Tu Porém
Retiro 2025 • Sermon • Submitted • Presented
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1 Timóteo 6
1 Timóteo 6
A condição humana padece de uma singular cisão. As funções vitais do organismo – todos os processos metabólicos que ocorrem dentro do nosso corpo – são eventos imunes à nossa vontade e escolha conscientes. O coração bate, o sangue circula, os pulmões trabalham e o alimento é digerido sem que possamos decidir como acontecerá tudo isso. Sob o efeito do estímulo apropriado, o fígado segrega a bílis e as glândulas suprarrenais a adrenalina. A eficácia de um anestésico independe das crenças que o doente possa ter sobre o seu funcionamento.
Contudo, quando passamos do metabolismo interno do corpo para a nossa relação com os eventos do ambiente externo – para as nossas ações no mundo – imediatamente notamos uma mudança radical. O cardíaco é livre para decidir se vai ou não consultar o médico, e o cirurgião escolhe a melhor técnica para reparar o coração defeituoso. Ciente de que a digestão do alimento ingerido ocorre à sua revelia, aquele que precisa emagrecer pode optar, ou não, por um jejum intermitente para obter seus resultados.
Agir ou deixar de agir: a "livre agência" humana
Agir ou deixar de agir são eventos que de alguma forma partem do indivíduo, aquilo que Calvino chamava de "livre agência", e que nesse caso, portanto, está aberto à interferência de seus estados mentais – suas crenças, preferências e opiniões. O apóstolo Paulo, escrevendo a Tito, sabiamente disse: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora [...] educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tito 2.11-12).
As atividades no limite do controlável
Algumas atividades, é interessante notar, parecem situar-se na fronteira cinzenta do controlável. Se prestarmos atenção no fato (e se tivermos paciência para isso), podemos acelerar ou retardar a respiração. De outro modo (e enquanto dormimos), ela encontra o seu próprio ritmo.
Há quem diga, por exemplo, que acordar na hora desejada é um ato de vontade – algo que podemos nos forçar a fazer –, ao passo que nenhum esforço da vontade consciente consegue nos fazer adormecer quando o sono não vem. Estar ciente de que se deseja e precisa dormir costuma ser, de fato, um traço comum da insônia.
Há uma clara cisão (ruptura) entre aquilo que nos acontece e aquilo que fazemos. Essa experiência, cada um pode facilmente constatar por si mesmo.
A ética cristã como filtro: controlando o desejo e o impulso
A ética cristã é o filtro que modula a resposta do homem a esses impulsos e desejos. Ela não é apenas um controle moral, mas uma prática que impede que aquilo que nos acontece – como o medo, a raiva ou o desejo – determine de forma incontrolada as nossas ações. A ética ajuda a regular os desejos desordenados e a agir de acordo com o que é bom aos olhos de Deus, em lugar de se deixar guiar pelas reações impulsivas.
A ética e o controle da vontade sobre o desejo
A ética opera sobre nós como um filtro que modula e modera o apelo dos estados mentais aos quais somos passivos, de modo a atenuar seu poder sobre nossas ações. Isso não significa que sejamos impotentes, mas que, ao nos submeter à vontade de Deus, somos capacitados a fazer escolhas sensatas, justas e piedosas.
Podemos dizer que o mesmo raciocínio se aplica a uma gama de ocorrências emocionais que nos impelem a buscar um objetivo, como a preservação da nossa vida. Sócrates, em sua sabedoria, observou que “depende de uma escolha correta do prazer... se ele é mais ou menos, se é amplo ou estreito, se é mais remoto ou mais próximo” (Protágoras, 357ª).
Entre o desejado e o desejável: a ética separa o falso do verdadeiro
As coisas e imagens que espontaneamente surgem em nós, sem nos pedir licença, não são, por si só, as que merecem governar nosso desejo. A ética intervém aqui, separando o desejado do desejável. O desejo é muitas vezes enganoso, e, entre o que é desejado e o que é realmente digno de desejo, existe um juízo de valor que é governado pela ética cristã.
O universo paralelo da busca por riquezas e a ausência da ética
O esforço natural do ser humano para melhorar sua própria condição, quando livre e seguro, é um princípio poderoso. Ele é capaz de conduzir não só a sociedade à riqueza, mas a criar um universo paralelo onde a moralidade é distorcida, as leis se tornam irrelevantes e Deus não é o juiz que pesa os nossos atos. Neste universo, tudo é justificável por um suposto "bem maior", onde a moral e a ética são adaptadas para a conveniência.
Neste universo imaginário, a deturpação da Palavra se apresenta como uma nova leitura, moderna e atualizada. A falta de decência e piedade torna-se apenas uma “contextualização” para o presente, e a busca desenfreada pelo ganho, como uma “inteligência financeira”.
A verdade do Evangelho: a piedade e a verdadeira riqueza
Ao refletir sobre as palavras de Paulo em 1 Timóteo, vejo como ele é enfático ao exortar Timóteo a viver conforme os fundamentos sólidos da fé cristã. Timóteo, jovem pastor, ainda sem muita experiência, precisava dessa instrução profunda e clara. Paulo, em sua sabedoria pastoral, lhe entrega uma base sólida para o ministério, baseada em fundamentos de piedade, ética e zelo pela pureza do ensino.
- Ao meditar no texto para essa pequena exposição, me vi pensando na extensão das palavras de Paulo. Timóteo é um filho para Paulo, as palavras de Paulo nesta epístola visam prepara Timóteo, forma-lo para a lida pastoral. Ele já é um pastor, um jovem pastor, ainda sem muita experiência, por isso mesmo Paulo é tão contundente em seu ensino. Paulo entrega um bloco sólido de fundamentos para Timóteo, há muito de ética cristã dentro desses fundamentos, por ética cristã, eu me refiro aos fundamentos de vida prática que deve reger a vida do regenerado.
O capítulo 6 é a última peça desse grande bloco. Paulo fala da relação senhores e servos, o problema dos arrogantes falsos mestres que veem na piedade uma fonte de lucro, e daqueles que são levados a amar as riquezas apegando ao dinheiro como um instrumento de veneração.
Até aqui, o que mais me chamou atenção é o desfecho final, que começa no versículo 11, uma resposta normativa para Timóteo. As palavras de Paulo são: “Tu, porém...” – “Contudo, quanto a você...” – “foge destas coisas...”
- Você percebe a conexão entre o que foi falado inicialmente, e o que Paulo diz aqui?
- Aqui, não estamos diante de um processo digestivo, ou de funcionamento do sistema respiratório ou cardíaco, que a revelia de nossa vontade, permanecerá ou não em funcionamento.
- Estamos diante de questões externas, completamente dependentes à nossa razão e vontade, ou seja, que podemos ou não controlar ou sermos controlados por elas.
v.3-5 – Se alguém ensina uma doutrina diferente...”
O significado do texto é claro, o apóstolo está condenando todos os que não aceitam esse tipo de ensino – o Evangelho -, mesmo que não se oponham aberta e irrestritamente a sã doutrina.
- Calvino dizia que é possível, eu também acredito, não professar um erro ímpio e público, por exemplo não assumir uma heresia ou desobediência, e, no entanto, corromper a doutrina da piedade através de sofismas ostentosos. (Dissimulação, facção, murmuração, contenta).
- Calvino também dizia que: “Quando não há progresso ou edificação procedente de algum ensino, o afastamento da instituição de Cristo já está concretizado”.
No versículo 4 ele diz: “é enfatuado, nada entende” – Seria o mesmo que dizer: “É arrogante, e não sabe de nada”.
- No versículo 3, ele falou sobre o que ensina algo diferente daquilo que veio de Cristo, diferente do ensino da vida regrada, ordenada na piedade.
- Piedade, é uma palavra grega “ευσεβεια”, que significa reverência e respeito, para nós cristãos, a piedade é algo mais do que uma atitude de respeito, é fidelidade dirigida a Deus.
- Para Paulo, quando alguém rejeita o ensino de Cristo, rejeita a piedade, apegando a um falso ensino, é alguém que deve ser considerado tolo e arrogante. O apóstolo não considera tal pessoa apenas arrogante. Veja que no verso 4 ele diz: “tem mania” – Em nossa língua, “mania”, as vezes é tratado como um hábito compulsivo. Mania é um distúrbio mental (estado de loucura). No grego “νοσεω”, que significa doente, indisposição da mente, uma mente obsessiva.
- Então veja, essa pessoa, tem manias de malignidade, isso não é uma coisa trivial, sem importância. Daí, voltamos ao problema apresentado anteriormente, sobre a criação imaginativa de um universo paralelo.
- O texto diz que tal pessoa tem “mania por questões e contentas” – Penso que muitas vezes, lemos certos textos e os reduzimos a um modo operante. Como se tal verdade se aplica-se única e exclusivamente a isso ou aquilo.
- O versículo 5, nos mostra que há algo mais: “altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade”
- “altercações” significa ocupação inútil ou negócio vazio. Contudo no texto, Paulo impõe um significado, pessoas que se apegam a litígio, pessoas apegas a contentas e discussões. – Embora Paulo empregue o termo em um contexto específico, ele não se afasta do seu significado original.
- “homens cuja mente é pervertida e privados da verdade”.
- Quando Paulo diz se refere a “mente pervertida”, ele está se referindo a capacidade de perceber, entender, sentir, julgar e determinar que estão desreguladas. A palavra “pervertida” significa algo que foi corrompido, como que levado ao seu oposto. O pervertido, é alguém que abandou um modo correto, que passou agir contra uma norma ou lei.
- Nesse caso, mais uma vez, eu volto a questão do universo imaginário. Quando as pessoas são e fazem e aquilo que criaram, imaginativamente, para si. Não há uma norma, lei, Palavra externa que o guie, direcione, oriente. Na verdade, acreditam terem encontrado em si, seus sentimentos, afeições, experiências o modo de interpretar e viver, e chamarão isso de verdade.
v.6- “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento.”
- Paulo utiliza um certo tom de ironia, um deboche dos falsos mestres.
- Isso porque, pensam que podem tirar lucro da piedade, o fim deles, não é edificação dos homens, mas a sua própria edificação monetária. Esses são aqueles que Sócrates denominava sofistas.
- Paulo está correto, sua ironia, é também um adendo a sua fala, que visa lembrar que há lucro na piedade, não aquele desejado pelos falsos mestres.
v.7-10 – “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição.”
- Nesses quatro versículos, como notaremos, o apóstolo dirige-se ao problema da ganância, idolatria ao consumo.
- Nos versos 7 e 8, o apóstolo apresenta essas clausulas com fim de definir o limite daquilo que nos é suficiente. Nossa cobiça é um abismo insaciável, a menos que seja ela restringida; e a melhor forma de mantê-la sob controle é não desejarmos nada além do necessário imposto pela presente vida.
- Tenha contentamento, confie que o Senhor tem te dado o que você precisa, afinal, Ele não é o seu Pastor?
- Contudo, nos versos 9 e 10, Paulo é preciso e aponta para o problema da idolatria, o apego aos bens, propriedade, nesse caso mais especifico, ao dinheiro.
- “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição.” Paulo não está exagerando, isso é exatamente o que acontece, o nosso Senhor muitas vezes nos falou sobre isso.
- Todos sabemos, e podemos confirmar as palavras do apóstolo que diz: “Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males”.
- Vivemos em um tempo de consumo, em tempo de facilidades, crescimento financeiro, a igreja pelo mundo inteiro tem sofrido impactos negativos. Os lugares onde o Evangelho realmente é pregado, sofre pelos recursos limitados e muitas vezes escassos.
- As pessoas oferecem a Deus o que sobra, o resto de seu tempo, de sua vida, de seus bens.
- Davi certa vez disse: “porque não oferecerei ao Senhor meu Deus holocaustos que não me custem nada.” 2 Samuel 24:24.
- Somente para te contextualizar, esse é aquele episódio que Davi pede a propriedade de Araúna para construir um altar ao Senhor. Araúna, oferece a propriedade e tudo para que o holocausto seja oferecido, tudo seria dado para Davi. Contudo, Davi cheio de senso de dever e compromisso, sabe que não pode oferecer ao Senhor, aquilo que nada lhe custe.
- C.S. Lewis dizia que: “Caridade que não pesa bolso, não é caridade”.
- Já ouviu pessoas que dizem que quando melhorarem farão isso, ou darão aquilo? Que servirão ao Senhor quando chegarem nesse lugar, quando adquirirem tal coisa, ou serão dizimistas quando pagarem suas contas?
- Elas mostram que só podem e querem servir ao Senhor quando isso nada lhe custar! O nome disso é amor ao dinheiro, o velho e mau amor ao dinheiro.
Conclusão
Como eu posso concluir esse sermão? Com o versículo 11, que nos traz a melhor e mais clara aplicação para essa exposição.
“Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.” SDG!
