Você Ama a Deus?
TEXTO
O AMOR DE DEUS POR SEU POVO
(4.7–12)
A procedência das coisas é um tema essencial nessa carta. O apóstolo exorta seus leitores a que sempre procurem distinguir a origem das coisas (4.1)
É próprio da natureza de Deus amar o homem, e “este amor se reflete e se manifesta onde quer que o verdadeiro conhecimento de Deus se espalhe” (J. Calvino). Assim, é natural que os filhos de Deus tenham amor uns pelos outros, já que são nascidos de Deus e receberam de sua divina natureza.
Aquele que não ama não conhece a Deus (4.8a), em contraste com a situação que João descreveu no versículo anterior. Mesmo que alguém professe conhecer a Deus, crer nele e segui-lo, a falta de amor revela seu verdadeiro estado espiritual. Tal pessoa faz parte deste mundo, que não conhece a Deus (3.1b).
O fato de que Deus é, em sua essência, amor, traz inevitavelmente a conclusão que os nascidos de Deus e que o conhecem também amam. É a terceira vez que João faz aplicações diretas decorrentes do ser de Deus. Na primeira, ele declarou que Deus é luz (1.5), e em seguida aplicou: quem tem comunhão com Deus não pode andar nas trevas (1.6). Na segunda, que Deus é justo; logo, quem for de Deus vai praticar a justiça (2.29; 3.7). Agora, na terceira aplicação, afirma que Deus é amor. Portanto, quem é nascido de Deus ama seu irmão. Que testes penetrantes para todos os que professam ser cristãos!
A vinda do Senhor Jesus ao mundo tornou plenamente conhecido o amor de Deus pelo seu povo. Há muitas outras provas do amor de Deus, desde a criação do mundo até sua providência em cuidar da humanidade em geral.
Deus os amou antes da fundação do mundo, e esse amor não foi uma retribuição ao amor deles por Deus. Não decorreu de nada que Deus tenha visto neles. Não foi porque Deus viu, em sua presciência, o amor de algumas pessoas por ele, que ele então, por sua vez, as amou, escolheu e predestinou. Mas a grandeza do amor de Deus consiste exatamente nisto, em que ele nos amou livremente, sem que merecêssemos outra coisa senão morte e punição eternas
Amados, se Deus de tal maneira nos amou, devemos nós também amar uns aos outros (4.11; cf. Jo 13.34). Aqui estão as implicações da manifestação do amor de Deus em Cristo. Mais uma vez João apela aos “amados” para que “amem” (cf. 4.7). E agora o motivo é o grau em que Deus os amou. Motivados pela grandeza desse amor, os cristãos devem exercer o amor fraternal uns para com os outros (Ef 5.2), como o samaritano que amou livremente seu inimigo judeu (Lc 10.37). Amar é uma dívida de todos que foram alcançados por um amor tal como o de Deus. O devedor perdoado pelo rei deveria ter igualmente perdoado seu colega (Mt 18.32–33), como os israelitas que deveriam amar o estrangeiro por terem, eles mesmos, sido estrangeiros no Egito, sendo de lá libertos por Deus (Dt 24.22).
É no amor fraterno entre irmãos que o amor de Deus alcança sua perfeição, isto é, o resultado completo que Deus havia almejado. “Deus se mostra presente quando, pelo seu Espírito, ele transforma nosso coração de tal forma que amamos uns aos outros” (J. Calvino).
A motivação correta para amarmos os irmãos é que Deus nos amou. Portanto, independentemente das atitudes de nossos irmãos, devemos continuar a amá-los, pois nossa motivação não é a conduta mutável deles, mas o amor imutável de Deus por nós. Você condiciona o amor aos irmãos às atitudes deles para com você?
O apóstolo faz isso sob a forma de testes e evidências da verdadeira religião, visto que os crentes da Ásia, aos quais escreve, estavam sendo questionados por pregadores com ideias pré-gnósticas. Uma questão crucial, sem dúvida, seria a união com Deus, um tema favorito do gnosticismo. Os gnósticos acreditavam que por meio do conhecimento secreto que lhes fora revelado, eles poderiam se conhecer e se conscientizar da sua origem divina, alcançando assim o alvo supremo deles, que era união com Deus. Pode ser que isso tenha deixado muitos crentes confusos. João, porém, esclarece seus leitores que a união dos crentes com Deus se dá como resultado da atuação das três pessoas da Trindade: a dádiva do Espírito (4.13), a obra do Filho (4.14–15) e o amor do Pai (4.16). É disso que o apóstolo trata nessa passagem
“Permanecer” é a palavra-chave da passagem.
A permanência de Deus no crente significa sua presença e atuação constante nele, apesar da sua natureza pecaminosa. E a permanência do crente em Deus significa a confiança continuada em Deus e as consequências que daí advêm.
As Pessoas da Trindade são iguais em glória, majestade e poder. Porém, decidiram que tomariam papéis diferentes quanto à salvação do mundo. O Pai envia, o Filho executa, o Espírito aplica, e isso sem que seja prejudicada a igualdade das Três Pessoas.
Após dar testemunho acerca da missão de Jesus Cristo, João faz uma aplicação quanto à permanência mútua. Aquele que recebe o testemunho apostólico de que Jesus Cristo é o Filho de Deus, que veio enviado pelo Pai para ser o Salvador do mundo, e confessa isso, está em relação de permanência mútua com Deus, pois é somente pela ação de Deus que o pecador pode reconhecer e confessar a Cristo como Salvador. Assim, a consciência da permanência em Deus e de Deus em nós decorre dessa confissão pública de Jesus. Além disso, a confissão verdadeira de Jesus Cristo é colocada por João nessa carta como prova de que alguém tem o Pai (2.23) e que procede de Deus (4.2). É claro que não se trata de uma confissão da boca para fora, que qualquer ignorante ou herético possa fazer, mas de uma confissão que procede de um coração iluminado, crente, regenerado, habitado por Deus mediante o Espírito Santo.
“Esta confissão da divindade de Cristo também implica entrega e obediência; não é algo somente da boca para fora” (A. T. Robertson)
E aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele (4.16b). Se Deus é amor, essa é a implicação lógica e prática. Aqui temos a última evidência da relação de permanência mútua entre Deus e o crente. O “amor” ao qual João se refere pode significar o amor de Deus por nós,
O amor fraternal, portanto, é mais uma evidência da nossa união com Deus – e não aquele conhecimento secreto defendido pelos mestres gnósticos.
O PERFEITO AMOR
(4.17–21)
Ou seja, é nessa relação de mútua permanência que o amor é aperfeiçoado. Pode parecer, a princípio, que João esteja se referindo aqui ao amor de Deus por nós, o qual ele mencionara no verso anterior (cf. 4.16a). Porém, no desenrolar da passagem, percebemos que João já mudou para o amor do cristão a Deus (cf. 4.19–21). Portanto, o sentido da passagem é que o amor do cristão a Deus é aperfeiçoado nessa relação mútua de permanência.
Aperfeiçoado vem de um verbo cuja raiz significa amadurecer, completar. Literalmente, João escreveu que o amor tem sido aperfeiçoado conosco, dando a ideia de uma ação de Deus que teve seu início em nós no passado, mas cujos efeitos se estendem até o presente, despertando e estimulando o crescimento e amadurecimento do nosso amor a ele (cf. Tg 2.22).
Pois, segundo ele é, também nós somos neste mundo (4.17c). João acrescenta aqui outra causa da confiança dos cristãos. A chave para entendermos essa frase é a palavra “ele”. A quem João se refere? A Deus? Talvez a melhor alternativa seja uma referência ao Senhor Jesus. Nesse caso, o sentido seria este: da mesma forma que o Senhor Jesus, filho de Deus, é amado pelo Pai, nós, que em Cristo somos também filhos de Deus (cf. 3.1), vivemos neste mundo abrigados e protegidos por este amor. Portanto, não há o que temer no Dia do Juízo, se vivemos neste mundo na mesma situação em que Cristo viveu.
No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo (4.18a). O apóstolo descreve essa atitude de confiança, agora em contraste com o medo. O remédio para o medo de Deus é o amor a ele. O amor perfeito a Deus expulsa o medo dos corações em que habita, trazendo uma perfeita conformação ao ser e à vontade soberana de Deus. Tal amor nos persuade, por seu turno, do amor do próprio Deus para conosco. Nessa relação de amor, o medo não encontra lugar (cf. Rm 8.15; 2Tm 1.7).
É preciso fazer uma diferença entre medo e temor. O medo ao qual João se refere provém da consciência culpada de quem não encontrou perdão e reconciliação com Deus; é a emoção de quem espera ser castigado e receia por sua condenação. O temor a Deus é bíblico, é a substância da verdadeira religião (cf. 1Pe 2.17; Ap 14.7); consiste num santo respeito e reverência diante do Deus Todo-Poderoso e é perfeitamente compatível com o amor a Deus (Hb 12.28).
Precisamos ainda esclarecer que João não está ensinando que aqui neste mundo o nosso amor a Deus pode se tornar um amor impecavelmente perfeito, mas sim que pode vir a ser um amor “desenvolvido e maduro, fixado inflexivelmente em Deus” (J. Stott).
O crente não pode fazer outra coisa senão amar a Deus, em retribuição. Assim, a causa de nosso amor a Deus não se encontra em nós mesmos, como se por nossa iniciativa tivéssemos resolvido ou decidido amá-lo, mas encontra-se no próprio Deus, que primeiro nos estendeu seu eterno amor (Jo 15.16). “Seu amor é o incentivo, o motivo e a causa moral do nosso amor” (Matthew Henry)
A confissão da fé, entretanto, tem de ser acompanhada de evidências que comprovem a sua genuinidade
“O cristão tem em si, de forma visível, muita coisa da parte de Deus. Como então aquele que odeia a imagem visível de Deus pode pretender amar o original invisível, o próprio Deus?” (Matthew Henry).
Ora, temos, da parte dele, este mandamento: que aquele que ama a Deus ame também a seu irmão (4.21). O segundo argumento de João é que o amor a Deus e o amor aos irmãos em Cristo estão ligados por um mandamento divino. O mandamento de Deus ajuntou estas duas coisas, amor a Deus e ao irmão em Cristo (2.3; 3.23–24; 5.3). Quem tem uma, tem a outra. A ausência de uma implica na ausência da outra
A REVELAÇÃO DO AMOR DE DEUS – 1 JO 4:7-10
o amor, que é o centro determinante de toda a existência cristã.
muito mais importantes são a essência de Deus e a essência de uma vida condizente com Deus