A MORTE E O ESTADO INTERMEDIÁRIO
Com este capítulo, começamos nosso estudo da subdivisão da teologia sistemática designada “escatologia”. Esta palavra vem da palavra grega eschaton, que se refere ao que chamamos “últimas coisas’. Um dos aspectos iniciais da escatologia é a vida após a morte e aquele evento temido que nos leva para lá – a morte.
A morte é o maior problema com que a raça humana se depara. Podemos tentar esconder os pensamentos sobre a morte em algum lugar bem remoto de nossa mente, mas não podemos apagar totalmente nossa consciência de nossa mortalidade. Sabemos que o espectro da morte nos espera.
Vemos que havia pecado mesmo antes de a lei ser dada por meio de Moisés, e isto é mostrado pelo fato de que a morte acontecia antes de a lei ser dada. O fato da morte prova a presença do pecado, e o fato do pecado prova a presença da lei, que tem sido revelada aos seres humanos desde o princípio. Portanto, a morte entrou no mundo como resultado direto do pecado.
O mundo secular vê a morte como parte da ordem natural, enquanto o cristão vê a morte como parte da ordem caída; não era o estado original do homem. A morte veio como julgamento de Deus por causa do pecado. Desde o começo, todo pecado era uma ofensa capital.
Todo ser humano é um pecador e, por isso, está sentenciado à morte. Estamos todos esperando a sentença ser realizada. Todavia, para os cristãos, a penalidade foi paga por Cristo. Os cristãos veem a morte como o momento de transição deste mundo para o outro.
Temos uma tendência para ver a diferença entre a vida e a morte como a diferença entre o bom e o mau, mas não era assim que o apóstolo a via. Ele via a diferença como entre o bom e o melhor. Sim, há muito sofrimento na vida, e algumas pessoas são levadas a um nível tal de sofrimento que anseiam morrer.
A maioria de nós, porém, apesar dos sofrimentos, angústias e desapontamentos, queremos viver. Há uma alegria em viver, por isso nos apegamos à vida com paixão. Mas, para os cristãos, a morte é ainda melhor, porque vamos imediatamente estar com Cristo, uma esperança confirmada pela ressurreição de Cristo.
A Bíblia ensina que há tanto a morte quanto uma ressurreição final. Quando recitamos o Credo Apostólico e dizemos: “Creio na ressurreição do corpo”, estamos expressando nossa confiança de que nosso corpo será ressuscitado. Algum dia, nossos ossos ressurgirão, assim como Cristo saiu do túmulo no mesmo corpo em que fora colocado lá, embora seu corpo tenha sido alterado dramaticamente.
Os teólogos falam sobre “o estado intermediário”, o que significa o tempo entre a nossa morte e a ressurreição final. Quando morremos, nosso corpo vai para a sepultura, mas nossa alma vai diretamente para o céu e fica imediatamente na presença de Jesus Cristo. No estado intermediário, cada um de nós terá uma alma sem um corpo, mas a melhor de todas as situações possíveis acontecerá depois, na consumação do reino de Cristo, quando nossa alma assumirá um corpo imperecível e glorificado.
Por ocasião da morte, não entramos, como alguns hereges têm ensinado, num tipo de sono da alma, existindo num estado de inconsciência pessoal e separados da presença de Cristo. O ponto de vista bíblico é que experimentamos uma continuidade ininterrupta de existência pessoal e consciente, de tal modo que, por ocasião da morte, estamos imediata e ativamente na presença de Cristo e de Deus.
Frequentemente, estamos inconscientes do envelhecimento físico que acontece em nosso corpo, porque vivemos dentro de nós mesmos – em nossa mente, nosso espírito e nossa alma. É essa continuidade de consciência que acontecerá, mas num estado muito maior porque viveremos na presença de Cristo.
O dilema de Paulo foi resolvido com a vitória de sua morte, quando ele foi para o lar, para experimentar o lucro de estar com Cristo.
Tendemos a pensar em nossa ressurreição futura apenas como a continuidade de existência pessoal, na alma, continuando num estado consciente na presença de Deus, no céu, enquanto o corpo desintegra na sepultura. Entretanto, a ressurreição diz respeito ao corpo físico, que experimenta deterioração na sepultura, antes de levantar-se de novo para a vida.
Tendemos a pensar em nossa ressurreição futura apenas como a continuidade de existência pessoal, na alma, continuando num estado consciente na presença de Deus, no céu, enquanto o corpo desintegra na sepultura. Entretanto, a ressurreição diz respeito ao corpo físico, que experimenta deterioração na sepultura, antes de levantar-se de novo para a vida.
Assim como a morte entrou no mundo por meio do primeiro Adão, assim também o triunfo sobre a morte vem como resultado do ministério do último Adão. Paulo via a ressurreição física de Cristo não como um evento único, mas como o primeiro de muitos por vir. Cristo se tornou as primícias daqueles que serão ressuscitados dos mortos (1 Co 15.20).
A ressurreição de Cristo foi mais do que simplesmente um retorno à vida; envolveu também uma transformação significativa de seu corpo. Houve continuidade entre o corpo colocado para descansar no sepulcro e o corpo que saiu do sepulcro; o mesmo corpo que fora sepultado foi também ressuscitado. Isso também foi verdadeiro quanto às ressurreições anteriores. Entretanto, na ressurreição de Jesus houve também um elemento de descontinuidade. Seu corpo experimentou uma mudança dramática.
Muitos teólogos contemporâneos têm chegado à conclusão de que podemos ter um cristianismo vibrante sem os aspectos sobrenaturais que o acompanham, como a morte e a ressurreição de Cristo. Rudolf Bultmann, por exemplo, que apresentou uma exegese precisa e discernente de 1 Coríntios 15, expressou com clareza o que o apóstolo disse, mas, em seguida, afirmou que o apóstolo estava errado. Bultmann concluiu, assim como muitos na igreja contemporânea, que o testemunho apostólico sobre a importância central da ressurreição era falso.
Nosso corpo ressuscitado será humano e reconhecível. Coisas misteriosas aconteceram nos aparecimentos de Jesus em seu corpo ressuscitado. Ele não foi sempre reconhecido; vemos isso no exemplo daqueles dois discípulos que se encontraram com ele na estrada de Emaús (Lc 24.13–31). Não sabemos se a falha deles em reconhecer a Jesus se deveu às mudanças ocorridas em Jesus ou a ação de Deus em ocultar deles a identidade de Jesus.
Maria Madalena não reconheceu a Jesus até que ele se dirigiu a ela (Jo 20.11–16). Entretanto, quando Jesus apareceu aos discípulos no cenáculo, eles o reconheceram instantaneamente. Portanto, haverá mudanças, mas não sabemos qual será a extensão dessas mudanças. De fato, não sabemos se o corpo em que Jesus apareceu no cenáculo estava em seu estágio final de glorificação ou se mudanças ainda aconteceriam. Ele disse a Maria: “Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai” (Jo 20.17), o que alguns veem como uma indicação de que Jesus ainda estava no processo de ser reconstituído em seu corpo glorificado. Mas isso é apenas especulação.
Em termos de corpo ressuscitado, podemos supor que nossas faculdades humanas básicas estarão presentes; ainda teremos mente, vontade e afeições. A diferença básica será que o novo corpo não poderá morrer; somos sepultados mortais e ressuscitamos imortais (1 Co 15.53), mas não porque seremos inerentemente imortais.
Os gregos acreditavam que as almas são eternas e, por isso, incapazes de destruição, enquanto os cristãos creem que as almas são criadas, não eternas. Viveremos para sempre no céu, não porque teremos uma existência inerentemente indestrutível, mas porque seremos tornados imortais pelo decreto de Deus. Deus não nos permitirá morrer nunca mais. O que garante nossa imortalidade é a graça preservadora e o amor de Deus.
Em seguida, Paulo afirma seu ponto principal: “E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial” (v. 49). Esta é a esperança da ressurreição final: seremos semelhantes a Cristo, porque ele nos dará a mesma glória de ressurreição que recebeu.