Atos 8.1-4
Série expositiva no Livro de Atos • Sermon • Submitted • Presented
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· 8 viewsO autor divino/humano exorta seus leitores à compreensão de que a perseguição não impedirá o evangelho de ser proclamado pelos discípulos de Cristo, antes, o difundirá ainda mais.
Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após o registro narrativo do martírio de Estevão, aquele que foi o primeiro (além de Cristo) a cumprir a missão testemunhal direcionada à igreja, Lucas prepara-se para desenvolver a progressão de sua narrativa, com base na expansão da mensagem evangélica a partir do testemunho dos demais discípulos do Senhor Jesus Cristo, contando como fator impulsionador, a perseguição contra a igreja.
Tal como já destacado nas seções anteriores, o texto de Atos move-se a partir da promessa/missão emitida por Cristo Jesus por ocasião de sua ascensão. Em 1.8, o Senhor havia direcionado seus discípulos a testificação do evangelho à partir de Jerusalém, encaminhando-se à Judeia e Samaria, chegando a alcançar os confins do mundo.
Isto posto, a presente narrativa focaliza-se no movimento progressivo realizado pela igreja no atendimento dessa ordem, ainda que tal ação tenha sido motivada pela perseguição que assolara a comunidade cristã naquele período, encabeçada por Saulo; personagem que protagonizará (negativamente num primeiro momento) os eventos narrados.
As afrontas e ameaças que se levantam contra o testemunho do evangelho prestado pelos cristãos, antes de serem fatores obstrutivos para que a igreja cumpra seu chamado, proporcionam, na verdade, o contexto situacional através do qual a palavra será pregada, tal como já havia sido adiantado pelo autor em 4.29, quando a igreja orou a Cristo apresentando a perseguição sofrida, e rogou que lhe fosse concedido poder para que seus "servos anunci[assem] com toda a intrepidez a tua palavra". Tendo sido, então, anunciada a salvação em Jerusalém, Lucas agora prepara-se para progredir seu texto, demonstrando como a palavra se encaminhou às regiões da Judeia e Samaria, como cumprimento da palavra do Senhor Jesus.
Isto posto, o texto de Atos 8.1-4 sintetiza como ideia central a perseguição como fator de progressão e avanço do testemunho cristão.
Elucidação
A estrutura desenvolvida por Lucas, como introduzido, transforma Livro de Atos num crescendo que atinge o ápice com a chegada do evangelho em Roma por ensejo da prisão do apóstolo Paulo, como registra o capítulo 28, representando o alcance do testemunho cristão aos “confins” do mundo, e uma das forças motrizes desse movimento é exatamente a perseguição empreendida por diversos personagens ao longo do texto; personagens que vão desde a liderança judaica até as autoridades romanas.
De modo focal, a presente seção reflete esse arquétipo idealizado pelo autor. A perícope é iniciada tendo a anterior como referência, o que é notado pelo uso da conjunção “δὲ” (trad. mas, e (sendo traduzida como aditiva na maioria das versões)) conectando os episódios. Não obstante, o grande sinal de interconexão entre os fatos passados e os presentes é o destaque concedido a um personagem, que a partir deste ponto da trama, desempenhará protagonismo ao longo de todo o livro de Atos: Saulo.
Em 7.58, enquanto as testemunhas e demais participantes do Sinédrio apedrejavam Estevão, Lucas menciona que as roupas daqueles homens foram deixadas “aos pés de um jovem chamado Saulo”. O autor agora expande a compreensão de seus leitores quanto as intenções do personagem, afirmando que ele não somente segurou as roupas dos assassinos de Estevão, como também “consentia na sua morte” (v.1a).
A breve descrição da participação de Saulo no martírio de Estevão, dá lugar ao início de um recorte temporal: “Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém” (v.1b). A expressão temporal usada por Lucas (i.e. “ἐν ἐκείνῃ τῇ ἡμέρᾳ”) enfatiza que o martírio de Estevão foi o marco inicial de uma série de ostensivas contra a igreja, o que elucida o caráter da perseguição.
Estevão, foi usado por Lucas como o primeiro mártir do evangelho, logo, sua morte também representa o surgimento de um ambiente hostil à mensagem evangélica propagada pela igreja. Todavia, antes de isso ser interpretado de modo completamente negativo, o autor, continuando a narração, chama a atenção de seus leitores/ouvintes para a resultante de tal ação contrária: “e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria” (v.1c).
A citação dessas duas regiões ecoa o texto do capítulo 1.8, como já citado. Os demarcadores territoriais determinados por Cristo, foram entendidos como os pontos de expansão da mensagem evangélica em cumprimento da obra missional a qual a igreja foi incumbida, segundo já analisado. Isso indica que a perseguição encabeçada por Saulo acarretou exatamente no crescimento do evangelho e impulsionamento a igreja em direção ao êxito de sua tarefa.
Nos versículo seguintes, dois fatos reforçam a concomitância da perseguição e da expansão do testemunho cristão. Enquanto
Atos dos Apóstolos 8.2–3
Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram grande pranto sobre ele [,] Saulo, (…) assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere.
Lucas pretende radicar na mente de seu público-alvo a importância de uma compreensão aprofundada quanto ao que estava acontecendo em Jerusalém. No lugar de perceberem a cruel investida de Saulo contra a igreja como um movimento obstrutivo contra Cristo e sua igreja, as assolações ocorridas pavimentaram o caminho para que os discípulos saíssem dos limites da cidade, sendo “dispersos por toda parte pregando a palavra” (v.4). Toda experiência de hostilidade e resistência que sofreram nas mãos dos líderes judaicos até este ponto, deveria agora fazer os discípulos de Cristo vislumbrarem a atuação do Espírito Santo os encaminhando ao cumprimento da missão testemunhal, à exemplo do que ocorreu com Estevão — embora não seja necessário que todos os cristão sejam martirizados de igual forma —.
A dispersão dos discípulos resultou na dispersão da palavra, e a agência de Saulo só constata a invencibilidade e inexorabilidade do objetivo do Pai de glorificar Cristo, seu Filho, através do poder e obra do Espírito Santo, fazendo com que a mensagem que publica isso, ecoe até aos confins do mundo.
Transição
Do capítulo 3, onde o autor narrou as primeiras dificuldades enfrentadas pela igreja na execução da missão testemunhal, até o presente, Lucas registrou a consolidação da perceção da igreja quanto a operação do Espírito Santo, subsidiando toda a trajetória dos discípulos desde a ascensão do Senhor Jesus. O fortalecimento mediante o reconhecimento desse princípio, prepara a comunidade cristã para o momento em que finalmente o evangelho seria alavancado e disperso por todo o mundo.
O texto de 8.1-4 enfatiza exatamente esse ponto de virada no relato. A perseguição liderada por Saulo serviu providencialmente para que os servos de Jesus Cristo saíssem por toda parte anunciando a boa nova do Reino dos céus (v.4).
Embora Lucas não maquie as lutas futuras, expondo o luto dos discípulos quanto a dura perda da morte de Estevão (v.2), retratando assim toda a difícil realidade que a igreja deveria enfrentar no processo do cumprimento missional, os cristãos deveriam concentrar-se nas implicações e efeitos das perseguições. Ao invés de parar a marcha da igreja, a cada dificuldade e tentativa de obstrução sofrida, o evangelho é levado para mais longe, e encaminhado a todos os homens, a fim de que aqueles que o Pai destinou para a vida eterna sejam acrescentados ao número dos discípulos.
Isto posto, o texto de Atos 8.1-4 salienta o seguinte princípios a ser apreendido pela igreja hoje:
Aplicação
As oposições e perseguições sofridas pela igreja, nada podem fazer contra o povo de Deus, senão levá-lo ao cumprimento da missão testemunhal que recebeu de Cristo, através da comunicação do evangelho.
Como já disse um antigo pai da igreja, Tertuliano: “Nós crescemos em maior número quanto mais somos abatidos (…); o sangue dos cristãos é semente”. Ao longo das eras, o povo de Deus sempre enfrentou lutas contra aqueles que desejam impedir que Deus leve adiante seus planos. De Abel até Estevão, todos os que, pelo poder do Espírito, ouvem o chamado à salvação em Cristo Jesus e propagam essa mensagem, sente o calor das aflições, sendo até vitimados.
Entretanto, nunca foi possível parar o povo de Deus, nem jamais será. Quanto mais perseguições o povo de Deus sofre, quanto mais adversidades para pregar o evangelho a igreja sente, mais a graça de Jesus Cristo opera, fazendo com que a mensagem salvadora brilhe mais intensamente, ainda que esteja rodeada pelas trevas. Isso ocorre hoje, quando vemos pessoas vindo a Cristo, tendo ouvido o evangelho nos locais mais hostis do mundo (e.g. Coreia do Norte, Somália, Iêmem etc.).
Por outro lado, é no mínimo curioso notar que, em regiões onde há certa liberdade religiosa, a igreja tem uma atuação fraca ou sofre não com problemas externos, como perseguições, mas com dificuldades internas, como a infidelidade à Palavra de Deus e a ignorância quanto ao padrão de fé e vida determinado por Deus, como é o caso do Brasil. As comunidades cristãs mais atuantes, firmes e fiéis ao evangelho, estão localizadas exatamente onde há mais perseguição contra a igreja do Senhor.
É quase padrão na história: sempre que a igreja é afligida, persevera na doutrina dos apóstolos e na oração, o que a torna mais cônscia de sua missão nesse mundo. Por outro lado, quanto mais à vontade fica, quanto mais desfruta de paz e tranquilidade, mais se afasta de seu propósito, tornando-se negligente para com a obra do evangelho.
Embora isso também deva nos conduzir à uma reflexão quanto ao nosso compromisso com Cristo e a publicação de sua glória nas nossas vidas, também nos consola. Nenhum rei, imperador, governador, presidente, ditador, jamais conseguiu frear o avanço do evangelho ao redor do mundo, e quanto mais a igreja é oprimida, pensando os homens que estão logrando êxito em sua rebelião contra o Senhor Jesus e seu Reino, estão na verdade, impulsionando a igreja do Senhor a cumprir seu chamado. Saulo foi um dos que tentou obstruir o caminho dos discípulo, e como é bem sabido, terminou se tornando um dos maiores promotores do nome do evangelho. Essa é uma das duas vias possíveis aos opositores do Reino: destruição ou conversão.
Conclusão
O sangue dos cristãos germina o testemunho do evangelho, e sendo regado pelo poder do Espírito Santo, gera a fé no coração dos que o ouvem, trazendo-os à Cristo. A perseguição, para a igreja jamais será um muro; antes, será sempre uma porta, que abrirá para os discípulos de Cristo o caminho para a publicação do chamado à salvação.