10ª Parábola do servo devedor / incompassivo / Servo mau

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Mateus 18.23–35 NAA
23 — Por isso, o Reino dos Céus é semelhante a um rei que resolveu ajustar contas com os seus servos. 24 E, passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25 Não tendo ele, porém, com que pagar, o patrão ordenou que fossem vendidos ele, a mulher, os filhos e tudo o que possuía e que, assim, a dívida fosse paga. 26 Então o servo, caindo aos pés dele, implorava: “Tenha paciência comigo, e pagarei tudo ao senhor.” 27 E o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida. 28 — Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem denários. Agarrando-o, começou a sufocá-lo, dizendo: “Pague-me o que você me deve.” 29 Então o seu conservo, caindo aos pés dele, pedia: “Tenha paciência comigo, e pagarei tudo a você.” 30 Ele, porém, não quis. Pelo contrário, foi e o lançou na prisão, até que saldasse a dívida. 31 — Vendo os seus companheiros o que havia acontecido, ficaram muito tristes e foram relatar ao seu senhor tudo o que havia acontecido. 32 Então o senhor, chamando aquele servo, lhe disse: “Servo malvado, eu lhe perdoei aquela dívida toda porque você me implorou. 33 Será que você também não devia ter compaixão do seu conservo, assim como eu tive compaixão de você?” 34 E, indignando-se, o senhor entregou aquele servo aos carrascos, até que lhe pagasse toda a dívida. 35 Assim também o meu Pai, que está no céu, fará com vocês, se do íntimo não perdoarem cada um a seu irmão.
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O perdão que recebemos de Deus (18.23–27)
Jesus nos fala em primeiro lugar sobre o perdão que recebemos de Deus. Ele ilustra essa verdade sublime narrando a parábola do credor incompassivo. Há nessa parábola algumas lições dignas de destaque, como vemos a seguir.
Em primeiro lugar, Deus ajusta contas conosco (18.23). Nós somos confrontados por Deus. Precisamos prestar contas da nossa vida a ele. Deus é o supremo juiz. Ele é justo e santo. Sua lei é perfeita e santa. Precisamos passar pelo crivo do seu reto juízo. Somos pesados na balança de Deus. Ele coloca o seu prumo na nossa vida e sonda o nosso coração. Ele vasculha as nossas emoções e examina os nossos pensamentos. Ele pesa as nossas motivações e avalia as nossas obras. Ele conhece as nossas palavras e vê os nossos passos. Ele traz à tona os sentimentos e desejos secretos do nosso coração. Estamos aquém de suas exigências. Somos todos devedores.
Em segundo lugar, nós temos uma dívida impagável (18.24,25). Jesus usou uma hipérbole ao falar sobre a dívida desse homem. Tasker diz que a quantia do primeiro débito é deliberadamente dada com exagero para tornar mais vívido o contraste com o segundo débito. O servo devia dez mil talentos. Era impossível que uma pessoa devesse naquela época uma soma tão astronômica. Um talento equivale a 35 quilos de ouro. Dez mil talentos equivalem a 350 mil quilos de ouro. Todos os impostos da Judeia, Pereia, Samaria e Galileia durante um ano somavam oitocentos talentos. Dez mil talentos representavam todos os impostos da nação por treze anos. O que Jesus queria enfatizar é que aquele homem possuía uma dívida impagável. Ganhando um denário por dia, ele precisaria trabalhar 150 mil anos para pagar a sua dívida. A promessa do devedor de quitar a dívida era absolutamente impossível de ser cumprida. Isso significa que nenhum ser humano pode saldar a sua dívida com Deus. Nenhum ser humano pode satisfazer as demandas da justiça de Deus. Nenhum homem pode cumprir a lei de Deus. A lei é santa, mas nós somos pecadores. A lei é espiritual, mas nós somos carnais. A lei é perfeita, mas nós somos cheios de ambiguidades e contradições. Assim, todos nós carecemos da misericórdia de Deus para sermos perdoados. O perdão não é algo que merecemos, mas a dádiva de Deus da qual precisamos.
Em terceiro lugar, o perdão de Deus é imerecido (18.26,27). O perdão não é merecimento; é graça. O servo devedor não exige nada; apenas suplica misericórdia. Não reivindica seus direitos; roga seu favor. Mesmo tendo uma dívida impagável, foi perdoado pelo rei. De igual modo, Deus nos perdoa não por quem somos, mas por quem ele é. A base do perdão não é o mérito humano, mas a graça divina. O servo disse: Sê paciente comigo, e tudo te pagarei (18.26). Esta é uma promessa impossível de cumprir. Nós jamais pagaremos a nossa dívida com Deus. Ela é impagável. Assim como o etíope não pode mudar a cor da sua pele nem o leopardo pode remover as suas manchas, também não podemos apagar os nossos próprios pecados. Consequentemente, o perdão de Deus é fruto da sua graça. Nós não merecemos o perdão de Deus. Ele nos amou quando éramos pecadores. Ele nos escolheu quando éramos um tição tirado do fogo. Ele nos atraiu para si quando éramos inimigos e nos deu vida quando estávamos mortos. Jesus perdoou os algozes que o pregaram na cruz. O filho de Deus foi zombado, escarnecido, cuspido, açoitado e fustigado. Ele carregou a cruz publicamente sob os apupos de uma multidão tresloucada e sanguissedenta. Foi cravado na cruz como um criminoso. Seus inimigos o insultavam mesmo depois de suspendê-lo no leito vertical da morte. Apesar da crueldade inumana, Jesus não apenas pediu que o Pai perdoasse os seus malfeitores, mas também lhes atenuou a culpa, dizendo que eles não sabiam o que faziam. O perdão de Deus é imerecido. Ele perdoou um mentiroso como Abraão, um adúltero como Davi, um feiticeiro assassino como Manassés, um covarde como Pedro, uma prostituta como Maria Madalena. Ele perdoa pecadores miseráveis como você e eu.
Em quarto lugar, o perdão de Deus é completo (18.27). O homem que devia dez mil talentos foi completamente perdoado. Ele recebeu o perdão de uma dívida imensa, impagável. A dívida foi quitada completamente. Assim também é o perdão de Deus. É completo. É total. É cabal. Nada mais resta para ser pago. Assim como o oriente se afasta do ocidente, da mesma forma Deus afasta de nós as nossas transgressões. Deus desfaz os nossos pecados como a névoa, lança-os para trás de suas costas e deles não mais se lembra. Ele lança os nossos pecados nas profundezas do mar e nos proíbe de dragar essas profundezas. Dívida perdoada é dívida cancelada. Deus nunca mais lança em nosso rosto os pecados dos quais ele nos perdoa. Ele não cobra mais uma dívida que já perdoou. Seu perdão é completo.
Em quinto lugar, o perdão de Deus é baseado em sua compaixão (18.27). O perdão de Deus é pura graça. Ele nos perdoa por causa da sua infinita compaixão. Um professor de escola bíblica dominical ministrava todos os domingos para um grupo de crianças carentes de uma favela. As crianças viviam expostas à miséria extrema. Eram desprovidas das coisas mais elementares. Certo dia, aquele professor, condoído da situação de um aluno, resolveu comprar algumas roupas e calçados e levar à sua casa. Quando o professor estava se aproximando, o menino que ainda guardava os resquícios de sua vida rebelde jogou uma pedra no homem que trazia os pacotes de presentes. A pedra alvejou o professor, que ficou ferido. Após ser tratado no hospital, o professor voltou com os mesmos presentes à casa do menino. O pai, com receio, o recebeu. O professor, então, disse: “Eu vim trazer esses presentes para o seu filho”. No mesmo dia, aquele pai envergonhado levou o filho pelo braço até a casa do professor e lhe disse: “Eu vim devolver os presentes que o senhor deu ao meu filho. Foi meu filho quem atirou a pedra no senhor. Meu filho não merece esses presentes”. O professor, porém, de pronto respondeu: “O seu filho não merece, mas ele precisa”. Assim também é o perdão que Deus nos dá. Nós não o merecemos, mas precisamos desesperadamente dele.
O perdão que devemos dar (18.21,22,28–35)
Pedro está interessado em saber até onde vai o perdão. Qual é o limite? Quando estamos autorizados a não perdoar mais? Por isso sua pergunta: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? (18.21). Já existe em sua pergunta uma disposição robusta de compaixão. Perdoar sete vezes a mesma pessoa não é natural. A resposta de Jesus, porém, é desconcertante. Extrapola todos os limites da razoabilidade. Vai além de qualquer capacidade humana. Jesus responde: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete (18.22). Como já afirmamos, essa cifra estonteante não é um cálculo matemático, mas um emblema do perdão ilimitado. Esse é o perdão que recebemos de Deus e é o perdão que devemos oferecer ao nosso irmão. Somos perdoados para perdoar. Os perdoados devem perdoar. Os que receberam graça devem ser canais da misericórdia. Os que receberam perdão não podem sonegar perdão. Nunca teremos justificativas para não perdoar, pois devemos perdoar assim como Deus em Cristo nos perdoou (Cl 3.13). Spurgeon está correto quando escreve: “Não devemos nos ocupar em contabilizar as ofensas ou em conferir quantas vezes nós as perdoamos”.
Já consideramos o perdão que recebemos de Deus (18.23–27). Agora, vamos considerar o perdão que devemos dar aos nossos irmãos (18.28–35). Destacamos a seguir alguns pontos importantes.
Em primeiro lugar, a falta de perdão é uma evidência de dureza de coração (18.28–30). O mesmo homem que fora perdoado de uma dívida impagável de dez mil talentos, encontra agora um conservo que lhe devia cem denários. Este suplica sua misericórdia, mas o homem perdoado não age com compaixão e lança o devedor na prisão. Tasker diz que esse miserável cruel se aquecia ainda ao calor do sol da misericórdia real quando tratou de seu conservo com tanta falta de misericórdia. A. T. Robertson explica que um talento era o valor equivalente a seis mil denários, o que equivalia a seis mil dias úteis de trabalho ou trinta anos de trabalho. Um único talento era quase a renda de uma vida inteira. Os impostos imperiais da Judeia, Idumeia e Samaria elevavam-se a somente seis talentos, enquanto a Galileia e Pereia pagavam duzentos talentos.7 Dez mil talentos representavam 150 mil anos de trabalho a um denário por dia. Cem denários representavam apenas três meses de trabalho. A desproporção das duas dívidas era imensa. Dez mil talentos são seiscentos mil vezes maior do que cem denários. Aquele que fora perdoado de uma soma colossal não consegue perdoar um valor irrisório. Aquele que fora alvo de imensa compaixão não consegue ser compassivo com o seu conservo. A lição que Jesus nos ensina nessa parábola é que recebemos de Deus um perdão infinitamente maior do que aquele que devemos conceder a quem nos deve. Também Jesus deixa claro que um coração que não perdoa não pode ser perdoado. À luz do texto, a falta de perdão traz sérias consequências.
Em segundo lugar, a falta de perdão é sinal de ingratidão a Deus (18.32). Jamais conseguiremos entender o perdão, a menos que tenhamos consciência do perdão que recebemos de Deus. Cem denários são seiscentos mil vezes menos do que dez mil talentos. O credor incompassivo não perdoou seu conservo, porque não compreendeu a grandeza do perdão que havia recebido. Assim somos nós. Não conseguiremos ministrar perdão às pessoas que nos devem e nos ofendem se não atentarmos para a grandeza imensa do perdão que recebemos de Deus. Quando sonegamos perdão às pessoas que nos ofendem, estamos sendo ingratos a Deus. Quando nos recusamos a perdoar alguém, estamos fazendo pouco caso do imenso perdão que recebemos de Deus.
Em terceiro lugar, a falta de perdão desperta a ira de Deus (18.34). Quando recusamos perdoar alguém, ofendemos Deus e provocamos a sua ira, pois ele nos perdoou sem nenhum merecimento nosso. Seu perdão foi um ato de compaixão e graça. O perdão não é uma questão de justiça, nem o pagamento de uma dívida, mas o seu cancelamento. Sempre que fechamos o coração para sonegar perdão, provocamos a ira de Deus. Uma pessoa que não perdoa é imperdoável e está debaixo da ira de Deus. Uma pessoa que não perdoa está excluída da bem-aventurança eterna. O céu é o lugar dos perdoados, e quem não perdoa não pode entrar no céu.
Em quarto lugar, a falta de perdão gera profunda tristeza às pessoas (18.31). Onde o coração se fecha para o perdão, não floresce a alegria da comunhão. Onde prevalece a mágoa, morre o amor. A falta de perdão destrói relacionamentos, intoxica o ambiente, abre feridas no coração das pessoas que vivem à nossa volta e gera grande tristeza. Uma pessoa entupida de mágoa contamina o ambiente em que vive. A Bíblia diz que a raiz de amargura perturba e contamina. Uma pessoa empapuçada de mágoa é alguém que não tem paz. Uma pessoa que não perdoa vive perturbada pelos seus próprios sentimentos. Mas, também, uma pessoa que não perdoa contamina os outros à sua volta. A mágoa é um gás venenoso que vaza e destrói as pessoas ao redor; a falta de perdão gera tristeza e sofrimento não apenas para a pessoa que a agasalha, mas também para aqueles que convivem com ela. O ódio é como um vulcão em erupção cujas lavas se espalha como ácido destruidor.
Em quinto lugar, a falta de perdão aprisiona tanto o ofensor quanto o ofendido (18.30,34). Quem não perdoa, adoece física, emocional e espiritualmente. O servo perdoado que não perdoou foi entregue aos flageladores. Reter perdão é viver numa masmorra. É ser atormentado pelo azorrague da culpa. É alimentar-se de absinto. É envenenar o coração. Quem não perdoa, não tem paz. Quem não perdoa, não pode orar nem ofertar. Quem não perdoa, não pode ser perdoado. Quando nutrimos mágoa no coração, tornamo-nos prisioneiros dos nossos próprios sentimentos. A falta de perdão é uma masmorra, uma prisão e um calabouço da nossa própria alma. Quando deixamos de perdoar, nós aprisionamos as pessoas e ficamos também cativos. Tornamo-nos escravos da pessoa a quem odiamos. Não nos libertamos da pessoa por quem sentimos mágoa. Uma pessoa magoada vive acorrentada pelos sentimentos de desafeto. Sua mente não sossega, seu coração não descansa, sua alma não tem paz. Uma pessoa que não perdoa vive no cabresto de suas paixões. Vive acorrentada e dominada pela própria pessoa a quem quer descartar. Quando nos fechamos para o perdão, somos lançados numa terrível prisão emocional, numa escura e infecta cadeia espiritual. A falta de perdão nos faz ferver por dentro. A falta de perdão é como uma tempestade na alma. Essa atitude desestabiliza a vida, adoece os relacionamentos, fere o coração, enfraquece o corpo, abala as emoções e destrói o relacionamento com Deus.
Em sexto lugar, a falta de perdão produz flagelo (18.34). O credor incompassivo foi entregue aos verdugos até saldar sua dívida. Como sua dívida era impagável, ele foi flagelado durante toda a sua vida. Quem são os verdugos? Os verdugos são os flageladores da consciência. Quem não perdoa, não tem paz. Quem não perdoa, vive atormentado pela culpa, pelo ódio, pela mágoa. Quem não perdoa, não é livre. Quem não perdoa, vive debaixo do chicote do tormento emocional. A falta de perdão traz desespero e flagelo para a alma. Torna a vida azeda e insuportável. Quem não perdoa, não é feliz. Quem se alimenta de ódio, morre asfixiado pelo seu próprio veneno. Os verdugos podem ser também os demônios. O ódio congelado no coração é uma porta aberta para o inimigo. O diabo e seus demônios são carrascos que flagelam e torturam os seus súditos. Existem muitas pessoas que vivem no cabresto do diabo, sendo flageladas pelos demônios, porque carregam no peito um coração cheio de mágoa e vazio de perdão. A falta de perdão pavimenta a vitória do diabo na vida da pessoa (2Co 2.10,11). Concordo com Warren Wiersbe quando ele escreve: “A pior prisão do mundo é a prisão de um coração rancoroso e amargurado”.
Em sétimo lugar, a falta de perdão fecha a porta da misericórdia de Deus (18.35). Sonegar perdão ao irmão é privar-se do próprio perdão de Deus. O servo que se recusou a ter compaixão de seu conservo, como ele próprio fora alvo da misericórdia, provocou não apenas a ira de seu senhor, mas também atraiu tormentos para sua própria vida. Quem entrega o servo sem compaixão aos verdugos é o próprio rei. Até quando esse servo impenitente será atormentado? Esse flagelo não tem fim, pois o texto diz: … até que lhe pagasse toda a dívida (18.34).
Quem não perdoa aos seus devedores, não recebe o perdão de Deus (6.14,15). Deus nos trata como tratamos os nossos devedores. Se fecharmos o nosso coração para o próximo, sonegando-lhe o nosso amor e retendo-lhe o perdão, fechamos as comportas da misericórdia de Deus sobre a nossa própria vida. Quem não perdoa, não pode adorar a Deus (5.23–26). Não podemos amar a Deus e odiar o nosso irmão. Não podemos ter comunhão com Deus e viver brigados com o nosso irmão. Não podemos ter o caminho aberto da intimidade com Deus se construímos barricadas no relacionamento com o nosso próximo. Antes de Deus aceitar o nosso culto, ele precisa aceitar a nossa vida. Deus rejeitou Caim e a sua oferta. Antes de olhar para a oferta de Caim, Deus viu o seu coração cheio de inveja, mágoa e ódio por seu irmão Abel. Deus rejeitou o culto de Caim porque primeiro rejeitou a sua própria vida. Quem não perdoa, não consegue orar com eficácia (Mc 11.25). A falta de perdão destrói a nossa relação com Deus e consequentemente impede que as nossas orações sejam ouvidas. Um coração cheio de ódio está completamente vazio do espírito de súplica. Um coração azedo e magoado não consegue orar com eficácia. Ainda que ore, suas orações serão interrompidas. Quem não perdoa, não tem saúde (Tg 5.16). O ódio recalcado eleva a pressão arterial, perturba o trabalho digestivo, ulcera o estômago, conduz a um esgotamento nervoso, tira o apetite, rouba o sono, provoca infarto. Quem vive fervendo por dentro, morre aos poucos. Quem não espreme o pus infeccioso da mágoa, adoece emocional, espiritual e fisicamente.
Jesus conclui a parábola com uma advertência severa: o Pai celeste tratará de forma semelhante a qualquer um que de coração não perdoar a seu companheiro e irmão na fé em Cristo. O ensino amplia o tema central de Mateus 6.15: os que não perdoam não serão perdoados. Sem o exercício do perdão, não existe o recebimento de perdão. Quem nega perdão ao irmão, não recebe perdão do Pai. O perdão não pode ser apenas um discurso de palavras vazias, mas uma expressão sincera que emana do íntimo. Só entram no céu os perdoados; só têm comunhão com Deus e com os irmãos os perdoadores.
Fica claro, à luz dessa parábola, que somos devedores a Deus (18.23); nenhum de nós pode pagar sua própria dívida (18.25); nossa dívida foi paga (18.27); só podemos ter convicção do perdão que recebemos pelo sensor do perdão que damos (18.35); a pessoa não perdoada está destinada ao castigo eterno (18.34,35). Ficam, então, o alerta e a lição central da parábola: motivado pela gratidão, o pecador perdoado deve sempre perdoar aos seus devedores.
Hernandes Dias Lopes, Mateus: Jesus, o Rei dos Reis, 1a edição., Comentários Expositivos Hagnos (São Paulo: Hagnos, 2019), 564–574.
A comunidade de Jesus é uma comunhão de disciplina e luta contra todo o mal em seu meio. A comunidade de Jesus é uma comunhão de oração. A pergunta de Pedro e a parábola do empregado não disposto a perdoar querem nos dizer, ainda, que a comunidade de Jesus caracteriza-se por uma disposição permanente de perdoar.
Pedro toma a palavra. Nestes dois e meio capítulos, do cap. 16 ao cap. 18, fala-se seis vezes das palavras de Pedro. Sua pergunta é: Quantas vezes temos de perdoar um irmão? Ele pensa que é preciso ir bem longe ao encontro dele e estar disposto a perdoá-lo. Só que ele acha que sete vezes seria o número da plenitude e do limite. Mais de sete vezes não seria necessário. – Jesus recusa essa aparente bondade e nobreza de coração para perdoar sete vezes, por ser humanamente fechado e limitado. Com uma palavra poderosa ele rompe também essa medida humana. Não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes. Isso significa: A medida do perdão não tem limites!
Uma parábola tem a função de explicar essa exigência. Um rei, designado de senhor no restante da parábola, entregou um empréstimo a um de seus empregados (v. 27). O empregado em questão gerenciou com ele um estabelecimento bancário. A dívida aumentou para proporções imensuráveis. Dez mil talentos são aproximadamente 174 toneladas de ouro. Essa soma é uma dívida de fato impagável. Para ilustrar a magnitude da dívida, podemos compará-la com a informação de que o salário anual de Herodes Antipas perfazia cerca de 200 talentos.
O rei da parábola assume primeiramente uma atitude de direito, dando ordens de que o empregado impossibilitado de pagar fosse vendido com mulher e filhos. A lei (Êx 22:2) já prevê a venda do devedor como escravo. Contudo, o compatriota vendido tinha de ser alforriado no sétimo ano (Êx 21:2). Portanto, o rei ordena que o devedor e tudo o que ele possui sejam vendidos. Porém, movido pela súplica insistente do devedor, ele o liberta, sim, livra-o de toda a dívida. É exatamente assim que o rei celeste de fato faz conosco, que lhe devemos uma soma impagável. Perdoa-nos a dívida do pecado. Tanto é que Deus nos amou por meio de seu Filho. Não apenas uma vez, mas milhões de vezes, diária e abundantemente, Deus nos perdoa nossa dívida gigantesca.
Poucos momentos após ter sido isentado da enorme dívida impagável, o empregado da parábola vai e procede exatamente do modo contrário com um colega. Assume diante dele uma atitude legal e, não obstante as muitas súplicas dele, persiste no seu direito, apesar de se tratar de uma pequena soma e 100 denários, ou seja, o eqüivalente a 100 dias de trabalho (cf. 20:2).
Nós, seres humanos, costumamos ser muito “justos” com os outros, persistimos na atitude legalista diante deles, consideramos gigantescas suas faltas contra nós e não “queremos” perdoar. Jesus nos mostra como esta indisposição para a reconciliação nos coloca num terrível contraste com Deus. Enquanto nós vivemos incessantemente de seu perdão, usufruindo dele numa medida que nem se pode comparar com o que devemos uns aos outros, qualquer ofensa à nossa honra nos torna tão irados que não nos deixamos aplacar e que não queremos saber nada de perdoar. Pelo contrário, clamamos pelo direito e pela condenação, como se fossem valores absolutamente necessários. Deus precisa suportar que não perguntamos nem um pouco pela sua opinião, mas nós não suportamos aquele que (do nosso ponto de vista) não dá atenção suficiente à nossa opinião. Diante de Deus afirmamos, sem temor, muitas coisas erradas. Mas vingamos qualquer palavra errada de outros sobre nós. Para Deus não temos tempo, nem dinheiro, nem coração. No entanto, quando alguém não nos agradece e não nos concede o amor devido, consideramo-lo insuportável (cf. Schlatter, p. 288)!
No fim da parábola, Jesus nos apresenta a conseqüência dessa falta de compaixão e de disposição para reconciliar-se: Quem não se torna misericordioso com a misericórdia de Deus e não aprende a perdoar a partir do perdão de Deus, desperdiçou a graça de Deus.
Graça desperdiçada, por sua vez, provoca condenação. A graça de Deus transforma-se na ira de Deus. Vejam como é séria, seríssima, a palavra de Jesus sobre o perdão mútuo!
É a inversão da prece do Pai Nosso: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores.” Desta feita, a formulação é: “Tu nos perdoaste a nossa culpa, por isso também queremos perdoar àqueles que se tornaram culpados em relação a nós.“
Para essa questão, cf. o exposto sobre Mt 6:12–15. “Não há como negar: O perdão é o coração da comunidade de Jesus. Quando cada irmão perdoa o outro de coração, então dois podem se unir em oração, corrigir-se mutuamente, buscar o desgarrado, superar o que é pernicioso, proteger os pequenos, e honrar os humilhados; então Jesus está no meio deles!” (cf. Vischer).
Fritz Rienecker, Comentário Esperança, Evangelho de Mateus (Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1998), 319–321.
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