Êxodo 9.8-12

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A passagem registra a intenção do autor divino/humano em fazer notório ao povo de Deus o caráter justo e reto do julgamento divino sobre seus inimigos e de seu povo.

Notes
Transcript
"São estes os nomes..." (Êx 1.1).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Como salientado nas análises anteriores, as pragas servem também ao propósito de detalhar aspectos específicos do plano divino de glorificação, por meio do triunfo do SENHOR sobre os seus inimigos e de seu povo, como por exemplo, o caráter magnífico de YHWH (cf. 8.1-15) e a relação íntima dele para com Israel em seu amor protetivo (cf. 8.20-32; 9.1-7).
Entretanto, de acordo com a presente narrativa, sendo esta examinada à luz do contexto canônico mais amplo, (e.g. Ap 16.2, 10-11) a disposição do coração dos egípcios, especialmente do Faraó, é enfatizada a fim de que na mente dos ouvinte/leitores do texto, ficasse claro que a mão poderosa do SENHOR estendida sobre os egípcios, não os fere sem motivo; sua rebelião ativa contra YHWH, embora seja instrumentalizada por ele mesmo, não retira deles a culpa, e portanto, não os isenta de serem devidamente punidos.
Como citado, o uso de uma perspectiva mais abrangente da revelação bíblica lança luz sobre a intenção de Moisés ao registrar a presente passagem. Ao chegarmos ao texto de Apocalipse 16.2, 10-11, deparamo-nos com o uso referencial-simbólico da praga das úlceras, ressaltando o julgamento divino sobre a humanidade incrédula e rebelde contra o SENHOR e seu reino. Os anjos que derramam as taças da ira de Deus (Ap 16.1), segundo a visão de João, anunciam que o julgamento divino recai sobre aqueles que curvam-se ante ao sistema mundial pecaminoso (cf. Ap.16.2), que por seu turno, os conduz ao não reconhecimento de Deus como Senhor (cf. Ap 16.8), e embora sofram as consequência de sua dureza de coração, estes ”não se arrepend[em] de suas obras" (Ap 16.11).
Ao ferir os egípcios com úlceras e tumores, Deus estava demonstrando a cegueira pecaminosa que predominava no coração de Faraó e dos egípcios: não reconhecendo YHWH como SENHOR (cf. 5.2), eles colocavam-se como inimigos de Deus, e portanto, passíveis de receberem sobre si o sofrimento que os atormentará até que toda cólera divina seja derramada; momento em que finalmente o SENHOR consumará seu glorioso plano.
Em vista dessa compreensão, o texto de Êxodo 9.8-12 sintetiza como ideia central a declaração da soberania do SENHOR na Redenção do seu povo: a sexta praga - YHWH, o justo juíz.
Elucidação
O curso narrativo que registra a execução da sexta praga prossegue, basicamente, da mesma forma que as anteriores. Novamente, o SENHOR ordena a Moisés que se apresente a Faraó. Após todas as ocorrências precedentes, é possível compreender que a presença de Moisés na corte do rei, era um constante lembrete do édito divino de que os hebreus deveriam ser libertados pelo monarca egípcio, o que por sua vez acentua a dureza do coração deste, como será demonstrado mais adiante no texto.
Portando na mão cinzas de fornos, Moisés, já na presença do Faraó, como ordenara o SENHOR (vv.8-9), arremessa o pó em direção ao céu, que ao entrar em contato com a pele dos egípcios, os fere com “tumores que se arrebentavam em úlceras nos homens e nos animais” (v.10).
O sentido ou uso da praga das úlceras, como introduzido, é melhor compreendido à luz do contexto canônico mais amplo. No texto de Apocalipse 16, o juízo divino contemplado por João, ocorre a partir do derramamento de 7 taças que contém a ira do SENHOR. O uso de uma sequência de sinais de julgamento executados por Deus num demonstrativo de sua justiça contra os seus inimigos e de seu povo, é, segundo também enfatiza G. K. Beale, uma paralelo com as pragas do Egito (BEALE, 2017, p.318). Contudo, mais especificamente, um paralelo referencial que aproxima o contexto das duas passagens (i.e. Êxodo e Apocalipse) é a própria menção desta segunda ao modus operandi por meio do qual o SENHOR fará com que seu justo julgamento recaia sobre aqueles que se colocaram ao lado do sistema mundial idólatra, pelejando inclusive contra a igreja.
Em Apocalipse 16, o flagelo das úlceras que ferem os habitantes da terra, é mencionado por duas vezes; na primeira e na quinta taça, e cada descrição amplifica a compreensão do que representam:
Apocalipse 16.2 (ARA)
Saiu, pois, o primeiro anjo e derramou a sua taça pela terra, e, aos homens portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem, sobrevieram úlceras malignas e perniciosas.
Apocalipse 16.10–11 (ARA)
Derramou o quinto a sua taça sobre o trono da besta, cujo reino se tornou em trevas, e os homens remordiam a língua por causa da dor que sentiam e blasfemaram o Deus do céu por causa das angústias e das úlceras que sofriam; e não se arrependeram de suas obras.
A partir da leitura desses versos, algumas semelhanças entre o texto de Êxodo e o contexto da visão de João em Apocalipse, podem ser delineadas, trazendo a compreensão do registro da execução da praga das úlceras, conforme relatado no texto de Êxodo 9.8-12: 1)os homens que são amaldiçoados com o sentenciamento do flagelo em Apocalipse, são portadores da marca da besta e seus adoradores, isto é, são aliados do sistema idólatra mundano que se volta contra Cristo e sua igreja, buscando destruí-los. Assim, um contexto de oposição contra Deus e seu povo conecta ambos os episódios. 2) No segundo momento em que o flagelo é mencionado em Apocalipse, o comentário de João detalha o endurecimento do coração dos homens que agora sofrem: apesar da excruciante dor, ao ponto de morderem a língua, os habitantes da terra blasfemam contra o SENHOR e não se arrependem, tal como ocorre com o próprio Faraó, segundo descreve o texto de Êxodo 9.12 (embora o texto deixe claro que é o próprio Deus quem endurece o coração do monarca). Isso indica que o outro ponto conectivo entre as duas passagens é a rigidez do coração, enegrecido ao ponto de não reconhecer Deus como único senhor.
A praga das úlceras nos dois momentos ressalta o julgamento divino contra aqueles que não reconheceram YHWH como único Deus e Senhor sobre tudo e todos. O sofrimento causado por tumores declara a justiça divina. Esse caráter jurídico é encontrado inclusive na referida passagem de Apocalipse.
Após derramar a terceira taça nos rios e nas fontes das águas, transformando-as em sangue (outra referência livro de Êxodo, isto é, à praga das águas do Nilo tornarem-se sangue (cf. Êx 7.14-25)), o anjo enaltece o SENHOR, declarando exatamente o caráter reto de seu julgamento:
Apocalipse 16.5–7 ARA
Então, ouvi o anjo das águas dizendo: Tu és justo, tu que és e que eras, o Santo, pois julgaste estas coisas; porquanto derramaram sangue de santos e de profetas, também sangue lhes tens dado a beber; são dignos disso. Ouvi do altar que se dizia: Certamente, ó Senhor Deus, Todo-Poderoso, verdadeiros e justos são os teus juízos.
Portanto, o registro mosaico da praga das úlceras é uma declaração de justiça: Deus está retamente punindo o Faraó e seus pares por causa de sua opressão contumaz contra o povo de Israel, o que por sua vez representa a mentalidade pecaminosa daqueles, voltada a rejeitar o senhorio de Deus, não lhe dando glória (cf. Ap 16.9). E como se não bastasse a própria experimentação do tormento da praga, o próprio YHWH faz o rei do Egito permanecer com o coração endurecido, o que novamente o torna passível de sentir mais intensamente o peso do braço estendido do SENHOR, segundo registra Moisés no versículo 12: “Porém o SENHOR endureceu o coração de Faraó, e este não os ouviu, como o SENHOR tinha dito a Moisés”.
Transição
A comunicação exortativa do presente relato do Êxodo é direcionada ao povo de Deus, a fim de que fossem conduzidos à uma percepção clara do julgamento divino que recaiu sobre o Egito e seu Faraó.
Os tormentos sentidos pelos egípcios certamente foram intensos ao ponto de os fazer desesperar-se, como retrata analogamente a passagem paralela de Apocalipse. Entretanto, o peso da mão divina não é desproporcional ao delito que cometeu o rei egípcio: ele rebelou-se contra YHWH, resistindo libertar seu povo, mantendo este sob a opressão e aflição da escravidão. Tudo isto apontava para a dureza do mandatário e de seus oficiais em não reconhecerem que os atos portentosos que Deus estava efetuando sobre o Egito, eram indicativos de sua soberania absoluta sobre tudo e todos, e recusando dar-lhe glória, foram vitimados pelo braço do SENHOR.
O alcance amplo da passagem que chega a todos aqueles que fazem parte do povo de Deus hoje, enfatiza a mesma verdade. A execução da sentença que Deus tem aplicado sobre o mundo não é um exagero ou excesso da parte do SENHOR. A perseguição empreendida contra a Igreja nesse mundo, é o retrato da devassidão dos homens que se aliam ao sistema anticristão mundial (em vigor desde o período do Novo Testamento (cf. 1Jo 2.18; 4.2-3)). A rebeldia dos homens os direciona a idolatria de si mesmos ou de qualquer coisa que eles validem como alternativa ao reconhecimento da glória do Deus.
O texto de Apocalipse traz de volta a praga das úlceras relatada em Êxodo, como demonstrativo do justo julgamento divino contra os tais, a fim de que o tema da reta justiça de Deus seja percebida por sua igreja. Embora muito sofrimento deva curtir o ímpio, Deus está sendo reto e justo em seu sentenciamento.
O Justo Juíz ferirá implacavelmente aqueles que um dia recusaram dar-lhe toda glória e reconhecê-lo como verdadeiro Deus, perseguindo e maltratando seu povo. À luz desses princípios, o texto de Êxodo 9.8-12, enfatiza as seguintes aplicações:
Aplicações
1. Ao contemplar o mundo ruir e definhar em meio ao sofrimento e à dor, a igreja de Cristo deve perceber o justo julgamento divino que recai sobre aqueles que recusam reconhecer a Deus como único SENHOR.
A compreensão bíblica de Deus como um justo juíz, deve conduzir nossa mente enquanto observamos o que o braço do SENHOR tem feito contra o mundo em que vivemos. Excessos e exageros no julgamento são traços da natureza humana; nosso julgamento é, por vezes, temerário, apressado e desproporcional. A todo momento somos expostos a essa realidade, ao vermos, por exemplo, como os juízes humanos falham em seus sentenciamentos. Isso não se aplica a Deus.
A balança do Criador é precisa e seu martelo é implacável. Deus jamais condenaria alguém de maneira indevida — embora não haja nesse mundo absolutamente ninguém impassível de condenação —, logo, todo o juízo que tem caído sobre esse mundo possui uma razão, e o motivo é claro para nós: à semelhança de Faraó, os homens em nosso tempo, aliando-se a tudo que é contrário a Deus (como os adoradores da besta no texto de Apocalipse), insistem em não reconhecer o Deus Triuno como único soberano sobre o universo; o único a quem é devida toda honra e glória. E como não bastasse isso, voltam-se contra a igreja, contra o povo de Deus, afligindo-o, quer por imposição de sofrimento, quer pela tentativa de nos fazer virar às costas ao nosso Deus, para que nos curvemos ao sistema anticristão mundano que licencia o que é pecaminoso e corrompido como bom e agradável.
Que perigo correm os homens! Não fazem ideia de que voltando-se contra o Criador, somente acumulam sobre si mais motivos de condenação, e no tribunal divino não há habeas corpus, embargos ou quaisquer outros artifícios jurídicos que possam atenuar a pena. Entretanto, há uma única possibilidade de apelação: entregarem suas vidas ao único advogado entre Deus e os homens: Cristo Jesus, o Filho de Deus; este a quem os homens negam e se alinham contra.
2. O juízo divino é cíclico e retroalimentativo: Os homens rebelam-se contra Deus, negando reconhecê-lo como único Soberano; por seu turno, Deus os castiga severamente com sofrimento, o que os torna ainda mais endurecidos em seus corações, não se arrependendo, tornando-se ainda mais condenáveis.
Tanto em Êxodo quanto em Apocalipse, é vista a condição enrijecida do coração dos homens: no caso de Faraó, o próprio Deus endureceu o coração do monarca (cf. Êx 9.12); em Apocalipse, os homens, ainda que sofrendo os terrores do juízo divino, não lhe dão glória nem se arrependem.
As passagens, ao invés de exporem algum tipo de contradição, na verdade acumulam informações e apresentam um mesmo quadro: o retrato da humanidade é de perdição; não involuntária ou desavisada, mas contumaz e ativa contra Deus e seu povo. Exortar e admoestar os homens a abandonarem tal postura seria uma demonstração de misericórdia, e a presença da igreja no mundo, já é um indicativo disso. Assim, Deus, privando-se de dar aos homens outro aviso, para além do evangelho, quanto ao iminente julgamento final, entrega os homens a dureza de seus próprios corações, tornando-os mais incapazes de arrependerem-se. Como conclui Gregory K. Beale:
Nos flagelos das taças dos versículos 1-11 (de Apocalipse 16) sobressai mais claramente o paralelo com as pragas do Egito, que culmina no versículo 11 na reação de blasfêmia em vez de arrependimento. O comentário conclui que no cerne desses flagelos há juízo em vez de advertência. Parte da razão para essa conclusão é a analogia com o endurecimento do coração de Faraó e dos egípcios, os quais as pragas afastaram ainda mais de Deus em vez de serem uma ocasião para arrependimento […] (BEALE, 2017, p.318).
Novamente, é mister trazer à mente que isto não torna Deus impositivo em seu julgamento: no dia do juízo, os rebeldes serão confrontados pelo próprio Juiz em razão de suas obras, e serão silenciados pelo resplendor da justiça divina que os punirá devido seus pecados, sem qualquer contestação.
Conclusão
O povo de Deus deve contemplar no SENHOR a execução da perfeita justiça: o Justo Juíz não comete excessos em suas sentenças. Graças a Deus, por Cristo Jesus, em quem obtivemos a graça de sermos justificados dos nossos crimes, fazendo-nos descansar no fato de que seu martelo jamais nos condenará; pelo contrário, estamos todos aguardando o dia em que entoaremos o cântico de Apocalipse 16.5-7:
Apocalipse 16.5–7 ARA
Então, ouvi o anjo das águas dizendo: Tu és justo, tu que és e que eras, o Santo, pois julgaste estas coisas; porquanto derramaram sangue de santos e de profetas, também sangue lhes tens dado a beber; são dignos disso. Ouvi do altar que se dizia: Certamente, ó Senhor Deus, Todo-Poderoso, verdadeiros e justos são os teus juízos.
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