Resgatando soldados
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Resgatando soldados
Resgatando soldados
Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter,
sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados.
A Epístola de Tiago termina abruptamente. Não há quaisquer saudações pessoais, não há recomendações a indivíduos nem doxologia. Até o anônimo livro de Hebreus chega ao término citando pessoas e saudações. Somente a Primeira Carta de João termina de modo um pouco parecido com Tiago, mas também ela conclui com uma declaração afetuosa.
As palavras finais de Tiago são uma exortação para desviar do erro os que se distanciaram dos caminhos do Senhor. "Se alguém dentre vós" pode muito bem significar que o possível desviado é membro da comunidade cristã. O assunto agora é, então, o cristão cujos pés resvalam para fora da verdade.
Como a igreja deve proceder com um de seus membros que esteja a viver no erro ou a ser por ele iludido?
Infelizmente, em muitas igrejas cristãs, quando alguém se distancia da verdade, a atitude para com ele é excluí-lo e deixá-lo de lado. Há até os que sentem imenso prazer em "enfatizar" a queda de um irmão. "Sabes o que aconteceu com Fulano?" Pessoas ávidas de sensacionalismo e com falta de assunto para conversas edificantes sentem imenso prazer em divulgar o fracasso de um irmão. Muitas vezes, a exclusão é uma atitude que parece mais vingança: "Já que ele agiu assim conosco, vamos pô-lo fora; não é digno de estar no nosso meio. " Infelizmente, não é despropositada a declaração de um observador sobre a igreja cristã: "A igreja é o único exército do mundo que abandona seus feridos para morrer." É também o único exército que atira nos seus próprios soldados.
Não quero dizer com isto que se deve anular a disciplina na igreja. Ela é bíblica. Mas, qual é a razão da disciplina? Vingança? Meramente punição? Ou é para recuperação, mostrando ao disciplinado seu erro e como deve ele fazer para sua restauração? Por que disciplinamos? Para manter a pureza da instituição, por vezes em padrões tão-somente humanos, ou para auxiliar as pessoas? Qual deve ser o nosso procedimento com os errados?
Temos do apóstolo Paulo a seguinte recomendação: "Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também não sejas tentado" (Gál. 6:1).
O mais espiritual deve corrigir com mansidão o mais fraco e, ao mesmo tempo, cuidar de sua própria saúde espiritual. É correção com amor e não desprezo farisaico a atitude que deve ser tomada para com os errados.
voltemos para o versículo 19 e pensemos em algumas palavras seriamente.
"Desviar" é planethê, do verbo planáo. Significa também "seduzir, desencaminhar".
Há crentes que se tornam seduzidos pelo Maligno. Quando virmos um irmão em condições assim, sendo seduzido, tentemos “convertê-lo”. É esta a recomendação bíblica. Evitemos, porém, a confusão.
Tiago chama tal pessoa de "pecador" (v. 20) e usa o termo "converter", o que leva alguns a presumirem que ele esteja a falar do homem não-crente. Surge a confusão porque iniciou ele o assunto com "alguém dentre vós". É de crente ou de incrédulo que ele fala?
Comecemos o esclarecimento com a palavra "pecador". Um equívoco nosso é dividir as pessoas em "salvos" e "pecadores". A classificação é incorreta. Os salvos também são pecadores. Há pecadores salvos e pecadores perdidos. Esta classificação é mais adequada.
O crente desviado é chamado de "pecador" com toda justiça. Se não estivesse desviado, também seria um pecador, da mesma forma. Só por ser crente em Jesus Cristo e membro de uma igreja, não deixa de ser pecador. O termo, portanto, não se refere a um perdido sem Cristo, mas a alguém que peca e que está, no momento, em situação pecaminosa.
"Converter" é o segundo termo que devemos esclarecer. O verbo é epistrépse, de epistréfo, cujo significado é "voltar para trás". E o verbo comumente usado para mostrar a passagem do estado do incrédulo para o estado de crente em Jesus. Neste sentido é usado em Atos 9:35: "E viram-nos todos os que habitavam em Lida e Sarona, os quais se converteram ao Senhor." Mas, não é neste sentido exclusivo o seu emprego no Novo Testamento. Em Lucas 22:32 lemos as palavras dirigidas por Jesus a Pedro "... e tu, quando te converteres, fortalece teus irmãos". É o mesmo verbo, mas não se deve entender que Pedro era um incrédulo, mas sim que voltaria atrás, voltaria ao estado anterior. Não continuaria no seu caminho de negação. O verbo pode ter outro sentido além do que chamamos comumente de "conversão de um perdido".
A idéia que o texto nos dá, portanto, é recuperar alguém da comunidade que se desviou.
E embora o Comentário Broadman diga que Tiago não exorta o crente a ajudar o desviado (?), é exatamente isto que o texto presume: converter um crente do erro em que está só pode ser visto como um ato de auxílio e só por este ato pode se concretizar.
"Salvará da morte uma alma." O pecado traz conseqüências desastrosas para o homem e acaba por destruí-lo. "Morte" deve ser entendida como mais que a cessação da vida física (porque todos, sem exceção, passaremos por ela, à luz de Hebreus 9:27).
É todas as conseqüências do pecado, o somatório dos efeitos do pecado. Quando evitamos que um irmão se distancie de Cristo e mergulhe no pecado, estamos livrando-o ou recuperando-o. Pode isto então significar além da salvação, em termos espirituais, de muitos problemas que surgirão como consequência do seu desvio. Afastar-se de Cristo é chamar sobre si muitas contrariedades.
Pode parecer que é uma atitude interesseira.
"E cobrirá uma multidão de pecados." Pecados de quem?
Do crente que recuperou seu irmão? Trazer um desviado para o Senhor, no judaísmo, era um ato tão elevado que auferia méritos a quem assim o fizesse.
Em 4:8-10, o perdão é concedido a quem se chega a Deus, purifica as mãos, limpa o coração e sente tristeza pelo pecado. A ideia de conseguir mérito para ter perdão dos pecados não tem fundamento algum nas Escrituras.
É mais razoável e mais fácil ver desta maneira: a multidão dos pecados a serem cobertos é do desviado que foi trazido de volta. Muitos dos seus pecados que seriam cometidos na vida distanciada do Senhor foram evitados
com seu retorno. Seu arrependimento, ao regressar para a comunidade cristã, trouxe-lhe o perdão dos pecados cometidos enquanto desviado, não pela volta à igreja, mas pelo arrependimento.
Novamente devemos cuidar para que o fundamental não se perca pela ênfase no circunstancial. O mais importante é o interesse que os cristãos devem manifestar uns pelos outros, aconselhando, confessando, intercedendo e tentando recuperar.
Hoje, nós, cristãos que vivemos em circunstâncias de pressão de um mundo dominado pelo Maligno, tendendo ao conforto, ao individualismo e à busca de bem-estar pessoal, devemos recordar a exortação do irmão do nosso Senhor: responsabilizemo-nos uns pelos outros e solidarizemo-nos uns com os outros. Porque somos guardadores do nosso irmão.
"Quando Cromwell era primeiro-ministro da Inglaterra, foi certa vez a um circo. Um domador de animais entrou no picadeiro, estalou um chicote e uma enorme cobra veio a rastejar e se enroscou no corpo dele. Mas, logo em seguida, a multidão ali presente fez um silêncio profundo, pois começou a ouvir o estalar de ossos esmagados. Daí a pouco, o domador estava morto. Ele havia treinado a serpente durante treze anos.
Quando iniciara, ela tinha apenas cerca de vinte centímetros de comprimento. Nessa ocasião, ele poderia tê-la esmagado entre o indicador e o polegar. Mas acreditara que tinha o animal sob seu controle, e julgou-se seguro com ele. Estava totalmente enganado.
"A Palavra de Deus afirma que não somos capazes de manter o pecado sob controle. Se voluntariamente lhe cedemos espaço, ele exigirá sempre mais, até afinal nos dominar por inteiro.
É exatamente a grande capacidade que o pecado tem de vencer, de arruinar e escravizar as pessoas, que deve levar-nos a uma radical submissão à Palavra de Deus. Nela encontramos poder para corrigir, moldar e habilitar para uma vida correta.
O desafio de Tiago é para que tenhamos uma compreensão do mundo segundo a ética de Deus.
Será o cristianismo vivido hoje mais uma preservação de ritos e de estruturas do que um cosmovisão bíblica?
Será a cosmovisão que temos mais uma concepção denominacional do que bíblica?
A preocupação maior é com a Bíblia ou com as estruturas ?
A preocupação de Tiago é que busquemos uma vida reta aos olhos de Deus.
Uma pessoa pode enganar-se facilmente cultivando uma alegria religiosa, sem uma vida reta correspondente. Ninguém deve desejar ser feliz, se não desejar ao mesmo tempo ser santo.
Felizmente, o cristianismo não é apenas sentimentos nem apenas liturgia. É uma entrega a uma pessoa, a Cristo, e conseqüentemente, um estilo de vida à luz da Palavra de Deus. Este é o grande desafio de Tiago: "E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes" (1:22).
Apesar do distanciamento temporal que nos separa do ambiente vivencial da carta de Tiago e do mundo de seus primeiros leitores, sabemos que os problemas enfrentados pelos cristãos modernos são basicamente os mesmos daquela época, apenas em embalagens mais modernas. As palavras do autor inspirado também servem de instrução aos filhos de Deus que vivem em Portugal hoje.
Aceitemos o desafio de Tiago!