Atos 9.19-30

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O autor bíblico envidencia as marcas de uma genuína testemunha de Cristo Jesus: a proclamação do evangelho e o martírio.

Notes
Transcript
"(…) E sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra" (Atos 1.8).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Após a seção dedicada à demonstrar a seus leitores o poder transformador do evangelho, que mudou a natureza de um homem (i.e. Saulo) que, sendo um dos maiores perseguidores da igreja nesses primeiros momentos, foi convertido em um "instrumento escolhido para levar [o] nome [de Cristo] perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel" (v.15), Lucas registra as evidências de que tal mudança, além de genuína, explicita o compromisso a qual todo aquele que ouviu o chamado à salvação através da comunicação do evangelho firmou: ser uma testemunha de Cristo.
O autor desenvolve esse princípio a partir da demonstração de que aquilo que Cristo havia dito a Ananias, começou a se cumprir; isto é, que Saulo, além de ser um instrumento para difusão do nome do Senhor, deveria ver o "quanto lhe importa[va] sofrer [por seu] nome" (v.16). A narrativa mescla ambas as referências registrando o empenho de Saulo em "prega[ar], nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus" (v.20). Por outro lado, os próprios judeus (designação usada para referir-se aos líderes judaicos; grupo do qual Saulo, antes, fazia parte) "delibera[vam] entre si tirar-lhe a vida" (v.23). Tal tensão ao longo de toda seção, enquadra a tônica de Lucas em exibir que os dois aspectos da fala de Cristo (testemunho e sofrimento) estão se concretizando na vida de Saulo, como dito, a fim de ratificar a condição deste como discípulo do Senhor.
A exortação autoral dirigida aos leitores, encerra a verdade clara de que o evangelho opera genuína transformação. Entretanto, jungido a isso, a igreja deveria também ser conclamada a avaliar seu próprio chamado, levando em consideração estes dois aspectos da mudança operados em Saulo e que a evidenciavam.
Compreendendo isso, o texto de Atos 9.19b-30 encerra como tese central a evidenciação da transformação salvadora.
Elucidação
Como aludido nas análises anteriores, Lucas começou a preparar a narrativa para outro ponto de avanço da missão testemunhal da igreja rumo aos confins da terra. Após a conversão do eunuco, Saulo está sendo usado como personagem principal da narrativa, visto que, através dele, as missões rumo aos gentios ganharão mais força, como ficará claro na seção posterior com a pregação do evangelho noutras regiões, seguida por milagres e demais sinais (vv.31-43), e com a conversão de Cornélio (cap. 10); ambas realizadas através do apóstolo Pedro.
Lucas então familiariza os leitores/ouvintes de seu texto com Saulo, agora em sua condição de convertido e de testemunha do Senhor Jesus Cristo, apontando para o cumprimento das palavras do Senhor a Ananias (vv.15-16), que descreveram em que parte de seu plano Saulo se encaixaria.
O balanço entre testemunho e sofrimento de Saulo em nome do evangelho ficam claros ao longo de toda seção. Nos versículos 19b-20, segundo descrito por Lucas, após ter se juntado aos discípulos em Damasco, Saulo “pregava nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus”. O termo usado por Lucas para descrever a pregação de Saulo diante dos judeus (gr. “ἐκήρυσσεν”), era usado no contexto em que pronunciamentos feitos por arautos ou representantes de autoridades emitiam a mensagem dirigida por estes. A estratégia de Lucas com isso é a de constatar que Saulo não está falando a despeito de um comissionamento direto do próprio Cristo. Embora a comunidade dos discípulos ainda estivesse receosa (cf. v. 26) com a conversão de Saulo, tendo em vista que “este [era] o que exterminava em Jerusalém os que invocavam o nome de Jesus” (V.21), era fato que Saulo estava contribuindo para o testemunho do Senhor junto aos judeus, tal como o próprio Cristo disse que ele faria ao publicar seu comissionamento (v.15).
Paralelamente, o versículo 22 reafirma o trabalho querigmático de Saulo juntos ao judeus em Damasco, registrando que ele “mais e mais se fortalecia e confundia os judeus, (…) demonstrando que Jesus é o Cristo”. O segundo termo usado por Lucas sugere os efeitos da pregação de Saulo. De acordo com o dicionário Strong, a palavra “συμβιβάζων” significaria também “levar uma pessoa a unir-se comigo numa conclusão, vir ter a mesma opinião” (STRONG, 2002).” Ou seja, muitos judeus estavam realmente dando atenção ao que Saulo lhes anunciava, o que enseja a manifestação na narrativa, do segundo aspecto das palavras de Cristo a respeito de Saulo e de como o ministério testemunhal seria manifesto nele.
No versículo 23, após determinado período de tempo, os próprio judeus “deliberaram entre si tirar-lhe a vida”. Aquele grupo do qual antes Saulo fazia parte, como já dito, agora voltava-se contra ele, tendo em vista que sua pregação estava atraindo a muitos, como é descrito no mesmo verso, como segue:
Atos dos Apóstolos 9.24–25
Dia e noite (os judeus) guardavam também as portas, para o matarem. Mas os seus discípulos tomaram-no de noite e, colocando-o num cesto, desceram-no pela muralha.
Segundo já aludido, a tensão entre a pregação enfática e incontestável de Saulo e a perseguição que se volta contra ele, são as evidências de que seus chamado a Cristo é verdadeiro. Direcionando tal perspectiva a igreja, o autor lança o questionamento a seus leitores, conduzindo-os à noção de que, em maior ou menor grau, é isto que é esperado de todos aqueles que foram agraciados com a transformação operada pelo Espírito Santo através do testemunho do evangelho a qual foram expostos.
Saulo, o grande perseguidor do Caminho, agora o está trilhando. Testemunhando e demonstrando que Jesus é o Filho de Deus, ele está empreendendo a jornada cristã que o próprio Senhor Jesus, Estevão e outros, percorreram. As evidências do chamado cristão devem ser verificáveis, como agora, em Saulo, o eram.
A sequência do bloco posterior reproduz a mesma estrutura. Nos versos 26 à 30, Lucas repete a menção ao esforço de Saulo em “preg[ar] ousadamente em nome de Jesus” (v.27), exibindo também o receio da igreja em crer em sua conversão (v.26), sendo tudo isto novamente acompanhado de outra ênfase na perseguição deflagrada pelos judeus helenistas contra ele:
Atos dos Apóstolos 9.28–30
Estava com eles em Jerusalém, entrando e saindo, pregando ousadamente em nome do Senhor. Falava e discutia com os helenistas; mas eles procuravam tirar-lhe a vida. Tendo, porém, isto chegado ao conhecimento dos irmãos, levaram-no até Cesareia e dali o enviaram para Tarso.
Transição
Unindo os dois blocos narrativos, a percepção lucana é demonstrada nitidamente. O autor reitera seu desejo de que a igreja perceba que a preparação do caminho para a difusão do evangelho rumo aos gentios, ocorrerá através de Saulo: personagem escolhido por Deus para cumprir tal missão, juntamente com a igreja. Nada obstante, o enredo fora selecionado por Lucas a fim de que seus leitores se vissem exortados a compreender que tal padrão não era uma peculiaridade somente do chamado direcionado a Saulo, apesar de tal comissionamento reter aspectos únicos, como a outorga do ministério apostólico.
A transformação de um cristão torna-o também num mártir do evangelho; isto é, além de ser habilitado a ouvir o chamado do Pai à contemplação da glorificação de seu Filho, o cristão é também comissionado a evidenciar sua nova natureza através da comunicação dessa boa nova e da entrega de sua vida à causa, sofrendo, se preciso for, com a perseguição que possa surgir.
Frente a essa noção, o texto de Atos 9.19b-30, salienta a seguinte aplicação:
Aplicação
As evidências da transformação operada pelo poder do Espírito na vida de um crente, são naturais, e atestadas a partir das marcas do discipulado cristão: testemunho e sofrimento, que o apontam como um mártir de Cristo.
Embora a igreja não tenha escondido seu receio quanto a Saulo, todos à sua volta constaram que suas atitudes eram muito diferentes daquele procedimento furioso que tinha quando dirigiu-se a Damasco, “respirando ameaças e morte contra os discípulos” (v.1). Para o autor bíblico (e bem assim, aos seu leitores) não haviam dúvidas quanto a transformação e conversão de Saulo num discípulo do Senhor, e as principais provas disso, eram o seu esforço em fazer notório a realidade de que Jesus era o Filho de Deus, pregando ousadamente a todos quantos podia, e a perseguição, que agora o assolava na tentativa de fazê-lo parar.
É estranho conceber que um cristão “passe despercebido” no meio em que vive. Naturalmente, não se tem em mente, como muitos fazem, que um discípulo de Cristo deva andar com um megafone, gritando e berrando para todos em seu trabalho, escola, universidade e etc, que ele é cristão e que serve Jesus, o Filho de Deus. Por outro lado, as evidências de seu novo nascimento, inevitavelmente, o farão destacar-se em meio à multidão.
Num mundo totalmente avesso à Cristo e o Reino dos céus, como alguém que o professa como senhor, que tem sua mente e traz em seu corpo as marcas do Rei, pode não demonstrar com obras e palavras que foi alcançado e transformado pela graça poderosa de Deus, operada pelo poder do Espírito Santo? Será que nossa vida reflete fielmente a obra salvadora que em nós foi aplicada? Será temos evidenciado, através de nosso procedimento, o compromisso que temos com Deus, de conhecer a Cristo e fazê-lo conhecido?
Precisamos, assim com o público-alvo de Lucas foi desafiado a fazer, avaliar nossa conversão, a fim de saber se temos vivido com testemunhas fiéis do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Conclusão
Lucas enfatiza que “Saulo, porém, mais e mais se fortalecia (…) demonstrando que Jesus é o Cristo”, e assim deve ser conosco; que mais e mais nos fortaleçamos, como testemunhas do Senhor Jesus, a fim de que sejamos usados como instrumentos do Espírito na comunicação do testemunho do evangelho que trarão outros à salvação.
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