pátria celestial, que não está presa à etnia de Israel, mas transcende a Judeia, trazendo à salvação eleitos de todas as partes do mundo. Agora, ele evidencia Cristo como o libertador e chefe enviado por Deus para o seu povo; aquele que, à semelhança de Moisés, realizou o prodígio de nos tirar da casa da servidão, de sob as algemas do pecado e da morte, para nos levar à terra boa e ampla: terra que manda leite e mel.
Esse é outro exemplo de como devemos apresentar Cristo e dar testemunho de sua obra salvadora. As pessoas lá fora estão presas a idolatria, assim como Israel teimou em estar; mesmo tendo sido tirado da terra do Egito, voltou em seu coração para lá. Somente Cristo pode desvendar os olhos e circuncidar o coração, a fim de que o homem caído seja liberto para viver para Deus, assim como foi criado para ser.
Todavia, há algo que precisamos considerar em relação ao processo de apresentação de Cristo e testemunho de sua obra. O que nos leva ao ponto seguinte.
2. Em razão disso, tal como no passado, a rejeição a Cristo que muitos empreendem hoje, ao contrário de ser algo que depõe contra a veracidade de seu destacamento como redentor divino, é na verdade um atestado de sua condição como salvador.
À semelhança de Moisés, Cristo também tem sido e será rejeitado por muitos, e isso não deve ser visto pela igreja como algo inusitado. Moisés, sendo enviado por Deus como profeta sobre o povo de Israel, mesmo tendo demonstrado seu envio e ministério com incontestáveis provas por meio de sinais e prodígios (sem contar a própria libertação do Egito), foi rejeitado pelo povo.
Entretanto, essa rejeição, mais tarde seria usada por Deus como demonstrativo da legitimidade do ministério de Cristo Jesus, como autoridade e juiz sobre a igreja. Assim como os homens, no passado, rejeitaram Moisés, e o testemunho do evangelho através de Estevão, hoje não será diferente. O Senhor Jesus será visto como hostil àqueles que na verdade estão cegos em sua natureza caída e afastam-se do SENHOR.
Para igreja esse sempre deverá ser outro sinal evidente de que temos anunciado o verdadeiro Cristo, pois somente o EspíritoSanto pode reverter a natureza caída dos homens, fazendo-os reconhecer o Senhor Jesus como autoridade e juiz sobre o mundo, e com isso, recebê-lo com salvador.
Conclusão
"Deus vos suscitará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim", disse Moisés. O anúncio que a igreja hoje faz ao mundo é: este profeta já veio, ele é o nosso chefe e libertador; creiam nele e sejam libertos também!
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