O fracasso da religião legalista
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30 Que diremos, pois? Que os gentios, que não buscavam a justificação, vieram a alcançá-la, todavia, a que decorre da fé; 31 e Israel, que buscava a lei de justiça, não chegou a atingir essa lei. 32 Por quê? Porque não decorreu da fé, e sim como que das obras. Tropeçaram na pedra de tropeço, 33 como está escrito:
Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, e aquele que nela crê não será confundido.
1 Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles são para que sejam salvos. 2 Porque lhes dou testemunho de que eles têm zelo por Deus, porém não com entendimento. 3 Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus. 4 Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê.
Nós temos visto ao longo da carta aos romanos, a partir do cap. 9, que houve uma grande inversão. Muitos gentios creram em Jesus e agora fazem parte do reino de Deus. E muitos judeus rejeitaram Jesus e ficaram de fora do reino. E temos visto que essa não é uma afirmação trivial. Ela gera muitas questões. Afinal, os judeus não adoravam o verdadeiro Deus? E não era deles a promessa? E eles não tinham a Escritura? Como, afinal, foram excluídos?
É como afirmar que aquele que até pouco tempo atrás era um usuário de crack, que vivia jogado na sarjeta da cracolância, ouviu o evangelho, creu e agora faz parte do povo de Deus. E aquele que cresceu na igreja, casou-se, viveu uma vida comportadinha, esse ficou de fora. Por que isso aconteceu?
Paulo está dando uma resposta a essa pergunta ao longo dos capítulos 9 a 11. E até aqui, ele enfatizou a soberania de Deus. Por que muitos judeus ficaram de fora? Porque Deus é quem escolhe quem fará parte do seu povo, ele escolheu alguns e deixou de fora outros, porque ele assim o quis. Ele é soberano, ele é o oleiro, ele tem direito sobre o barro. Mas agora ele enfatizará um outro aspecto, uma outra parte dessa resposta. Israel tem responsabilidade. Os judeus têm a sua responsabilidade em sua rejeição. Eles fracassaram por causa daquilo que chamamos de legalismo.
O que é legalismo? É o nome que damos para a tentativa de se ganhar a salvação por meio da lei. O legalista acredita que ao cumprir a lei, ele será considerado justo diante de Deus.
Até algum tempo atrás, a empresa de tecnologia chamada Google, você deve conhecer, eles tinham um lema. O lema era: "Don't be evil". Significa: "Não seja malvado". Para eles, o lema significava um compromisso com boas práticas de negócios. Mas podemos considerar que esse o lema do legalista. Não seja mal. Seja uma boa pessoa. Faça a coisa certa. E tudo dará certo.
Muita gente crê nesse evangelho. Muita gente acredita que é justificado por ser uma boa pessoa. Hoje vivemos num tempo em que se você fizer algo escandaloso ou disser algo politicamente incorreto, você será julgado e condenado no mesmo dia pelo tribunal das redes sociais. Muita gente pensa que Deus opera da mesma maneira.
A verdade é que o legalismo é um fracasso. Os judeus fracassaram. E, da mesma maneira, todos aqueles que confiam em sua capacidade de obedecer para serem salvos fracassarão. Por quê? Qual é a razão do fracasso da religião legalista?
O legalismo fracassa porque é insuficiente (v. 30-33)
O legalismo fracassa porque é insuficiente (v. 30-33)
Em primeiro lugar, o legalismo falha porque é insuficiente (v. 30-33). Ele não é capaz, pelo que se propõe, de obter a salvação.
Paulo começa com uma pergunta. “Que diremos, pois?”. Em outras palavras, “o que podemos concluir do que vimos até aqui?”. Paulo, até aqui, tem mostrado que agora o povo de Deus é essa nova humanidade que Deus está formando, com pessoas de todas as nações, não só judeus, que ele escolhe soberanamente, somente pela graça. E que muitos judeus ficaram de fora, apesar de seu privilégio passado. O que podemos concluir disso tudo? A conclusão é que Israel fracassou, não apenas por causa da soberania de Deus, mas também por causa da sua própria incredulidade. Aqui temos a soberania de Deus e a responsabilidade humana, lado a lado. Israel fracassou porque confiou numa religião de obras.
Houve uma grande inversão. Os gentios alcançaram a justiça que não buscavam, pela fé (v. 30), enquanto os judeus não alcançaram a justiça que buscavam (v. 31). Não devemos minimizar como isso é espantoso. Os gentios não buscavam a Deus. Eles não se importavam com a justiça. Viviam de modo totalmente alheio, correndo atrás de dinheiro, prazeres, seguindo seu caminho. Agora, muitos deles estavam encontrando a salvação ao ouvir o evangelho da justificação pela fé.
Por sua vez, os judeus, que eram o povo que tinha a revelação, que conheciam o "princípio" da justiça, que alegavam estar obedecendo a Deus, que eram conhecidos por seu zelo religioso a ponto de serem considerados fanáticos, a maioria desses judeus não obtiveram a justiça que buscavam. E eles buscavam a lei da justiça. Lei aqui não são os preceitos, mas traz a ideia de um princípio. Trata-se do princípio do evangelho da justificação pela fé, que conforme Paulo mostrou, foi revelado por Deus desde o Antigo Testamento. Os judeus tinham acesso a Antigo Testamento. Eles estudavam a Torá a fim de obter esse conhecimento. Mas quando o Cristo veio e esteve debaixo do nariz deles, eles o rejeitaram. Enquanto os gentios o receberam pela fé. Essa é a grande inversão. Publicanos e pecadores entraram no reino. Fariseus e escribas, não. Mesmo hoje, tal cena escandalizaria muita gente.
Por que essa inversão aconteceu? Paulo explica no v. 32. Foi porque os judeus não colocaram sua fé em Cristo, mas confiaram nas obras (v. 32). Paulo explica aqui a razão pela qual Israel fracassou: porque eles tentaram obter a justiça não pela fé, mas por meio das obras. Eles confiaram não em Jesus, mas em seu próprio mérito, não em Cristo, mas em sua capacidade de cumprir a lei. Eles usaram a lei para obter o que a lei não poderia dar. Israel ficou de fora, e se por um lado isso aconteceu porque Deus assim o quis, pela soberania de Deus, por outro lado, foi pelo erro deles de terem instituído uma religião legalista, que busca salvação por meio da lei.
E ao fazerem isso, eles tropeçaram na pedra de tropeço (v. 32). Isto é uma linguagem que Paulo já usou em outra passagem. Em 1Co 1.23, Paulo fala da pregação da cruz como "escândalo para os judeus".
23 mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios;
Lá vemos Paulo utilizar essa mesma imagem, de "pedra de tropeço, rocha de escândalo", para se referir à pregação da cruz. Ao buscarem a salvação por meio das obras, os judeus rejeitaram a mensagem da salvação pela graça mediante a fé.
Israel tropeçou na cruz. E nisto, eles cumpriram as Escrituras. Deus já havia declarado que seu Messias seria uma rocha de escândalo para uns, e salvação para outros (v. 32-33). Paulo cita aqui dois textos de Isaías, Is 8.14 e Is 28.16.
14 Ele vos será santuário; mas será pedra de tropeço e rocha de ofensa às duas casas de Israel, laço e armadilha aos moradores de Jerusalém.
16 Portanto, assim diz o Senhor Deus: Eis que eu assentei em Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular, solidamente assentada; aquele que crer não foge.
Essas duas passagens, como interpretadas por Paulo, dizem respeito ao fato de que o Cristo seria, para alguns, escândalo. E para os que creem, será fortaleza, segurança, pois não haverá razão para correr ou se esconder diante do juízo. É difícil não pensar, ao ler este texto, na destruição de Jerusalém que ocorreu em 70 d.C. O dia em que Deus castigou os judeus por sua incredulidade. Os judeus, a maioria, tropeçaram na cruz. Eles rejeitaram o Cristo. Eles não creram em Jesus, mas confiaram em sua própria capacidade, e isso os levou ao juízo.
Qual o problema do legalismo? O problema do legalismo é que ele é insuficiente. Ele tenta obter por meio do cumprimento da lei o que só pode ser obtido pela fé em Jesus Cristo. Um legalista pensa que consegue cumprir os mandamentos. Ele olha para os preceitos e pensa: "Se eu me esforçar, eu consigo". E ele se esforça para isso. Mas é um empreendimento fadado ao fracasso. Não à toa, vemos a grande inversão: aqueles que não conheciam o princípio da justiça a alcançaram, e os judeus, não.
Será que esse legalismo ainda existe nos dias de hoje? Sim, em diversas religiões. O princípio que podemos encontrar na maioria das religiões é o seguinte: se você fizer tudo certo, você será recompensado.
Para os islâmicos, a recompensa de lutar a jihad, a guerra santa, é um paraíso com sete virgens para cada homem que morrer pela causa. Para os espíritas, lhes é prometido é a elevação espiritual. Para os católicos romanos, uma passagem mais curta no purgatório. Contudo, todo esse esforço está fadado ao fracasso.
Ninguém alcança a perfeição. Ninguém obedece todas as leis, a não ser que o padrão de justiça seja extremamente rebaixado. Aliás, é isso que muitos legalistas fazem. Eles rebaixam o padrão do que Deus exige. Se você obedecer externamente, cumprir meia dúzia de preceitos, pronto. É suficiente.
Só que Deus exige muito mais. Deus não aceita nada menos que justiça perfeita. Ele quer obediência de todo coração, alma e força. Não apenas justiça externa, mas justiça completa. Se Deus tolerasse um erro sequer, uma imperfeição sequer, ele não seria justo. Ele não seria reto. Somente pessoas perfeitas merecem entrar no céu. Ponto. Só que há pessoas imperfeitas que foram para o céu. Como? Jesus cumpriu a perfeita justiça. E nós podemos ir para o céu porque confiamos em Jesus e a sua justiça é atribuída a nós pela fé. Amém!
Ok, mas você que é evangélico, protestante, talvez diga: eu sei disso. Eu sei que não é por obras, mas pela fé. Certo, mas isso não significa que você não possa ser assombrado pelo problema do legalismo. O legalismo também está na igreja! Quando pensamos que somos bons cristãos porque vamos à igreja todo domingo, porque conseguimos nos abster de certos pecados (como a fornicação e o adultério) enquanto toleramos outros (como a fofoca e a maledicência), é aí que nosso legalismo se manifesta.
Sabe quando o legalismo se torna evidente? Quando você peca, e ao invés de confessar seu pecado a Deus em oração, de confessar a seu irmão a fim de obter ajuda para vencê-lo, de continuar recorrendo aos meios de graça para se fortalecer na fé, você se isola. Você não confessa o pecado, mas prefere lutar contra ele sozinho, a fim de não se expor. Você não ora, mas prefere ficar uns dias sem orar, a fim de recuperar a sua dignidade, porque se sente envergonhado.
Isso é legalismo. Porque o seu relacionamento com Deus, para você, está baseado em seu mérito, e não em Cristo. A sua fé, a sua confiança, está na sua capacidade de obedecer a lei, e não em Cristo. E quando você falha, a sua religião se esvai. Porque você não será suficiente. O legalismo não é suficiente.
O legalista tropeça na cruz. A cruz passa a mensagem oposta a do legalismo. O legalismo diz: você pode salvar a si mesmo. A cruz diz: você não pode salvar a si mesmo. Como afirma Stott:
"Se pudéssemos ganhar uma posição justa diante de Deus por meio de nossa própria obediência à sua lei, a cruz seria supérflua. Se pudéssemos salvar a nós mesmos, por que Cristo teria se dado ao trabalho de morrer? O fato de que Cristo morreu por nossos pecados é uma prova positiva de que não podemos salvar a nós mesmos. Contudo, fazer essa humilhante confissão é uma ofensa insuportável para nosso orgulho. Então, em vez de nos humilharmos, tropeçamos na pedra de tropeço."
E se o problema do legalismo é que ela tropeça na cruz de Cristo, a solução para o legalismo também se encontra na cruz. É para lá que devemos correr quando o nosso pecado é exposto. Arrependa-se, peça perdão, procure ajuda, reconheça sua indignidade e insuficiência, receba aconselhamento e desfrute da graça e perdão que há em Cristo.
O legalismo fracassa porque é desonra a Deus (v. 1-4)
O legalismo fracassa porque é desonra a Deus (v. 1-4)
Então a religião legalista dos judeus fracassou porque ela é insuficiente. Ela não alcança a salvação. Mas mais do que isso. Em segundo lugar, o legalismo também fracassa porque ele é desonra a Deus. Ao confiar em si mesmo, o legalista substitui Deus e, assim, o desonra.
Paulo declara no v. 1 o seu imenso desejo de ver os seus conterrâneos sendo salvos (v. 1). Veja, esse julgamento que Paulo faz de seu próprio povo, pois ele é um judeu, de modo algum significa que Paulo desgoste deles. Pelo contrário, ele reconhece as qualidades do povo judeu e deseja vê-los rendidos aos pés de Cristo.
Muitas vezes quando dizemos que um certo povo carece do evangelho e de Deus, podemos ser mal interpretados. Quando, por exemplo, dizemos que os povos indígenas precisam ouvir o evangelho, rapidamente aparecem aqueles que nos acusam de sermos supremacistas e arrogantes culturais. Nada disso. Podemos reconhecer as qualidades de um povo, ao mesmo tempo que queremos vê-los aos pés da cruz para que experimentem a verdadeira salvação.
Aqui, Paulo mostra seu coração missionário. Ele quer ver o evangelho avançando e alcançando o coração dos israelitas, e ora por isso. Seu coração missionário se expressa em sua oração. E Paulo reconhece a sinceridade de seus irmãos judeus. Contudo, trata-se de uma sinceridade sem conhecimento (v. 2).
Paulo afirma solenemente, isto é, dando um testemunho como que diante de um tribunal, que os judeus têm zelo. Eles são zelosos, cuidadosos. E isso podemos realmente atestar, se conhecemos as práticas judaicas com relação às suas cerimônias. Eles tomam muito cuidado para não se contaminar com qualquer impureza. As suas regras alimentares são extremamente rígidas. Seus horários de oração, suas reuniões, todas são extremamente solenes. E isso por quê? Porque assim a sua religião o ordena. Ninguém poderia acusá-los de não levarem a sério seus preceitos.
Mas de nada adianta ser sincero e zeloso se isso for sem entendimento. E é assim que Paulo descreve seus irmãos judeus. Zelosos sem entendimento. Desperdiçam suas vidas com regrinhas que de nada adiantam. Se esforçam muito indo na direção errada. Muita gente vive assim. Talvez você já tenha ouvido alguém dizer assim: "Para Deus, o que importa é a sinceridade de coração". Contudo, devemos qualificar essa frase. Não adianta ser sincero no erro. Você pode dirigir muito bem e com muita convicção, mas se não souber o destino e não tiver um mapa, nunca irá chegar ao lugar certo.
Por que o zelo dos judeus era um zelo sem entendimento? Porque era baseado não na justiça de Deus, mas na justiça própria. Apesar de buscarem o "princípio" da justiça, isto é, a salvação pela qual nos tornamos justos diante de Deus; os judeus tentaram obterem-na segundo os seus próprios termos. A justiça de Deus é a maneira que Deus preparou para que sejamos declarados justos. E como podemos ser declarados justos? Paulo já respondeu, em Romanos 1.16-17: o evangelho revela a justiça de Deus. Somos declarados justos por causa da justiça imputada de Cristo.
Mas os judeus ignoraram a justiça que vem por meio do evangelho. Até hoje eles ignoram. Até hoje eles aguardam um Messias e vivem numa religião onde seus pecados não podem ser perdoados, pois eles não podem realizar o sacrifício sem o templo. E sem derramamento de sangue não há remissão de pecados. Eles permanecem nas trevas da ignorância.
Mas não é uma ignorância inocente. Não se trata daquela ignorância que e pode ser resolvida com educação. É uma ignorância deliberada. Eles não se sujeitaram à justiça de Deus. Eles rejeitaram o Cristo. Eles não quiseram o favor imerecido de um servo sofredor e humilde. Eles queriam a religião do mérito. Assim como o filho mais velho daquela parábola do Filho Pródigo, os judeus rejeitam o amor do Pai enquanto tentam obter as bênçãos por meio do trabalho.
É por isso que o legalismo desonra a Deus. Porque no evangelho, a salvação pertence a Deus. A glória pertence a Deus. É ele quem nos salva. É ele quem nos conduz, quem nos elege, regenera, justifica, adota, santifica e glorifica. De modo que tudo é atribuído a ele, e a ele damos graças. Mas o judeu dá graças a si mesmo. Tal qual a oração do fariseu, daquela parábola do fariseu e publicano, ele ora para si mesmo. "Obrigado, Deus, porque não sou como esse publicano". O resultado do legalismo é que a salvação é um resultado do meu sucesso, e não um triunfo da graça de Deus.
Os judeus tentaram estabelecer a sua própria justiça, e nisso falharam. Por quê? Porque a lei de Deus não foi dada para justiça própria, mas para conduzir a Cristo (v. 4).
Paulo diz: "Porque o fim da lei é Cristo". A lei não foi dada para se obter justiça por mérito. A lei é incapaz de salvar. Isso já vimos. Mas ela nos aponta onde falhamos e nos conduz à necessidade de um redentor. Ela é o nosso tutor, o aio, conforme Paulo diz em Gálatas 3.24.
24 De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé.
Eu posso conhecer a lei, mas se ela não me conduziu a Cristo, não adiantou de nada. Ela não cumpriu o seu primeiro propósito. Como disse certa vez um dos grandes pregadores da patrística, João Crisóstomo:
"Aquele que não tem Cristo, ainda que pareça ter essa justiça, não a tem. Mas aquele que tem Cristo, mesmo que não tenha cumprido a Lei corretamente, recebeu o todo".
A lei cumpre o seu propósito em Cristo. Os judeus não entenderam isso. Eles usaram a lei como um meio de se obter justiça por mérito. E por isso falharam.
Será que isso ocorre em nosso meio evangélico? Será que há vezes em que confiamos na lei para a salvação? Talvez você diga: “não”. Pois sabemos que é pela fé. Mas nem sempre a nossa atitude condiz com a crença que professamos.
Considere este exemplo totalmente hipotético. Imagine um pai e uma mãe que pensam que, pra que seu filho seja salvo, basta ensiná-lo a se comportar no culto, a obedecer as regras, a ser uma pessoa educada. Basicamente, qual receita que esses pais seguem para salvar seus filhos? Lei, lei e mais lei. Onde está a confiança deles? Na capacidade deles de fazer com que seus filhos cumpram a lei e sejam bem comportados.
Mas imagine que esses mesmos pais não sabem pedir perdão. Não sabem perdoar. Não sabem ser pacientes. Quando seus filhos erram, não são mansos e humildes como Cristo. Gritam e se desesperam. Tentam resolver com mais lei, mais regras. Perdem as estribeiras. Respondem com ameaça. Eles temem o escândalo que isso pode gerar. Imagina se os irmãos descobrirem que minha família não é perfeita?
Aí, se no final desse processo penoso, os filhos permanecem na igreja, os pais respiram aliviados. Ufa, fizemos tudo certo! E se falham, a culpa corrói o seu coração. Onde erramos?
Sabe como isso se chama? Salvação pela lei. Isso é legalismo. E isso não funciona, pois é insuficiente. E desonra a Deus, porque no final, a salvação dependeu do esforço.
O legalismo desonra a Deus. O religioso legalista é alguém zeloso, esforçado. Isso ninguém pode tirar dele. Mas o seu zelo não provém de verdadeira devoção a Deus. Na verdade, sua auto-justiça é uma busca idólatra por autossuficiência. No lugar de se sujeitar ao Deus gracioso, busca conquistar orgulhosamente sua salvação. Ele usa a lei de modo rebelde, porque o objetivo dela não é nos conduzir à alto-exaltação, mas a Cristo.
Stott, novamente, dirá que a religião legalista e o evangelho são coisas incompatíveis.
"Se a justiça é pela lei, não é por Cristo, e, se é por Cristo mediante a fé, não é pela lei."
Qual a solução? Justamente a realidade que o legalismo procura negar. O verdadeiro evangelho nos humilha. Ele afirma que nascemos em depravação total. Somos naturalmente incapazes de agradar a Deus. Não há diferença alguma entre nós e o pior dos criminosos, a não ser a graça de Deus. E não há nada que possamos fazer a respeito. Mas Deus fez. Ele enviou Jesus. Ele nos regenerou mediante a pregação do evangelho. Ele nos deu o Espírito Santo, nos vivificou, nos deu fé. E se cremos em Jesus, somos justificados, declarados justos. E até mesmo essa fé é dom de Deus, de modo que nada fizemos para sermos salvos. Esse é o evangelho. E é assim que Deus salva pessoas.
Você pode ensinar seu filho a se comportar no culto, você pode ler a Bíblia com ele, você deve fazer tais coisas. Mas ele só será salvo se o coração dele for transformado pela graça de Deus. E isso acontece mediante a pregação do evangelho, então devemos pregar o evangelho. Mas somente Deus pode mudar o coração deles. E, eu sei, eu falo como pai, isso nos humilha. O que podemos fazer? Rogar a Deus por graça. E quando nossos filhos se convertem? Louvar a Deus pela sua tremenda graça. Toda a glória pertence a Deus.
Você pode olhar para alguém na rua, um viciado em crack, perdido em seus pecados, sem Cristo, sem Deus no mundo. E ver nele não alguém inferior, mas um igual a você. Um ser humano criado à imagem de Deus, contudo, desfigurado pelo pecado, necessitado do evangelho. Então você prega o evangelho, se identificando com ele, mostrando que você é um pecador como ele, salvo pela graça. E você pode olhar para a sua própria vida e dar graças a Deus porque, sem Cristo, você poderia estar naquele mesmo lugar. De fato, todos nós estávamos naquela situação (Ef 2). Mas Deus nos salvou. Toda glória a ele.
Esse é o remédio, meus irmãos, para a religião legalista. Não somos salvos porque obedecemos. Não podemos salvar a nós mesmos. Jesus teve de descer da sua glória para nos salvar.
Isso não quer dizer que não seremos zelosos. Pelo contrário. Isso nos levará a ser mais zelosos que os judeus, mas trata-se de um zelo diferente. Os judeus são zelosos sem entendimento. Nós somos zelosos com entendimento. Entendemos o evangelho. Entendemos que a justiça que nos salva é a justiça de Cristo. E entender isso nos leva a amá-lo mais e nos enche de fervor por tudo aquilo que aumenta a sua glória. A ele seja a glória. Amém.