Mas Jonas… Estudo 2
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Mas Jonas…
Jonas 1.1–3
Veio a palavra do Senhor a Jonas, filho de Amitai, dizendo: Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim. Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor, para Társis (Jn 1.1–3).
Introdução
O livro de Jonas não é apenas uma história sobre as coisas interessantes que aconteceram com esse personagem do Antigo Testamento. Jonas era um representante do povo de Israel em seu desdém pela graça de Deus para as nações. Mas os israelitas da Antiguidade não são os únicos que tirariam proveito de um estudo sobre Jonas. Pois, se olharmos no espelho de Jonas, também nos reconheceremos. Os tempos mudam e as situações variam, mas todo o povo de Deus se encontra na posição de Jonas diante de Deus, chamado pelo Senhor para levar seu evangelho ao mundo. E muitos de nós descobrirão que seus pés estão seguindo o caminho da rebelião de Jonas, em parte porque não entendem ou se ressentem com a graça de Deus para o mundo inteiro.
O chamado soberano de Deus
O chamado de Deus a Jonas para que ele pregasse em Nínive manifesta sua graça para o mundo inteiro. Mas revela também a soberania de Deus sobre seu povo. Quando pensamos em Deus como soberano, pensamos normalmente em seu controle sobre todos os assuntos do céu e da terra. Jesus disse que nenhum pardal cai no chão sem a vontade do Pai. Mas queremos expressar também que Deus exerce seu reinado soberano sobre seu reino. Soberanos comandam. Reis e rainhas emitem decretos e exigem obediência. Deus é tão soberano quanto eles. E, assim como Deus glorifica sua graça enviando seu evangelho até os mais remotos confins do mundo, ele também glorifica sua soberania exercendo seu reinado sobre suas criaturas.
O chamado soberano de Deus a Jonas foi breve, direto e imperativo. Deus não veio com uma explicação. Hoje em dia, muitas pessoas concordam em obedecer à Palavra de Deus apenas se ela fizer sentido para elas. Mas o Deus soberano não faz concessão. O chamado de Deus a Jonas foi repentino, da mesma forma que comandantes militares costumam receber instruções inesperadas baseadas em preocupações conhecidas apenas a seus superiores.
Nós também recebemos uma ordem repentina da Palavra de Deus, e a nossa obrigação diante de Deus é obedecer imediata e submissamente. Assim como Isaías respondeu quando Deus lhe revelou sua vontade, também devemos responder: “… eis-me aqui! Envia-me a mim” (Is 6.8).
A ordem dada a Jonas por Deus não foi só soberana e repentina, era também difícil. Nínive se encontrava longe dali, no centro de um império violento. Era uma das maiores cidades do mundo da Antiguidade, razão pela qual Deus se refere a ela como “a grande cidade de Nínive”. O capítulo 3 nos conta que “… Nínive era cidade mui importante diante de Deus e de três dias para percorrê-la” (Jn 3.3). Era também distante, ficava mais ou menos 900 quilômetros ao nordeste de Israel, perto da cidade atual de Mosul, no Iraque. E Deus estava enviando Jonas a sós, ordenando-lhe proclamar uma mensagem de destruição: “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida!” (Jn 3.4). Imagine você receber um chamado desse tipo! Imagine as dificuldades que passariam pela sua mente e os obstáculos que se oporiam a qualquer tipo de êxito!
Mas Deus tem e exerce o direito de dar ao seu povo as mais difíceis missões. Deus chamou Abraão para que ele deixasse a terra de seu pai e viajasse para uma terra distante. Deus instruiu Moisés a ficar diante do Faraó e exclamar: “Deixa ir o meu povo” (Êx 5.1). Moisés respondeu como nós também costumamos responder: “Ah! Senhor! Envia aquele que hás de enviar, menos a mim” (Êx 4.13). Mas Deus rejeitou esse conselho; era sua vontade escolher Moisés. Certa vez, Deus instruiu o profeta Isaías a andar nu e descalço durante três anos, pregando o juízo contra o Egito e a Etiópia (Is 20.2–3). Deus orientou uma adolescente chamada Maria a carregar em seu ventre o Filho do Altíssimo, ameaçando sua reputação e seu noivado.
Por que Deus dá ordens tão difíceis? Por causa de seus próprios propósitos soberanos, mas também pelo propósito de sua graça. Quando Deus dá suas ordens mais difíceis, ele normalmente pretende realizar seus atos mais maravilhosos de libertação e salvação. Abraão foi enviado para Canaã para se tornar pai do povo da fé (Gl 3.7). Moisés foi enviado para o Egito para liderar o êxodo. A virgem Maria deu à luz o Messias para o mundo. Sempre que achamos que Deus nos chamou para uma tarefa que parece mais difícil do que conseguimos dar conta, nossa esperança deve ser que Deus pretende fazer algo grande e maravilhoso.
Evidentemente, a mais difícil de todas as ordens foi dada por Deus Pai ao Deus Filho. O Senhor Jesus Cristo se submeteu à vontade do Pai com alegria, mesmo quando isso significou a morte cruel na cruz romana. Jesus conhecia a profecia que dizia sobre ele: “… ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado” (Is 53.10). Mas Jesus respondeu: “Eis aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito), para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hb 10.7). Por que Jesus obedeceu a uma ordem que levaria à sua morte na cruz? Ele obedeceu porque conhecia e confiava em Deus Pai, assim como também devemos fazer. Ele sabia que Deus é fiel e que todos os seus propósitos são bons e santos. Jesus amava o Pai e se alegrava ao cumprir sua vontade e manifestar sua glória. Essa deveria ser a nossa atitude também. Jesus sabia que os propósitos de Deus – por mais severos que sejam – são os propósitos da glória e da graça. Após predizer a cruz, Isaías acrescentou: “[Ele] verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos” (Is 53.10). Então Jesus sabia que, além da cruz, esperava a coroa da glória da ressurreição. Nossas cruzes são parecidas nesse sentido: por meio da obediência a chamados difíceis, podemos ter a esperança da provisão divina de poder e da recompensa da glória eterna.
O caráter dessa ordem a Jonas – seu caráter soberano, repentino, difícil e justo – se repete em nossa vida. Devemos nos queixar? Devemos nos revoltar? Devemos arrastar nossos pés e revidar? Não se a ordem vier de Deus. Ele tem o direito e ele conquistou a confiança para que lhe obedeçamos ao pé da letra. Os cristãos que conhecem o Senhor e compreendem os seus caminhos receberão, portanto, a palavra do Senhor em obediência humilde, submissa e com alegria.
A fuga de Jonas
No entanto, não foi isso que Jonas fez. Deus ordenou a Jonas que se levantasse, e Jonas se levantou. Mas ele não foi para Nínive. Foi na direção oposta.
Podemos ver isso de duas maneiras. Primeira, “Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor, para Társis” (Jn 1.3). Existem debates sobre a localização de Társis, mas tudo indica que a cidade se encontrava a oeste do Mar Mediterrâneo, atravessando o Estreito de Gibraltar, em algum lugar na costa oeste da Espanha atual. O que interessa aqui é que a cidade se encontrava na direção oposta a Nínive. Podemos imaginar como Jonas recebe a ordem de Deus, levanta-se, mas, ao invés de ir para a direita, vai para a esquerda, afastando-se o mais rápido possível do lugar para onde deveria ir. Seu propósito era “fugir da presença do Senhor”. Társis parecia perfeita para isso, tratava-se de um daqueles lugares distantes em que não se ouvia o nome do Senhor.
Segunda, Jonas procurou um navio no porto de Jope: “… tendo descido a Jope, achou um navio que ia para Társis” (Jn 1.3). Jope não era um porto israelita, de forma que Jonas não precisava temer perguntas desagradáveis. Talvez conseguisse discutir com alguns infiéis seu plano de fugir de Deus sem ser importunado. Neste ponto, ele é igual aos cristãos que escolhem seguir um caminho pecaminoso e evitam outros cristãos deixando de ir à igreja.
Eles justificam o que estão fazendo e inventam desculpas para suas escolhas. Se questionados, negariam a natureza pecaminosa de seu desejo. Mas, como no caso de Jonas, o fato de eles evitarem a companhia santa demonstra o estado verdadeiro de seu coração.
A fuga de Jonas era extremamente pecaminosa. Em primeiro lugar, ele estava pecando contra sua confissão de fé. Jonas era um israelita professo, um adorador de Yahweh, do único e altíssimo Deus. Ele faz essa declaração no navio a caminho de Társis: “Donde vens? Qual a tua terra? E de que povo és tu? Ele lhes respondeu: Sou hebreu e temo ao Senhor, o Deus do céu, que fez o mar e a terra” (Jn 1.8–9). Seus atos, porém, zombavam dessas palavras e agravaram seu pecado.
O mesmo vale para os cristãos que desobedecem descaradamente à Palavra de Deus. Uma coisa é um ateu professo andar no pecado, e outra um cristão fazer o mesmo. Quando um cristão opta pelo pecado, é muito pior. Nossa profissão de fé exige uma vida entregue a Deus. João Calvino comenta: “Todos aqueles que não obedecem voluntariamente aos mandamentos de Deus fogem de sua presença”.
Um dos grandes problemas da atualidade é que muitas pessoas professam ser cristãs – pesquisas mostram que uma maioria de norte-americanos alega ter nascido de novo –, mas poucas dão seguimento a essa profissão com vidas cristãs autênticas. Contudo, é a santidade prática que valida a profissão de fé. Se Jonas nunca tivesse se arrependido, se ele tivesse passado o resto de sua vida em Társis, teríamos todo o direito de deduzir que sua profissão de fé era falsa e que ele não acreditava no Senhor. O mesmo vale para as multidões de hoje que fazem a “oração do pecador” ou que sobem ao altar num evento de reavivamento, mas nunca produzem o fruto de uma vida transformada.
Em segundo lugar, Jonas estava pecando contra seus privilégios. Afinal de contas, ele era um profeta do Senhor. Ele se beneficiava de um conhecimento pessoal de Deus e da revelação direta do céu. De certa forma, todos os israelitas viviam na presença de Deus. Eles viviam na terra de Deus e tinham acesso a Deus em seu templo. Mas um profeta desfrutava ainda mais desses privilégios. Poderíamos compará-lo com crianças criadas em lares cristãos e com cristãos que recebem o ensinamento da Bíblia. A Palavra de Deus nos traz a presença de Deus, e por meio do nosso privilégio da oração temos acesso ao trono da graça. Como são grandes os nossos pecados, especialmente o tipo de rebelião aberta demonstrada aqui por Jonas, à luz desses privilégios. O privilégio traz consigo obrigações e agrava o pecado dos cristãos que decidem desobedecer.
Em terceiro lugar, Jonas estava pecando contra a lógica. Ele acreditava que podia “fugir da presença do Senhor”. Mas sua própria profissão de fé revelava como isso era impossível. Diferentemente dos pagãos, Jonas sabia que ele não servia a uma deidade local ou limitada de qualquer outra forma: “Temo ao Senhor, o Deus do céu, que fez o mar e a terra” (Jn 1.9). Sendo este o caso, não havia lugar para onde pudesse fugir da presença de Deus. O pecado nos faz agir como verdadeiros tolos.
O salmo 139 serve como comentário para sua tolice:
Para onde me ausentarei do teu Espírito?
Para onde fugirei da tua face?
Se subo aos céus, lá estás;
se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também;
se tomo as asas da alvorada
e me detenho nos confins dos mares,
ainda lá me haverá de guiar a tua mão,
e a tua destra me susterá.
Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão,
e a luz ao redor de mim se fará noite,
até as próprias trevas não te serão escuras (Sl 139.7–12).
Conheço homens cristãos confessos que abandonaram suas esposas por outras mulheres, mas mesmo assim garantem aos amigos: “Isso é para o bem de todos nós. Deus entende que eu preciso sentir-me mais amado. E tudo acabará dando certo para os nossos filhos”. Mas isso é uma grande ilusão. Eles estão fugindo da vontade de Deus claramente revelada na Bíblia. Ao adquirirem uma nova esposa e um novo círculo de amigos, e ao encontrarem talvez uma igreja “mais tolerante”, onde as pessoas não julguem, eles não conseguirão escapar de Deus. Não há lugar onde Deus não esteja, e não existe caminho que possamos seguir para escapar de sua presença e do seu julgamento.
O comentário da Bíblia sobre as ações de Jonas é claro. Deus ordenou a Jonas que se levantasse, mas, em vez disso, ele “desceu” para Jope. Quando nos revoltamos contra as ordens de Deus, sempre fazemos um movimento “para baixo”. Não há dúvida de que Jonas teria explicado que estava evitando os israelitas mesquinhos e legalistas, mas na verdade ele estava tentando escapar da presença de Deus. Uma das grandes lições dessa história é que podemos fugir do nosso lar, da comunhão cristã e da igreja, mas nunca conseguimos fugir de Deus. A fuga de Jonas estava condenada pela tolice desde o início.
Devemos aprender essa lição de Jonas. Nossa profissão de fé exige uma vida entregue a Deus em obediência. Nossos privilégios trazem uma responsabilidade, de forma que nosso pecado é agravado segundo a medida de graça e conhecimento que recebemos. E nosso pecado é sempre insensato. O pecado sempre nega algo sobre Deus. Ou nega Deus como Provedor, ou como Pai, ou como Salvador, ou como Juiz. Ele nega os atributos divinos da bondade, do poder, da santidade e do amor. O pecado sempre nos leva na direção que Jonas tomou: para baixo. Deus ordenou que ele se levantasse, mas na amargura de seu coração ele “desceu a Jope”, “ao porão do navio” (Jn 1.3,5), e finalmente desceu para as profundezas do mar. No fim das contas, o pecado nos arrastará para as profundezas eternas do inferno, para longe da presença da misericórdia e da graça de Deus – mas não de sua ira.