O Rei sobre o caos (Mc 4.35-41)

O Rei que se tornou servo: sermões no Evangelho de Marcos  •  Sermon  •  Submitted   •  Presented
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O Rei sobre o caos (Mc 4.35-41)

Introdução

Marcos deseja, mais do que nunca, concentrar a atenção de seus leitores numa pergunta essencial: “Quem é Jesus?”. Depois de revelar o Reino por parábolas – o Semeador, a Candeia, a Semente e o Grão de mostarda (Mc 4.1-32) – ele agora mostra Jesus como Deus encarnado e sua importância para o discipulado. Os relatos que vêm a seguir respondem com clareza: Jesus é Senhor sobre a natureza (Mc 4.35-41), sobre os demônios (Mc 5.1-20) e sobre a doença e a morte (Mc 5.21-43). No relato de hoje, a fé dos discípulos é testada, Jesus revela seu poder e autoridade, e a pergunta deles - “Quem é este?” - uma pergunta que precede a fé - nos desafia a responder quem Ele é para nós.

Exposição

O Senhor que acalma a tempestade

1. A continuidade do dia e a tempestade (35-37)

Era o mesmo dia das parábolas, um dia longo de ensino às multidões. Jesus, ainda no barco de onde falava (Mc 4.1), dá uma ordem simples: “Passemos para a outra margem”. Outros barcos o seguiam, talvez com ouvintes curiosos ou discípulos extras (Mc 4.36). De repente, surge uma grande tempestade, com ventos e ondas violentas. O Mar da Galileia, 200 metros abaixo do nível do mar e cercado por montes, é um palco natural pra essas tormentas. O ar quente do lago sobe, encontra o ar frio descendo do Monte Hermom, e o choque gera tempestades súbitas, às vezes com ondas de até dois metros, como explica John MacArthur. O barco começa a encher d’água – uma ameaça real até pra pescadores experientes como Pedro e André. A cena ecoa Jonas 1.4, mas num contraste absurdo: de um lado, a tempestade acompanha quem foge em desobediência; do outro, acompanha quem está no centro da vontade de Deus. E no meio desse caos, temos algo, no mínimo, inusitado.

2. Jesus dormindo e a dúvida dos discípulos (38)

Jesus estava na popa, dormindo sobre um travesseiro – talvez um saco de lastro ou almofada de remador, como era comum. Ironicamente, é a primeira vez em Marcos que O vemos [quase] descansar de verdade: Ele dorme em meio à tempestade! Antes, tentou comer em casa, mas a multidão o cercou (Mc 3.20); quis orar a sós, mas os discípulos o acharam (Mc 1.36-37). Agora, nem o rugido da tempestade O acorda. Por quê? O cansaço humano explica: após um dia exaustivo, Ele dorme como homem. Mas há algo mais profundo: aquele que dorme é Senhor sobre o vento e o mar. Ele dorme porque repousa na soberania do Pai, como diz o Salmo 4.8: “Em paz me deito e logo pego no sono, pois tu, Senhor, me fazes repousar seguro”.
No entanto, assim como ele não consegue orar a sós sem que os discípulos o interrompam, também não consegue descansar. Os discípulos o acordam com uma pergunta cortante e acusatória: “Mestre, não te importa que pereçamos”? Ecoa a repreensão do capitão do barco de Jonas por dormir enquanto a tripulação está perecendo. Claro que Jesus poderia responder que “sim, eu me importo”, mas absolutamente há essa dúvida no coração dos discípulos: “Ele dorme porque não liga para nós”. Antes de descobrirem que Ele dorme por ser o Senhor, seus corações se convencem de que Ele dorme porque não liga para eles.

3. A autoridade de Jesus e a pergunta sem resposta (39-41)

A resposta de Jesus não é endereçada diretamente a eles. Ele não fala com os discípulos. Levanta-se e fala diretamente ao vento e ao mar: “acalma-te, emudece!”. A expressão de autoridade se assemelha a um exorcismo (1.25). O contraste com Jonas se apresenta novamente: Não é ele quem é expulso do barco, é Ele quem expulsa a tempestade. A natureza se conforma a palavra de Jesus. Não por oração ou encantamento, mas pela palavra autoritativa de Jesus (como em Gn 1,2).
A resposta que Ele tem aos discípulos é sua atitude diante da tempestade que os amedronta. “Eu durmo porque, mesmo neste corpo frágil, Eu Sou o Senhor do vento e do mar. Durmo porque descanso na providência do Pai. Me importo que pereçam e ajo no tempo certo, de forma que vejam que eu Sou o Senhor. Eu falo e eles obedecem. Eu falo e surge milagrosamente a bonança”. O tempo mudou.
Então, Ele os confronta: “Por que sois tão tímidos? Como não tendes fé?”. No grego, “tímidos” (deiloi) implica covardia, e “não tendes fé” sugere que a fé deles, embora presente, é insuficiente pra confiar n’Ele diante do caos. Interessante que, até aquela altura, as doenças responderam imediatamente às palavra de Cristo. Os demônios também. Agora, os elementos da natureza. Os discípulos, porém, continuam incrédulos. Antes eles estavam assustados com a tempestade, agora estão em pânico diante de Cristo, Como quando O confundiram com um fantasma (Mc 6.49-50), eles não declaram “Ele é o Senhor!”
Toda a situação convida os discípulos ao Salmo 107.23-32, onde o Senhor reduz a tempestade a uma brisa e serena as ondas. Ou ao Salmo 89.9: “Tu dominas o ímpeto do mar”. Ou Salmo 65.7 “que aplacas o rugir dos mares, o ruído das suas ondas”. Eles deveriam concluir que Jesus faz o que só Deus pode fazer (Mc 2.7-10). O salmo 107, porém, não vem à memória como uma resposta, mas alimentando uma indagação: quem é este? Não há resposta registrada. A pergunta que já vem sendo respondida em tantas demonstrações de Jesus (Mc 1.27) ainda está sem resposta para estes que o seguem: “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?”. A pergunta positiva diante da grandeza de Jesus precisa da resposta: Ele é Deus.
Como diz o poeta Stenio Marcius:
“Quem é? Quem é o homem neste barco?
Quem é? O mar e o vento lhe obedecem
Quem é? Depois que fala é calmaria
Mas eu tremo, eu tremo, eu morro de medo
Porque não deve ser outro
Este homem no barco ao meu lado é Deus”

Aplicações

1. Os atos poderosos de Jesus evocam um julgamento daqueles que os testemunham.

Os discípulos no barco que estava afundando tinham de escolher entre a fé e o temor. Nossa fé não vem desacompanhada de perguntas. E pelo que vemos isso está muito ligado a realidade de que a presença de Jesus é inquietante. Diante dele surge a pergunta que torna a fé possível: “quem é este?” Essa pergunta precisa ser respondida. Era essa pergunta que a tempestade deveria levá-los a fazer. Ele é o Senhor! E é no senhorio de Jesus que nossas dúvidas descansam. Nossas dúvidas precisam nos levar a resposta que Jesus é O Senhor!

2. Palavras e atos caminham juntos em Jesus.

Marcos quer que isso fique evidente no ministério de Jesus: aquele que ensina na sinagoga é o mesmo que logo expulsa demônios; que ensina às multidões e cura a muitos; que fala em parábolas e acalma a tempestade. Jesus encarna aquele trabalhador que descansa enquanto Deus realiza sua obra. Assim, Jesus tem revelado a si mesmo não no vácuo ou no mistério, mas na presença dos seus discípulos. E o que isso tem a ver conosco que somos discípulos de Jesus? Que não somente precisamos ver isso, mas compreender e aumentar a nossa fé. Não precisamos apenas ver as obras de Cristo e testemunhar a revelação que Ele dá de si mesmo como Filho de Deus, mas nos agarrarmos a isso, mesmo em meio às tempestades. Não precisamos escolher entre a doutrina de Cristo e a sua obra, mas declarar que Ele é o Senhor e descansarmos nisso. Sua revelação aumenta nossa fé. Diante de tudo que ocorreu Ele pergunta: “por que vocês estão com tanto medo? Ainda não tem fé?”.

3. A ameaça real à fé vem dúvida e do medo, e não da falta de conhecimento.

Outro dia vimos que as parábolas dividem multidão dos discípulos pois elas demonstram a quem é dado o revelar dos mistérios do reino de Deus e dão ocasião para que os verdadeiros discípulos busquem aprender mais de Cristo. Discípulos colocam suas dúvidas aos pés de Jesus para que Nele se revele as respostas que precisamos. No relacionamento com Cristo aprendamos mais. Mas, se mantemos a dúvida e abafamos o nosso relacionamento com Cristo e com sua palavra, definhamos. Se nos mantemos reféns do medo e do temor e não abraçamos o conforto e a garantia da redenção, somos engolidos. Jesus não repreende a falta de conhecimento dos discípulos, mas pelo temor e covardia (Mc 6.50,51; Ap 21.8).

4. Deus não está indiferente a nossas tribulações e sofrimentos.

Quando vemos aqueles discípulos no barco nos perguntamos como pode, ao mesmo tempo em que buscam em Jesus socorro, pensam que Ele negligencia a vida deles. Mais do que isso, vemos que assim também funciona o nosso coração muitas vezes. Mas na tempestade aprendemos que a fé não retira a tempestade de nossas vidas, mas nos fornece o meio para sobrevivermos a ela. No sofrimento, a fé nos inclina a confiar. Nos lembra a ordem do Filho: “passemos para a outra margem - e não “quem sabe passaremos para a outra margem”. Que a tempestade natural também estava ali contra o barco e contra o Filho de Deus, mas não pode inundar e afundar o barco no qual Jesus está com os seus discípulos. Que aquilo que nos atemoriza, um dia estará silente, reinará a bonança e diante de nós brilhará unicamente a glória do Filho de Deus.
S.D.G.
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