Atos 8.5-25
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Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Levando em consideração a intencionalidade de Lucas em narrar a progressão do evangelho de acordo com o cumprimento da missão outorgada por Cristo Jesus, de que seus discípulos lhe fossem testemunhas até aos confins da terra, o autor confirma essa perspectiva e a exemplifica, registrando a chegada do evangelho à região de Samaria, por intermédio da pregação de Filipe; um dos sete diáconos eleitos e ordenados anteriormente (cf. 6.1-7).
A proficuidade da exposição de Filipe de Cristo (v.5), tendo "as multidões atend[ido], unânimes, às coisas que Filipe dizia" é paralela as ocorrências anteriormente registradas da exposição do evangelho na cidade de Jerusalém. O testemunho apostólico seguido por sinais, cria o ambiente para que muitos sejam alcançados pelo chamado divino à salvação, mediante a publicação "do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo" (v.12).
Lucas deseja ratificar a compreensão positiva obtida à luz da observação do efeito reverso da perseguição iniciada com o martírio de Estevão (cf. vv 1-4), isto é; ao invés de arrefecer ou dirimir o avanço da igreja, a oposição de Saulo e demais autoridades judaicas só provocou o avanço do evangelho, e a prova disso é que a região de Samaria passa a ser fortemente evangelizada.
Por outro lado, o autor não omite fatos que demonstrem que o crescimento da igreja não exclui a possibilidade de novas oposições contra a pregação do evangelho; oposições que podem assumir o caráter de uma falsificação da mensagem com vistas a ludibriar a mente dos ouvintes, atraindo-as com alguma espécie de similaridade, distanciando-se, entretanto, diametralmente da natureza salvadora e legítima do testemunho comunicado pela igreja, como é o caso da situação envolvendo Simão, o mágico (vv. 9-10).
De acordo com a construção narrativa, a chegada do evangelho às regiões para além das fronteiras de Jerusalém, não significa que todos quantos o ouvirem crerão legitimamente. Dentre aqueles que se ajuntarem à igreja, poderão estar os que ainda "est[ão] em fel de amargura e laço de iniquidade" (v.23), tendo em seus corações más intenções quanto ao evangelho.
Frente a isso, o texto de Atos 8.5-25 centraliza como tese central a exemplificação do progresso e avanço do evangelho.
Elucidação
A presente passagem é estabelecida por Lucas, segundo introduzido, a fim de servir de testemunho e confirmação da tese apresentada na seção anterior; de que a perseguição contribuíra para o avanço do evangelho. De maneira objetiva, Lucas narra os eventos gerados com a chegada do testemunho cristão às regiões de Samaria, através de Filipe.
O episódio divide-se em duas partes: a primeira, mais sintética, enfatiza os efeitos da pregação de Filipe na região (vv. 5-8). A segunda (vv.9-25), ampliada intencionalmente por Lucas a fim de salientar um segundo aspecto de sua exortação aos leitores de seu texto, registra uma situação envolvendo um homem que, embora tenha aparentemente “abraçado a fé” (v.13), na verdade, em seu coração ainda estava afastado da compreensão salvadora do evangelho; buscando usá-lo para fins escusos.
1. (vv.5-8): Síntese constatativa: a chegada do evangelho a Samaria.
Segundo compreendido à luz da seção anterior, Lucas passa a demonstrar como o evangelho avançou em direção ao cumprimento daquilo de que falara o Senhor Jesus Cristo quando de sua ascensão, transpondo os limites de Jerusalém.
Um dos sete diáconos escolhidos pela igreja, tendo sido disperso por causa da perseguição, “descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo” (v.5). A declaração lucana ecoa muito do que ocorreu com Estevão quando compareceu diante do Sinédrio. Naquele momento, Lucas enfatizou que a acusação de Estevão foi de que os homens do Sinédrio, à semelhança do que fizeram seus pais, ao matar aos profetas, estavam resistindo ao Espírito Santo, que anunciou através destes a vinda do Justo (cf. 7.51-52). Ao afirmar que Filipe estava anunciando Cristo, o autor deseja fazer com que seus leitores percebam que a pregação do evangelho segue tendo o mesmo conteúdo, embora em regiões diferentes, o que já antecipa para os leitores a autenticidade do que é dito na sequência que aconteceu naquela cidade.
Filipe, como um discípulo do Senhor, propaga a mensagem de sua obra de maneira fiel, tal como fez Estevão, e antes deste, os apóstolos, e a maior confirmação de tal perspectiva é concedida na sequência: é narrado que
As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava. Pois os espíritos imundos de muitos possessos saíam gritando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos foram curados.
Os sinais e prodígios que acompanhavam o testemunho apostólico não estavam restritos somente aos doze; os diáconos tiveram sua pregação chancelada pelo Espírito Santo, isto provado através das operações prodigiosas, provocando inclusive “grande alegria naquela cidade” (v.8).
A perseverança da igreja diante da perseguição, não era apenas um positivismo da parte de Lucas, mas podia ser provado na prática: Filipe pregou e muitos foram trazidos à salvação, tendo o Espírito Santo agido através dele.
De contra partida, como aludido, a narrativa é complementada com uma advertência, a fim de que haja, além de grande alegria pelo que o Espírito Santo realizara através de Filipe, prudência e vigilância, pois tal ação não excluía a possibilidade de percalços, sendo um deles, a vil tentativa de Simão de obter o evangelho por dinheiro, julgando ser algo semelhante aos truques de mágica que realizava, o que deveria ser entendido como uma alteração ou falsificação do testemunho evangélico, como é narrado na sequência.
2. (vv.9-25): A tentativa de obstrução do avanço do evangelho através da falsificação.
Lucas apresenta um dos que, a partir da pregação de Filipe, ingressou na comunidade que estava surgindo em Samaria. Segundo a narrativa, “Simão, que ali praticava a magia, iludindo o povo de Samaria, insinuando ser ele grande vulto”(v.9) também “abraçou a fé” (gr. “ἐπίστευσεν” = “creu"”) (v.13).
Embora Lucas não tenha emitido, através da narrativa, qualquer julgamento acerca da suposta conversão de Simão, ele coloca a pregação de Filipe e o que este fazia como opostos, como apresentado junto a apresentação do indivíduo no versículo 9. Muitos na cidade davam atenção à magia realizada por Simão, “do menor ao maior” (v.10). Todavia, tendo o evangelho chegado, muitos “deram crédito a Filipe, que os evangelizava a respeito do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo” (v.12). Essa tensão entre as práticas de Simão e o Evangelho pregado por Filipe, se encarrega de fazer com que o leitor tenha atenção em relação ao personagem, e a sequência narrativa trata de justificar esse receio fomentado pelo autor no leitor.
A partir do versículo 14 Lucas registra que, “ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João”. A iniciativa do colégio apostólico é a de dar suporte a Filipe na obra de evangelização daquela cidade. Ao chegarem, Pedro e João dirigiram-se à comunidade e “oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo” (v.15). O autor se propõem a não somente explicar o que ocorrera com a chegada dos apóstolos, mas também a reafirmar a tese central da seção, de que verdadeiramente os discípulos foram exitosos no cumprimento de sua missão testemunhal, expandindo a pregação da palavra de Cristo a outros povos, e a prova cabal disso foi exatamente a descida do Espírito Santo, provavelmente publicada mediante o falar noutras línguas (cf. 2.4-13) ou a partir de outro sinal externo e visível. Isso é inferido exatamente a partir da reação de Simão ao testemunhar o que ocorrera com aqueles sobre quem os apóstolos impuseram as mãos, como narra o versículo 18:
Vendo, porém, Simão que, pelo fato de imporem os apóstolos as mãos, era concedido o Espírito [Santo], ofereceu-lhes dinheiro, propondo: Concedei-me também a mim este poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo.
O receio criado por Lucas na mente do leitor quanto a genuinidade da conversão de Simão, é intensificado agora, a partir de uma dúvida quanto a compreensão de Simão em relação evangelho. Lucas retrata o ímpeto do mágico diante do feito dos apóstolos, como se ele tivesse equiparado a pregação do evangelho e descida do Espírito Santo ao que ele antes realizava. Noutras palavras, aparentemente, Simão estava vendo no que ocorrera apenas uma outra forma de atrair a atenção das pessoas, tendo em vista que perdera seu público para aquele novo movimento recém chegado a cidade.
Simão não compreendera a natureza redentiva da mensagem pregada por Filipe, apenas atentou para os milagres e ocorrências extraordinárias operadas por ele e pelos apóstolos, e viu nisso uma oportunidade de promover-se.
O cuidado de Lucas em registrar isso, direciona seus leitores, como já aludido, à uma compreensão clara quanto as possíveis situações que podem ocorrer durante a execução da obra testemunhal pela igreja. No meio dos que verdadeiramente são trazidos à fé em Cristo como o Messias de Deus, poderão estar também os que reservam em seus corações um entendimento estranho do evangelho, buscando inclusive usá-lo de maneiras escusas, como era o caso de Simão.
A resposta dos apóstolos assevera ainda mais o caráter equivocado da perspectiva do mágico. Pedro, tomando a palavra, repreende-o:
Atos dos Apóstolos 8.20–23
Pedro, porém, lhe respondeu: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus. Não tens parte nem sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus. Arrepende-te, pois, da tua maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração; pois vejo que estás em fel de amargura e laço de iniquidade.
Lucas registra que a compreensão dos apóstolos era de que a proposta de Simão provinha de uma intenção maligna de seu coração. Buscando obter o poder do Espírito por dinheiro, ele revelou sua proscrição ou excessão do ministério desempenhado pelos discípulos (v.21), o que tanto pode significar que ele jamais poderia conferir o Espírito como os apóstolos faziam, quanto também aludir ao próprio ministério cristão, isto é, que ele (caso não se arrependesse e demovesse daquela postura ímpia) jamais poderia tornar-se uma testemunha de Cristo.