Romanos 1.16-17

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O autor sintetiza a temática da justificação pela fé, como expressão do poder de Deus no evangelho para a salvação.

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A justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé” (Rm 1.17).
Pr. Paulo U. Rodrigues

Introdução

Após ter expressado sua gratidão a Deus pela operação do evangelho em Roma, provocando sua proclamação em todo o mundo (v. 8), e por meio do qual Paulo deseja, ao encontrar-se com aqueles irmãos, partilhar de seus efeitos mediante a edificação e confirmação da fé mútua, agora ele apresenta o tema de sua carta, isto é, o evangelho que está “pronto a anunciar também a vós outros, em Roma” (v.15).
A temática básica acerca da qual o apóstolo Paulo discorrerá em sua carta é a manifestação da justiça de Deus na salvação do pecador. A problemática a ser respondida gira em torno de como o SENHOR sendo justo, pode salvar pecadores da condenação merecida. Nos dois versos que introduzem a tese e, consequentemente, abrem a seção argumentativa de seu escrito (i.e. o corpo da carta), o autor sintetiza de maneira vívida e direta como o evangelho que prega e pretende anunciar entre os cristãos romanos, proclama a veracidade disso.
Se nos versículo 1 à 7 ele apresentou o conteúdo do evangelho, qual seja: a obra do Deus Triuno pela designação de Jesus Cristo como o meio através do qual a salvação é executada, agora ele abarca a natureza do evangelho como “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (v.16). Antes de elaborar o modo como o evangelho é aplicado ao pecador, fazendo com que este desfrute da graça salvadora, Paulo explícita que ele é o ‘δύναμις’ divino que assegura a transformação ou mudança da condição do homem, pela instrumentalidade da fé.
A partir da citação de Habacuque 2.4, que aglutina todos os termos e carga semântica que resumem o evangelho, Paulo declara a máxima que embasa todo o seu ensino e ministério de publicação do evangelho: “o justo pela (ou lit. “da”) viverá”.
Notando tais contornos, o texto de Romanos 1.16-17, salienta a tese da demonstração da natureza do evangelho: o poder de Deus para a salvação mediante a fé.

Elucidação

Como introduzido, o grande tema que o apóstolo Paulo discorrerá em sua epístola é a justiça de Deus, e de como o SENHOR pode aplicá-la ao pecador, sem condená-lo. De 1.18 até 3.20, o apóstolo preocupar-se-á em estabelecer o quadro geral de toda a humanidade como estando na condição de pecado e miséria. Isto posto, como seria possível haver salvação da parte do Deus Triuno, sem que houvesse algum tipo de concessão corrupta de sua parte anulando ou inocentando o pecador? Como um Deus santo pode redimir judeus e gentios de suas transgressões sem incorrer em contradição à sua própria natureza santa e justa, que demanda que pecadores sejam condenados por suas ofensas? A resposta sintetizada pelo autor apresenta a solução evidenciando, como dito, a natureza do evangelho: a salvação é uma obra do poder de Deus.
O autor elabora aos seus leitores/ouvintes que o evangelho que está disposto a anunciar aos cristãos romanos (v.15) é a demonstração do poder divino na mudança da condição de condenação para a de perdão e redenção que proporciona a revelação da justiça do SENHOR em tal obra.
O ponto de partida do apóstolo é a declaração inicial do versículo 16: “Pois não me envergonh[a] [o] evangelho”. Há uma conexão estabelecida pelo apóstolo, entre ele e o público ao qual se dirige. Segundo abordado no versículo 8, a fé daqueles irmãos estava sendo proclamada em todo o mundo, ganhando notoriedade mesmo num contexto contrário, no qual a imoralidade e paganismo eram tão influentes. Fazendo alusão ao que foi dito no verso 15, o evangelho que o apóstolo anunciaria, não lhe causava qualquer constrangimento, apesar da oposição, e isso por uma razão simples, porém, de essencial relevância: “o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (v.16b).
A ênfase do autor consiste na esquematização de um contraste que, invariavelmente, conduz o leitor/ouvinte à concordância quanto a impossibilidade de sentir-se constrangido ou vexado em razão do evangelho. Como alguém poderia se sentir envergonhado da manifestação do poder de Deus na salvação de pecadores que, atraídos por meio da fé em Cristo, são declarados justos, emitindo assim a publicação da própria justiça do SENHOR? Os termos da oração apresentam a base de seu argumento: Paulo não proclamaria aos cristãos romanos uma acepção ideológica, ou filosofia da qual alguém, tendo em vista uma perspectiva contrária que pusesse em cheque suas afirmações, poderia ver-se envergonhado. Tampouco se tratava de algum partidarismo ou movimento humano. Paulo está lidando com o modus operandi através do qual Deus anuncia-se como justo na declaração de salvação/redenção de pecadores (judeus ou gentios). Isso só pode ser resultado da operação de algo de ordem incomparavelmente superior, pois a realidade humana não pode reproduzir tal efeito, tendo em vista, segundo já aludido, a condição igualitária de todos os homens à queda e corrupção do pecado.
Essa tão enfática declaração do apóstolo, é acompanhada de um desenvolvimento que especifica o entendimento de seus leitores quanto a como ocorre a operação do poder de Deus/evangelho: em primeiro lugar, o apóstolo introduz a instrumentalidade da fé na recepção de tamanho benefício, pois a salvação destina-se a todo o que crê (gr. παντὶ τῷ πιστεύοντι), sendo assim fixado um requisito; não para que os homens o possam atender, mas como como ferramenta divina na efetivação do propósito redentor, a saber: a fé. Em segundo lugar, como será discorrido mais adiante nos capítulos 2 e 3, tal operação não faz qualquer acepção de pessoas pois, numa que todos estão nivelados sob um mesmo estado de perdição, nenhuma qualidade haveria nos homens que dispusesse o coração de Deus a sentir-se inclinado a preferir qualquer deles como receptor de sua graça.
Assim, as duas categorias listadas de beneficiários, quais sejam, judeus e gentios (gr. Ἰουδαίῳ τε πρῶτον καὶ Ἕλληνι), dão conta de expor a situação comum de ambos no tocante à salvação, embora seja destacado que, seguindo o plano da promessa de Deus, os primeiros a serem ouvintes da boa nova serão aqueles originários do povo a quem “[…] pertence a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo…” (9.4-5b).
Após declarar a natureza do evangelho, o autor avança na proposição da temática a respeito da qual discorrerá na carta, centralizando a justiça divina no evangelho, efetivando a obra salvadora sobre os pecadores que chamou para pertencerem a Cristo (cf. v.6).
A construção da frase do versículo 17 destaca a importância dada pelo apóstolo a defesa de uma concepção adequada da manifestação do poder de Deus na salvação do pecador. Paulo não está justificando o uso do poder de Deus de modo irrestrito, como que supondo o uso da prerrogativa divina de modo a desconsiderar as implicações disso. Se assim fosse, segundo comentado, o evangelho promoveria a injustiça de Deus e não o contrário, ou seja, uma violação ao invés de ratificação de seu caráter santo. Diante disso, o uso do termo justiça (gr. δικαιοσύνη) fica responsável por estabelecer o modo como ocorre o processo de justificação, isto é, o processo perdoador operado por Deus. Entretanto, é impossível distanciar-se do elemento central ratificado por Paulo (qual seja: o evangelho), sem comprometer o entendimento que o apóstolo quer remeter aos cristãos romanos quanto a como a salvação é finalmente concedida ao pecador.
Na saudação (vv.1-7), Paulo demonstrou que o evangelho “diz respeito [ao] Filho […] a saber, Jesus Cristo” (vv.3,4), e de que foi por meio dele que os gentios em Roma foram contados no número dos chamados para o pertencerem, como já frisado. Mais adiante Paulo, unirá novamente os dois princípios (i.e. evangelho (a pessoa e obra de Cristo) e justiça), afirmando que “justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1), e que foi por meio de “um só ato de justiça (de Cristo) [que] veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida” (Rm 5.18).
O processo de revelação da justiça do SENHOR ocorre quando, pelo seu poder, Cristo Jesus age por sua vida santa e sacrifício substitutivo, assumindo a culpa de pecadores, enquanto que estes, pelo mesmo poder divino, o vêem e creem nele como o único meio de obter vida/salvação, sendo declarados pelo Pai como justos.
Segundo afirmado, o instrumento providenciado por Deus para que seja fixado esse vínculo que proporciona ao pecador a redenção é a fé. Segundo Paulo: “a justiça de Deus é revelada ______ de fé em fé. Ao retornar ao objetivo de Paulo para com a carta que redige aos cristãos romanos, fica evidente o porquê de sua ênfase na fé. O ânimo dos destinatários é novamente fortalecido com a veracidade de sua salvação, e isso sendo feito a partir da simples confirmação de sua fé no Senhor Jesus Cristo. É porque têm fundamentada e clara a certeza de que o Filho de Deus, pelo poder do Espírito (cf. v.4), viveu, morreu e ressuscitou, que os crentes romanos podem descansar sobre o firme fundamento dos méritos de Cristo para sua vivificação.
Substanciando sua afirmação, Paulo complementa seu argumento com uma citação do texto de Habacuque 2.4: “Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé”. O contexto do versículo citado é de uma súplica feita pelo profeta, a que Deus o ouça e salve seu povo da opressão dos caldeus. Na passagem, Habacuque destaca a crueldade dos inimigos do SENHOR, inclusive ressaltando a pureza divina:
Habacuque 1.12–13 ARA
Não és tu desde a eternidade, ó Senhor, meu Deus, ó meu Santo? Não morreremos. Ó Senhor, para executar juízo, puseste aquele povo; tu, ó Rocha, o fundaste para servir de disciplina. Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?
A resposta do SENHOR ao profeta assegura-lhe a salvação da opressão; diante da tribulação e angústia, o conforto divino de Deus ao seu servo transmite a mensagem de que o soberbo, em sua arrogância, cairá, mas, de contrapartida, “o justo viverá pela fé”. O contexto de salvação divina em favor do oprimido é emparelhado por Paulo e remetido aos destinatários de seu texto. Aqueles que não poderiam livrar-se de seus algozes, serão salvos por Deus; Aquele em quem creem como única fonte de salvação.
O evangelho, segundo Paulo, aglutina três elementos que proporcionam o louvor do SENHOR como justo na salvação de pecadores, sem comprometer seu caráter, e livrando completamente do pecador do destino que, por seu estado de corrupção e queda, era certo, quais sejam: JUSTIÇA — FÉ — SALVAÇÃO. É a correlação harmônica desses três elementos que formam a manifestação gloriosa do evangelho, e o fator que proporciona essa harmonia não é outro senão o poder de Deus.

Síntese

Antes de discorrer sobre o modo como Deus pode dar glória ao seu nome pela declaração de sua justiça na salvação do pecador, o texto de Romanos 1.16-17 assevera a natureza do evangelho, explicando como tal impossibilidade aos homens (Mt 19.25-26) pode ser possível e é realizado pelo Deus Triuno. O vínculo entre o Deus Santo e o pecador miserável é a fé em Cristo que por seu evangelho, que opera a declaração de justificação que põe judeus e gentios novamente num relacionamento pacífico com o SENHOR.
Frente a essa compreensão, algumas verdades devem ser apreendidas.

Aplicações

1. É necessária a contemplação e reflexão quanto a natureza do evangelho, pois, sem a perceção de que o evangelho é O PODER DE DEUS para a salvação de pecadores, perderemos a base que nos conduz a factibilidade da redenção, numa que não podemos supor que haja algo no mundo humano capaz de reproduzir nossa salvação, sem que tenhamos de ou ferir os atributos divinos, ou negar a corrupção humana.
Sem a aceitação de que o evangelho é algo de natureza completamente superior à realidade humana, é impossível manter-se fiel à narrativa bíblica quanto aos principais entes envolvidos no drama cósmico. O que as Escritura nos apresentam é um Deus santo, puro, reto e justo, ao passo que o ser humano, após a queda, é apresentado como corrupto e impossibilitado de, por sua própria vontade, acender ou buscar a Deus mediante um padrão de vida que lhe seja aceitável.
O único fator que pode por em harmonia essas duas entidades, agora, num estado de antagonia, é o evangelho do próprio Deus, referido nas Escrituras como seu poder (gr. δύναμις), isto é, algo que transcendente ao homem, e que estando fora de si mesmo, por sua propriedade, adentra a realidade humana, muda sua natureza e a reconduz ao SENHOR, garantindo a preservação do status quo do SENHOR e de todos os seus atributos.
A imaginação humana caída tende sempre a querer reduzir essa realidade, tornando o evangelho cativo à filosofias, ideias, culturas, éticas e etc., buscando com isso fugir da assustadora afirmação revelacional de que a salvação é um dom de Deus fora de seu alcance. A grande mensagem das Escrituras põe o homem de joelhos, pois evidencia um questionamento que não pode responder por sua própria “sapiência”: como um Deus santo pode justificar pecadores? a resposta bíblica é: pelo seu poder.
O evangelho de Deus em Cristo, pela morte e ressurreição deste, declara a justiça do SENHOR na salvação de pecadores. O mesmo poder que trouxe à existência todas as coisas e que mantém toda a criação debaixo do seu poder (Hb 1.2-3), retira o homem de seu estado de morte trazendo-o à vida, e tudo isso pela instrumentalidade da fé, o que nos leva ao segundo ponto.
2. O único meio de receber o benefício da salvação é crer — ter fé — no Senhor Jesus Cristo como o Mediador provido pelo Pai e pelo Espírito Santo, e qualquer adição a essa máxima, adultera o evangelho bíblico, pois é claramente dito que “o justo VIVERÁ DÁ FÉ”.
Esta foi a grande batalha que os reformadores travaram, dentre eles, por exemplo Martinho Lutero. O dilema da alma de Lutero foi exatamente o referido supra: “como posso ser justo se sou pecador? Como um Deus santo pode salvar pecadores”? Até que ele, lendo exatamente esta mesma passagem, foi levado a compreender a operação maravilhosa do Deus Triuno, que realizou o prodígio da salvação habilitando o pecador a lançar toda sua confiança nAquele que o redimiu mediante o santo sacrifício, Jesus Cristo, tendo FÉ nele e em sua obra.
Assim, Lutero pôde declarar: “simus justus et peccator” = “simultaneamente justo e pecador”, isto é, ainda que o indivíduo viva sob a influência do pecado (ou seja, ainda que peque, embora se esforce para não fazê-lo), pela fé em Cristo, ele já foi declarado justo por Deus.
Nada obstante, séculos depois de os reformadores terem erguido a bandeira da justificação pela fé somente (sola fide), o evangelho precisa ainda ser reafirmado por nós, pois a ameaça de sujar a declaração da justiça divina sempre nos ronda.
Seitas e concepções “teológicas” hoje ainda postulam algum nível de acréscimo ao evangelho, nos distanciando da compreensão de que a salvação é um dom exclusivo do SENHOR. Obras, confiança nos méritos de outros além de Cristo, confusão quanto a nossa natureza (i.e. negação da depravação total), todas essas coisas tentam acrescentar algo ao poder de Deus, e se assim pudesse acontecer, o poder de Deus não seria o único meio que realiza nossa salvação, e assim, a declaração de justiça divina seria anulada, pois o SENHOR não poderia reclamar para si toda a glória.
A descrição do apóstolo Paulo é categórica: “ἐκ πίστεως εἰς πίστιν” = dapara a fé, ou como sugere Grant Osborne, “do princípio ao fim é pela fé” (São Paulo: Editora Carisma, 2022, p.68). Não há acréscimos, adições ou contribuições outras; a manifestação do poder de Deus na salvação, consiste em o pecador ser considerado justificado ao ter sido trazido à fé em Cristo Jesus.

Conclusão

Martinho Lutero passou anos de sua vida atormentado por seus pecados, e pela confusão de sua alma que não entendia como seria possível que o SENHOR amasse e salvasse pecadores. Mais tarde, alguém escrevendo suas conversas à mesa, registrou:
[…] Aquele que pode dizer, “sou um filho de Deus por meio de Cristo, o qual é minha justiça”, e não se desespera, embora imperfeito no tocante às boas obras, nas quais sempre fracassamos; este indivíduo crê corretamente. Contudo, a graça é tão grandiosa, que maravilha o homem e é dificilmente crível. De maneira que a fé concede a honra a Deus, aquele que pode e ira realizar o que prometeu, a saber, tornar pecadores justos […] (LUTERO, Editora Monergismo, 2017, p. 178).
Após tantos anos, Lutero ainda estava maravilhado com o evangelho, espantando em como alguém poderia conceber tamanha obra, e ele estava certo em sua admiração, pois havia sido exposto a nada menos do que o poder de Deus: o evangelho.
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