A VIDA CENTRADA NO EVANGELHO
TEXTO BASE
INTRODUÇÃO
Martinho Lutero pregou seu último sermão no dia 15 de fevereiro de 1546 em Eisleben, sua cidade natal, na Alemanha. Lutero havia sido chamado de Wittenberg, onde era professor, para ir à sua cidade natal. Uma séria desavença havia crescido entre dois nobres, os moradores da cidade esperavam que, se Lutero fosse e mediasse o conflito, a paz voltaria a reinar na cidade. Lutero concordou em fazer a árdua viagem até Eisleben, onde pregou o sermão dois dias antes de sua morte. Nesse sermão, ele expressou preocupação a respeito do evangelho. Em ocasiões anteriores, ele já havia advertido que, todas as vezes que o evangelho é pregado de maneira acurada e apaixonadamente, ele trará conflito, e, sendo que as pessoas fogem de conflito, cada geração tenderá a diluir ou a esconder o evangelho, permitindo que ele seja eclipsado pelas trevas, como já havia acontecido durante séculos antes da Reforma. Por ocasião da morte de Lutero, tal eclipse já estava ocorrendo na Alemanha.
Lutero afirmava que, em tempos passados, as pessoas correriam até o fim do mundo se soubessem de um lugar onde poderiam ouvir Deus falar. Hoje, que ouvimos e lemos a Palavra de Deus todos os dias, isso não acontece. Ouvimos o evangelho no nosso lar, onde o pai, a mãe e os filhos cantam e conversam sobre ele. O pregador o proclama na igreja paroquial. Deveríamos erguer nossas mãos e nos regozijar porque temos tido a honra de ouvir Deus falando conosco por meio de sua Palavra. As pessoas dizem: “Temos pregação todos os dias, frequentemente muitas vezes ao dia, de modo que logo nos cansamos dela. Que benefício isso nos traz? Vou à igreja, mas sem grande proveito”. Os que nos ensinam a estabelecer igrejas, dizem que devemos ser sensíveis quanto ao que as pessoas desejam. Devemos dizer às pessoas o que elas desejam ouvir, ou então elas não voltarão. Dizem-nos que devemos estruturar nossos sermões e mensagens, não nos moldes daquilo que a Palavra de Deus declara, mas segundo os desejos imediatos das pessoas. Não é disso que as pessoas necessitam. A prioridade de Deus é que as pessoas compreendam seu caráter santo. Talvez as pessoas não sintam necessidade disso; no entanto, não há nada de que necessitem mais do que de ter a mente invadida pela compreensão de quem Deus é. Deus nos livre do ouvirmos o que é dito na avenida principal da cidade e também atender aos que nos dizem para nos tornarmos mascates, pois é exatamente sobre isso que Lutero está reclamando.
Lutero afirmou: “Se você não quer ouvir Deus falando a você todos os dias em sua casa e em sua igreja, então esteja atento. Procure algo diferente. Em Trier está o manto de nosso Senhor Deus; em Aachen estão as antigas calças de José e o manto de nossa Virgem Santíssima. Vá lá e esbanje seu dinheiro; compre indulgências e os trastes de segunda mão do papa”. Lutero dizia que o povo estava louco, cego e possuído pelo diabo:
Lá em Roma se senta aquele fantoche com sua cartola de truques, atraindo para si mesmo o mundo inteiro com seu dinheiro e seus bens; e, no entanto, qualquer pessoa pode participar do batismo, do sacramento e do púlpito. Mas as pessoas perguntam: “O quê? Batismo? Ceia do Senhor? Palavra de Deus? O que resolve mesmo são as velhas calças de José!
Em sua insensatez, as pessoas andavam por toda a Alemanha procurando pela mais nova coleção de relíquias: um fragmento da palha do berço de Jesus, leite do seio de Maria, sua mãe, ou um fio da barba de João Batista. Era isso o que a igreja estava vendendo. Por que as pessoas compravam? O que elas desejam hoje quando procuram alguém que promete cura e as matam no Espírito? Buscam poder. Desejam uma poderosa experiência cristã. Desejam poder para manipular seu ambiente, que é o grande objetivo da Nova Era.
Apenas um é onipotente, e este é o Senhor Deus, que tem poder de sobra. Ele não precisa das calças de José. Não tem necessidade nem mesmo do evangelho; entretanto, agradou ao Senhor Deus onipotente investir nele o seu poder. O poder não é encontrado nas calças de José, nem na capacidade de pregador de assassinar alguém no Espírito. O poder de Deus é investido no evangelho. Deus prometeu que sua palavra não voltaria para ele vazia (Is 55.11). A loucura da pregação é o método escolhido por Deus para salvar o mundo. Essa é a razão pela qual Paulo afirma que não se envergonha. Ele desejava pregar o evangelho porque é o poder de Deus para a salvação. Não é poder da eloquência do pregador, nem o poder de sua competência ou sabedoria; é o poder de Deus.
TENTATIVA DE MODERNIZAR JESUS
Aqui estão algumas das muitas tentativas da Igreja de apresentar um retrato contemporâneo de Cristo, algumas das quais têm sido mais bem-sucedidas do que outras quanto a permanecer fiel ao original.
Penso em primeiro lugar em Jesus, o asceta, que inspirou gerações de monges e eremitas. Ele era muito parecido com João Batista, pois também vestia roupas feitas de pelo de camelo, usava sandálias ou até andava descalço e comia gafanhotos com prazer evidente. Mas seria difícil conciliar este retrato com a crítica dos seus contemporâneos de que ele era um festeiro que vivia “comendo e bebendo”.
Também havia Jesus, o pálido galileu. O imperador apóstata Juliano tentou restabelecer os deuses pagãos de Roma depois que Constantino os substituiu pela adoração a Cristo, e relata-se que ele teria dito o seguinte em seu leito de morte, em 363 depois de Cristo: “Venceste, ó galileu”. Suas palavras foram popularizadas por um poeta do século 19, Swinburne:
Venceste, ó pálido galileu;
O mundo tornou-se cinzento do ar que respiras.
Esta imagem de Jesus foi perpetuada na arte medieval e vitrais, com um halo celeste e uma pele sem cor, olhos levantados para o céu e pés que não tocavam o chão.
Em contraste com as apresentações de Jesus como fraco, sofredor e derrotado, havia Jesus, o Cristo cósmico, muito amado pelos líderes da igreja bizantina. Eles o descreveram como o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o Criador e governante do universo. No entanto, exaltado acima de todas as coisas, glorificado e reinando, ele parecia distante do mundo real e até mesmo da sua própria humanidade, como foi revelado na encarnação e na cruz.
No extremo oposto do espectro teológico, os deístas do Iluminismo dos séculos 17 e 18, à própria imagem deles, construíram Jesus, o mestre do senso comum, inteiramente humano e nada divino. O exemplo mais dramático é a obra de Thomas Jefferson, presidente dos Estados Unidos de 1801 a 1809. Rejeitando o sobrenatural como algo incompatível com a razão, ele produziu a sua própria edição dos Evangelhos, em que todos os milagres e mistérios foram sistematicamente eliminados. O que resta ali é um guia para um professor de moral meramente humana.
No século 20, fomos apresentados a uma ampla gama de opções. Duas das mais conhecidas devem sua popularidade a musicais. Há Jesus, o palhaço de Godspell, que passa o tempo cantando e dançando, e assim capta algo da alegria de Jesus, mas dificilmente leva a sério a sua missão. Um pouco semelhante é Jesus Cristo Superstar, a celebridade desiludida, que uma vez pensou que sabia quem era, mas no Getsêmani já não tinha tanta certeza.
O falecido presidente de Cuba Fidel Castro referiu-se frequentemente a Jesus como “um grande revolucionário”, e houve muitas tentativas de retratá-lo como Jesus, o lutador da liberdade, o guerrilheiro urbano, o Che Guevara do primeiro século, com barba negra e olhos brilhantes, cujo gesto mais característico foi derrubar as mesas dos cambistas e expulsá-los do templo com um chicote.
Esses diferentes retratos ilustram a tendência recorrente de atualizar Cristo de acordo com as modas atuais. Isso começou na era apostólica, com a necessidade de Paulo advertir sobre os falsos mestres que pregavam “um Jesus que não é aquele que [nós, os apóstolos] pregamos”. Cada geração que chega tende a ler para si as suas próprias ideias e esperanças, criando um Jesus à sua própria imagem.
A motivação deles até é certa (pintar um retrato contemporâneo de Jesus), mas o resultado é sempre distorcido (como o retrato não é autêntico). O desafio diante de nós é apresentar Jesus à nossa geração de maneiras ao mesmo tempo precisas e atraentes.
A principal razão de cada traição ao Jesus autêntico é que prestamos muita atenção às tendências contemporâneas e muito pouca atenção à Palavra de Deus. A sede de relevância torna-se tão exigente que sentimos a necessidade de ceder a ela, custe o que custar. Tornamo-nos escravos da última moda, preparados para sacrificar a verdade no altar da modernidade. A busca da relevância degenera para um desejo de popularidade. No extremo oposto da irrelevância está a acomodação, uma rendição covarde e sem princípios ao espírito do tempo.
O povo de Deus vive em um mundo que pode ser ativamente hostil. Estamos constantemente expostos à pressão para nos conformarmos a este mundo.
Graças a Deus, no entanto, que sempre houve aqueles que ficaram firmes, às vezes sozinhos, e se recusaram a ceder. Penso em Jeremias, no sexto século antes de Cristo, Paulo, em sua época (“todos… me abandonaram”), Atanásio, no século quarto, e Lutero, no século 16.
Em nossos dias, também precisamos decidir apresentar o evangelho bíblico de tal forma a lidar com os dilemas modernos, medos e frustrações, mas com a igual determinação de não comprometê-lo ao fazermos isso. Algumas pedras de tropeço são intrínsecas ao evangelho original e não podem ser eliminadas ou empurradas suavemente para torná-lo mais fácil de aceitar. O evangelho contém algumas características tão estranhas ao pensamento moderno que sempre poderá parecer tolo, por mais que nos esforcemos para mostrar que ele é “verdadeiro e de bom senso”. A cruz será sempre um ataque à autojustiça humana e um desafio à autoindulgência humana. O seu “escândalo” (pedra de tropeço) simplesmente não pode ser removido. A Igreja fala mais autenticamente não quando se torna indistinta do mundo ao nosso redor, mas justamente quando a sua luz distintiva brilha mais.
AFIRMAÇÃO TEOLÓGICA:
ARGUMENTAÇÃO
Não me sinto envergonhado do evangelho [de Cristo]. O apóstolo aqui antecipa uma objeção, declarando de antemão que não se deixava intimidar pelos escárnios dos ímpios. Ao proceder assim, no entanto, ele aproveita a oportunidade para enaltecer os méritos do evangelho, a fim de que ele não viesse a ser desdenhado pelos romanos. Ao afirmar que não se sentia envergonhado em relação ao evangelho, ele insinua que o mesmo era de fato desprezível aos olhos do mundo. Dessa forma os prepara para suportarem os sofrimentos provenientes da cruz de Cristo, para que não viessem a subestimar o evangelho ao verem-no exposto à cólera e ao menosprezo dos ímpios. Contudo, em contrapartida o expõe aos cristãos como sendo ele de supremo valor. Se acima de tudo o poder de Deus tem de ser sublimemente considerado, então que se saiba que esse poder emana do evangelho. Se é indispensável que busquemos e amemos a benevolência [divina], então que se saiba que o evangelho é o instrumento dessa benevolência, e é indispensável que o mesmo seja honrado e valorizado, visto que se deve todo respeito ao poder de Deus, e que devemos amá-lo à medida que nossa salvação vai sendo assegurada.
O QUE NÃO É O EVANGELHO?
As Boas-Novas Não São apenas bons conselhos, mas uma boa notícia
As Boas-Novas Não São Apenas Que Tudo está bem Conosco
As Boas-Novas Não São Apenas Que Deus é Amor
As Boas-Novas Não São Apenas Que Jesus Quer Ser Nosso Amigo
As Boas-Novas Não São Que Devemos Viver Corretamente
O QUE É O EVANGELHO?
O evangelho é PODER
1411 δυναμις dunamis
de 1410; TDNT - 2:284,186; n f
1) poder, força, habilidade
1a) poder inerente, poder que reside numa coisa pela virtude de sua natureza, ou que uma pessoa ou coisa mostra e desenvolve
1b) poder para realizar milagres
1c) poder moral e excelência de alma
1d) poder e influência própria dos ricos e afortunados
1e) poder e riquezas que crescem pelos números
1f) poder que consiste em ou basea-se em exércitos, forças, multidões
O poder de Deus está por trás da proclamação do evangelho, por isso é sempre eficaz
Nenhum ser humano pode evitar o poder convencedor do Espírito por trás do anúncio da salvação de Deus
O evangelho é CRISTO: Quem Ele é e o que Ele fez!
O QUE O EVANGELHO FAZ EM NÓS?
Ora, o Espírito declara, por intermédio do evangelho, que este é o único caminho no qual somos considerados justos
A passagem de Martinho Lutero
Precisamos do poder de Deus para a salvação, visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé (v. 17). No evangelho, a justiça de Deus é revelada de fé em fé. No prefácio, mencionei que esse foi o versículo usado pelo Espírito Santo para acordar Lutero, enquanto ele preparava suas aulas sobre o livro de Romanos. Ele folheou um manuscrito de Agostinho e achou o local onde Agostinho diz que justiça, nesse caso, não é a justiça de Deus, mas aquela que ele proporciona às pessoas que não têm nenhuma justiça. É justiça que ele torna disponível, por sua graça gratuita, a todos os que creem. Lutero a denominava “justiça alheia”. Essa justiça não é nossa, é justiça de Jesus.
Lutero buscou todos os meios de que tinha conhecimento, dentro dos limites do mosteiro, para satisfazer as exigências da lei de Deus, e mesmo assim não tinha paz. Lutero era especialista na lei de Deus, e todos os dias ficava aterrorizado quando olhava no espelho da lei e examinava sua vida em oposição à justiça de Deus. Nós não estamos aterrorizados porque bloqueamos a visão da justiça de Deus. Julgamo-nos numa curva, medindo-nos em relação aos outros. Nunca nos medimos de acordo com os padrões da perfeição de Deus. Se fizéssemos isso, ficaríamos tão atormentados quanto estava Lutero no mosteiro. Quando finalmente ele viu as portas do paraíso se abrirem completamente, ele as atravessou, e essa foi a razão por que ele enfrentou reis e autoridades da igreja. Ele se recusou a fazer concessões. Tendo experimentado o evangelho de Jesus Cristo e sendo libertado das dores e do tormento da lei, ninguém poderia tirar esse evangelho dele.
Compreendo o sentimento de libertação que Lutero experimentou ao ler essa passagem. É o versículo tema dessa epístola. Tudo o que vem depois é uma explanação a respeito desta frase: “visto que a justiça de Deus se revela…”. A palavra grega dikaiosyne é a palavra usada no Novo Testamento para “justificação”. Encontraremos muitas vezes essa palavra ao nos debruçarmos sobre essa carta aos Romanos.