Êxodo 14.15-31
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· 18 viewsO autor divino/humano narra a vitória de YHWH, como grande guerreiro, sobre os adversários de seu povo, ao travando uma batalha na qual a glória de seu nome é evidenciada.
Notes
Transcript
"São estes os nomes..." (Êx 1.1).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Segundo percebido na análise anterior, a crescente tensão registrada no início do capítulo 14, serve como preparação ou montagem do palco para que a glória do SENHOR brilhe derradeiramente sobre Faraó e seus cavaleiros ao serem derrotados, e Israel liberto da servidão a qual foram antes submetidos. Os elementos usados pelo autor para retratar essa realidade (i.e. a localização onde os hebreus deveriam montar acampamento (vv.1-3), o endurecimento do coração do monarca egípcio (vv.5-8) e a expressão da pânico e temor dos israelitas (vv.10-12)), centralizam a mensagem de que tal cenário estava totalmente sob o controle divino, e assim, o povo não deveria desesperar-se; antes, contemplar a poderosa manifestação da redenção a ser promovida pelo SENHOR em seu favor.
Agora, a partir do versículo 15, o autor prepara-se para narrar a conclusão da trama iniciada desde o capítulo 1, quando enfatizou a descida de YHWH para socorrer seu povo, tendo este ouvido seu gemido (cf. 3.7-8). A última frase da primeira seção do capítulo 14, trata de registrar o modo através do qual tal salvamento aconteceria. Em resposta ao protesto e temor dos hebreus, Moisés responde que "o SENHOR pelejará por vós" (v.14), e essa expressão é encenada a partir da caracterização feita por Moisés quanto a ação divina: Deus adentraria na batalha como grande guerreiro, e aniquilaria de uma vez por todas os opositores seus e algozes de seu povo.
A seção divide-se em duas partes: a primeira (vv. 15-25) enfatiza a ação de Javé como grande guerreiro, que adentra o campo de batalha e luta contra os egípcios, como constata o próprio Moisés ao retratar o sentimento dos cavaleiros de Faraó: "Fujamos da presença de Israel, porque o SENHOR peleja por eles contra os egípcios" (v.26). Na segunda subseção (vv.26-31), Moisés retrata a derrota dos egípcios e o livramento de YHWH em favor de Israel, pois "o SENHOR jogou os egípcios para dentro do mar. (...) Nem ao menos um deles escapou com vida" (vv. 27, 28).
A tônica autoral consiste no direcionamento dos leitores/ouvintes de seu texto à percepção de que, cumprindo aquilo que falara a Abraão, o SENHOR não somente livrou sua descendência da escravidão mencionada ao patriarca, mas também "julgou a gente a quem [teve] de sujeitar-se (cf. Gn 15.13-14), e essa redenção foi executada pelo poder do próprio SENHOR que, simultaneamente, livrou seu povo e julgou os inimigos, trazendo glória ao seu nome.
Em face dessas considerações, o texto de Êxodo 14.15-31 sintetiza como ideia central o desfecho da ação redentora: Ato 2 - a batalha final e a vitória de YHWH.
Elucidação
Como introduzido, o foco do autor na presente narrativa, é descrever a ação de YHWH de lutar contra os egípcios em favor dos filhos de Israel, a partir de um cenário no qual um combate é travado, como passaremos a analisar.
1. (vv. 15-25) A batalha: YHWH, o guerreiro divino.
A narrativa é iniciada com a descrição do comando divino para que o povo de Israel empreenda marcha através do mar que, sob o toque do bordão de Moisés, dividiria-se, abrindo caminho para o povo:
Disse o Senhor a Moisés: Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem. E tu, levanta o teu bordão, estende a mão sobre o mar e divide-o, para que os filhos de Israel passem pelo meio do mar em seco.
A linguagem usada por Deus, remonta a descrição feita pelo próprio Moisés, na seção anterior, descrevendo a caminhada do povo em direção ao local do acampamento determinado por Deus, como a de um exército (cf. 14.8 “os filhos de Israel saíram afoitamente (hb. “בְּיָ֥ד רָמָֽה” = “de mãos erguidas” ou “altivamente”). A intenção autoral é fazer com que os leitores percebam que Deus está verdadeiramente à frente da batalha a ser travada, e assim, o encorajamento está baseado na percepção de que aquela peleja não seria empreendida pelo próprio povo, ou que este estaria a mercê dos inimigos que se aproximavam: Deus os lideraria naquela campanha de guerra.
Após a menção da finalidade do conflito, qual seja, que o SENHOR seria “glorificado em faraó e em todo o seu exército. (…) E saberão os egípcios que eu sou o SENHOR” (vv.17, 18), a descrição narrativa passa a focalizar-se na iniciativa divina de adentrar o combate.
Desde o início do conflito entre Deus e Faraó, o SENHOR, por instrumentalidade de seu servo Moisés, estendeu seu braço contra o monarca egípcio, provocando 10 pragas que encarregaram-se de humilhar o opositor dos filhos de Israel. Agora, porém, Moisés descreve que Deus, pessoalmente, movimenta-se no campo de batalha, como é visto a partir do versículo 19:
Então, o Anjo de Deus, que ia adiante do exército de Israel, se retirou e passou para trás deles; também a coluna de nuvem se retirou de diante deles, e se pôs atrás deles, e ia entre o campo dos egípcios e o campo de Israel; a nuvem era escuridade para aqueles e para este esclarecia a noite; de maneira que, em toda a noite, este e aqueles não puderam aproximar-se.
A intervenção divina, assim como antes, provoca distinção entre egípcios e hebreus: a escuridão da nuvem obstrui o caminho daqueles, enquanto que a coluna de fogo ilumina a marcha destes para dentro do mar, que dividiu-se com o vento soprado “toda aquela noite”(v.21). As águas “lhes foram qual muro à sua direita e à sua esquerda” (v.22). O grande portento da travessia do mar vermelho era a resposta adiantada por Moisés no versículo 14: Deus haveria de pelejar por seu povo, e a visão que antes fez o povo temer, tendo pensado em voltar ao Egito (vv. 11-12), agora lhes demonstrava o ápice de toda iniciativa redentora do SENHOR, desde sua revelação a Moisés.
Nesse ponto, a descrição é intensificada: após ter feito separação entre o arraial dos egípcios e o dos hebreus durante toda a noite, ao amanhecer, tendo o SENHOR visto que Faraó e seus cavaleiros adentraram o mar no encalço dos filhos de Israel, Deus “alvorotou o acampamento dos egípcios; emperrou as rodas dos carros e fê-los andar dificultosamente”(v.25). O ingresso do SENHOR na batalha era claro: Deus estava promovendo não somente a fuga dos israelitas pelo meio do mar, de modo seguro, como também agora voltara-se contra seus inimigos.
O modo como o narrador constrói a cena deixa claro que a vontade divina manifestar-se-ia outra vez duplamente: enquanto o povo de Israel atravessa o mar, Deus fazia os egípcios perecerem. O mesmo instrumento que promoveu a liberdade de uns, executaria juízo contra outros. Tal percepção ficou clara para os próprio soldados, que, segundo a própria narrativa, interpretaram a dificuldade na perseguição dos hebreus como um ato divino, como consta na continuação do versículo 25: “Então, disseram os egípcios: Fujamos da presença de Israel, porque o SENHOR peleja por eles contra os egípcios”.
A perseguição, que antes parecia refletir a vulnerabilidade do povo de Israel (cf. v.3), agora demonstrava a onipotência de YHWH contra Faraó; pela última vez os egípcios veriam o braço do SENHOR voltar-se contra si, e desta vez de maneira fatal, como é registrado na segunda parte da narrativa.
2. (vv. 26-31) O afogamento dos egípcios: a vitória de YHWH.
Após ter obstruído a perseguição do Faraó e seus cavaleiros, novamente o SENHOR emite uma ordem a Moisés: “Estende a mão sobre o mar, para que as águas se voltem sobre os egípcios” (v.26). O afogamento de Faraó e seu exército era o demonstrativo da derrota cabal do adversário que se interpôs no relacionamento entre Deus e seu povo; como registra o texto, as águas “cobriram os carros e os cavalarianos de todo o exército de Faraó, que os haviam seguido no mar; nem ainda um deles ficou” (v.28).
A síntese dos versículos posteriores, representam a interpretação que o autor legou aos leitores/ouvintes do texto, analisando não somente o que foi feito naquele dia, mas, como já salientado, a travessia do mar simboliza toda a ação redentora do SENHOR, desde o chamado de Moisés e anúncio do seu plano, até aquele momento em que Faraó foi derrotado no mar.
Como consta no versículos 30-31:
Assim, o Senhor livrou Israel, naquele dia, da mão dos egípcios; e Israel viu os egípcios mortos na praia do mar. E viu Israel o grande poder que o Senhor exercitara contra os egípcios; e o povo temeu ao Senhor e confiou no Senhor e em Moisés, seu servo.
O grande poder manifesto por Deus desde sua aparição na sarça, passando pelas dez pragas que recaíram sobre os egípcios, teve seu apogeu na luta que o próprio YHWH suscitou entre ele e seus inimigos, a fim de que seu nome fosse publicado como grande em toda a terra (princípio que o próprio Moisés explicitará no cântico do capítulo 15).
Transição
O magnífico plano redentor arquitetado por Deus, incluía que a glória do seu nome fosse evidenciada na completa derrota de Faraó. Entretanto, a cada novo episódio, como a preservação do povo em meio aflição (cap. 1), e do instrumento de anunciação de sua ação salvadora (caps. 2); sua respectiva revelação a Moisés e ao povo (caps 3 à 5), e a demonstração de seu poder (caps 6 à 12), deveria culminar com a exibição de um princípio mais abrangente no que concerne à redenção.
O SENHOR suscita o endurecimento de Faraó uma última vez, para que por meio da derrota deste, o povo de Israel compreendesse que sua participação no plano salvador limita-se apenas à recepção do benefício.
À luz do que o próprio Moisés havia dito, o modo como Deus escolheu travar duelo contra Faraó e seu exército, remete a Israel a noção de que tal peleja só poderia ser travada pelo SENHOR, e por ele somente. O profeta havia dito: “o SENHOR pelejará por vós, e vós vos calareis” (v.14). Israel esteve no campo de batalha, mas toda a ação que os conduziu à libertação foi empreendida e executada por Deus, que como guerreiro, lutou e triunfou sobre seus inimigos.
O SENHOR é homem de guerra e luta as batalhas que seu povo não pode. O SENHOR livra seu povo daqueles inimigos contra os quais este não poderia prevalecer. Frente a essa perspectiva, o texto de Êxodo 14.15-31 enfatiza a seguinte verdade:
Aplicação
Na história da redenção, os inimigos do povo de Deus são derrotados pelo próprio Senhor Jesus; o grande guerreiro que garante a vitória daqueles que, por si sós, não poderiam enfrentar o inimigo.
Toda a narrativa do Êxodo, como dito desde o início, é uma história que serve de paradigma ao povo de Deus quanto a sua atual situação no mundo. A opressão servil, as pragas, a fuga e, como visto no presente trecho bíblico, a vitória sobre os inimigos, todas esses elementos da narrativa são referências ou tipos da história da redenção mais abrangente vivida por todo o povo de Deus desde esse momento da história até o fim dela.
Entretanto, a mensagem clara transmitida no presente texto, é não somente aquela que nos faz contemplar a grande defesa do SENHOR em favor de seu povo, mas também o fato evidente de que YHWH desce em resgate de seu povo, devido a impotência deste em providenciar a própria libertação.
O SENHOR arquitetou que a grande batalha travada contra seus inimigos fosse vencida não por seu povo, mas por ele mesmo. Israel jamais teria forças ou poder para lutar contra um adversário tão mais poderoso do que ele como Faraó e seu exército, assim como a igreja não tem forças para lutar contra a morte e o pecado.
Era preciso que alguém viesse em nosso resgate, e esse alguém só poderia ser o próprio Deus, e ele assim o fez providenciando que a batalha da história da redenção fosse vencida pelo guerreiro divino que é Cristo, seu próprio filho.
Os escritores do Novo Testamento, compreendendo esse princípio, descrevem a morte e ressurreição de Cristo não apenas como o oferecimento do sacrifício que nos expia da culpa de nossos pecados, mas como triunfo numa batalha, como consta em Colossenses 2.14-15
tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz.
Cristo é o grande guerreiro que, à semelhança do que fez Deus no passado (tipologicamente), venceu o maior inimigo da igreja: a morte. O que temos feito, é somente contemplar o grande livramento que o SENHOR fez, e um dia, assim como Israel, veremos nossos inimigos serem afogados no mar da ira divina.
Conclusão
Contemplar Cristo como o grande guerreiro divino que luta por seu povo, deve nos fazer perceber que sua vitória representa a libertação daqueles que a si mesmos não podiam fazer-se livres; a salvação daqueles que a si mesmos, não podiam salvar. Ele pelejou por nós.