QUEM É O MEU PRÓXIMO?
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QUEM É O MEU PRÓXIMO?
Texto - -27
INTRODUÇÃO
O ministério de Jesus muito, muito mais que momentos de cura, ensinamento, perdão, cuidado, foi também momentos de lutas e conflitos com judeus da elite religiosa. Eles que deveriam ter visto no jovem pregador o messias, pois eram os que tinham mais luz e conhecimento, foram abertamente a oposição na vida de Jesus.
Nosso mestre passava grande parte de sua jornada com as pessoas chamadas de marginalizadas, pecadores, pobres, a escoria da sociedade, ele não somente passava tempo com essas pessoas, mas ficava claro que Jesus preferia estar com esse grupo de pessoas do que com os chamado doutores da lei, e guias da nação.
Os eventos descritos aqui tomam lugar nas proximidades de Betânia: O intérprete da lei pertencia à classe dos escribas, reconhecidas autoridades, especialistas no Antigo Testamento e na tradição judaica a respeito da lei. Ele se levanta para testar o pregador não oficial e determinar se os seus ensinos estavam em conflito com a interpretação tradicional do judaísmo. O relato do bom samaritano é um desdobramento do diálogo entre Jesus e o doutor da lei. O diálogo, como corretamente indicado por Kenneth E. Balley (1976, p. 74), se divide em duas partes.
Parte 1
A pergunta do doutor da lei: “que farei para herdar a vida eterna” ().
A contra pergunta de Jesus: “que está escrito na lei? Como interpretas?” (v.26).
A resposta do doutor da lei: “amarás o Senhor teu Deus […] e o teu próximo”(v.27).
A exortação de Jesus: “faze isto e viverás” (v. 28).
Parte 2
O doutor da lei pergunta: “quem é o meu próximo?” (v. 29).
A contra resposta de Jesus: “qual destes três te parece ter sido o próximo?” (v.36).
O doutor da lei responde: “o que usou de misericórdia” (v. 37).
A exortação de Jesus: “vai e procede de igual modo” (v. 37).
É significativo observar que o incidente segue a auto declaração de Jesus como Salvador (v. 21-24): “tudo me foi entregue por meu Pai.” Em outras palavras, a salvação vem através de Jesus Cristo. Aparentemente, a pergunta do intérprete da lei tem a intenção de se opor à afirmação de Cristo e mostrar que mais é requerido para a vida eterna do que “simplesmente” ouvir o que Jesus tem a dizer e aceitá-lo como o representante de Deus. Sua pergunta (“Mestre que farei para herdar a vida eterna?”) expressa a tradicional questão rabínica, envolvida na ideia de salvação pelas obras: “que devo fazer?”
Note-se, ainda, que o doutor da lei não pergunta como é possível alcançar a vida eterna, ou seja, qual o caminho, qual o meio. Ao contrário, ele sabe o como, conhece o processo. Sua pergunta segue em outra direção: “o que devo fazer?”. O método ele sabe: é fazendo alguma coisa! Mas, afinal, ele não parece realmente interessado no que Jesus tem a dizer, uma vez que sua intenção é a de provar o Rabi itinerante e provavelmente humilhá-lo diante da audiência. O intérprete da lei busca apenas uma resposta intelectual de Jesus, para julgá-lo e expô-lo.
A paciência de Jesus é extraordinária. No versículo 26, Ele responde com uma contra pergunta, que conduz o intérprete da lei ao Antigo Testamento. Dessa maneira, o cenário é invertido, mudando do ensino de Jesus para como o doutor da lei entende sua disciplina. Assim, é a sua interpretação que passa a ser julgada pela audiência. A resposta de Jesus indica que a pergunta do escriba envolve uma séria contradição: fazer e herdar. Essas são ideias opostas, que se excluem mutuamente: para herdar nada se pode fazer. Para herdar é necessário, sobretudo, que você seja herdeiro, pertença à família. Absolutamente nada que se possa fazer dá direito à herança celestial, uma vez que as obras são moeda sem valor diante de Deus.
“Que está escrito na lei? Como interpretas”? O interrogado passa a ser o interrogador. A estratégia de Jesus desarma o homem da lei, direcionando-o ao que está escrito no Antigo Testamento, não às intrincadas interpretações rabínicas desenvolvidas pela tradição. Assim, Jesus deixa claro que o homem já sabia a resposta para a sua pergunta, tornando o seu dolo, ou a sua tolice, evidente diante de todos. Por que, afinal, fazer uma pergunta para a qual já se sabe a resposta? Isso não é recomendado em termos de sinceridade ou inteligência. Por outro lado, Jesus extrai dele a reposta, levando o escriba a colaborar com Ele, o que remove a diferença e o antagonismo. A psicologia de Cristo é simplesmente perfeita.
No versículo 27, o escriba é obrigado a dar uma resposta bem conhecida, citando : “Amarás o Senhor, teu Deus”, o mandamento considerado como o coração da religião judaica. Um conceito central na teologia do livro de Deuteronômio encontra-se expresso na passagem “amarás o Senhor, teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”: dedicação absoluta e total a Deus.
O segundo mandamento, incluído na resposta, encontra-se em , que aborda o tema do amor ao próximo. Propondo, assim, o sumário da lei (amor a Deus e amor ao próximo), Jesus responde ao seu interlocutor: “você está absolutamente correto; fazer isto e viverás.” O verbo está no imperativo, isto é, “continue fazendo sem cessar, do contrário seus esforços estarão perdidos”.
Há aqui, por parte de Cristo, uma velada ironia. Ele responde da perspectiva do doutor da lei: “Se é possível alguém salvar-se pela obediência da lei, faça isto.” Em outras palavras: “Faça precisamente o que você julga ser o caminho.”
A teologia legalista do doutor da lei está em franca oposição ao que Jesus indicara no contexto, ou seja, que a salvação vem através dele (). Para Jesus, a obediência à lei é o resultado, não a base da salvação. Dando resposta tão simples, Ele expõe não apenas a tolice da pergunta, mas o teor da questão. Tentando justificar-se, o intérprete da lei faz uma nova pergunta (“quem é o meu próximo?”), tentando demonstrar que a questão não é tão simples. “Quem é o meu próximo?” Os judeus interpretavam o mandamento do amor ao próximo em relação aos membros da comunidade religiosa judaica. Muitos não eram considerados “próximos”. Entre eles estavam os samaritanos, escravos, coletores de impostos, prostitutas, treinadores de pombos, jogadores, os que emprestavam dinheiro a juros e pastores de ovelhas, todos vistos como desonestos, além de não poderem cumprir as regras cerimoniais de purificação.
Entre os fariseus, os limites eram ainda mais restritos. Mesmo o povo comum era excluído. “Quem é o meu próximo”? Esse tipo de pergunta implica na exclusão de pessoas ou grupos sociais da condição de próximos. O intérprete da lei queria que Jesus lhe desse uma norma objetiva, pela qual ele pudesse facilmente discriminar entre aqueles que deveriam ser tratados como amigos e aqueles que não precisariam incluir nesse círculo. Jesus aceita a nova questão e elabora uma situação, novamente chamando o escriba para um confronto com sua real condição perante a lei.
II - O RELATO DO BOM SAMARITANO – contar a história passando o vídeo.
A história do bom samaritano, contada por Jesus, exclusiva em Lucas, responde à segunda parte do diálogo com o escriba. Para reconquistar o prestígio diante da multidão, após fazer uma pergunta para a qual ele conhecia a resposta, o mestre da lei faz uma segunda tentativa: “quem é o meu próximo”? Sua pergunta agora ao menos parece sincera. A questão era objeto de debates infindáveis entre os mestres judaicos. O que o escriba deseja é saber até que ponto ele deve estender a categoria de próximo. Se perguntamos “quem é o meu próximo?”, claramente estamos indicando que deve haver aqueles que não são considerados “próximos”. O intérprete da lei requereu que Jesus apresentasse a norma pela qual discriminar quem era e quem não era o próximo.
Surpreendentemente, Jesus não responde a pergunta diretamente. Em lugar disso, ele conta a história de alguém que agiu como próximo. A parábola do bom samaritano forma uma parte crucial da resposta de Jesus. Novamente, o Senhor coloca a responsabilidade final da resposta sobre o mestre da lei. Observe.
“Certo homem descia de Jerusalém para Jericó”, Jesus inicia. Esse caminho entre Jerusalém e Jericó representava uma jornada de aproximadamente 36 quilômetros por um desfiladeiro no deserto da Judeia. Constituía um atalho perigoso, descendo mais de novecentos metros. O terreno oferecia um refúgio natural para ladrões e salteadores. Cenário de constante violência, a estrada tomada por esse viajante solitário havia passado a ser conhecida como o “caminho de sangue”.
O homem da história de Jesus, provavelmente um judeu, tomou a perigosa rota e caiu nas mãos de salteadores, que, depois de lhe roubarem tudo, inclusive a roupa, lhe causaram muitos ferimentos, abandonando-o semimorto. O uso do plural “salteadores” indica que eram vários. Vários contra um. Nenhuma possibilidade de defesa. “Tentativa de homicídio sem dar à vítima chance de defesa”, diriam juristas atuais!
Com a ação dos ladrões, Jesus sugere precisamente o oposto do amor ao próximo. Propositadamente, Ele descreve um caso de extrema necessidade. Os ladrões, em geral, exigem a bolsa ou a vida. Mas esses roubaram tudo, a bolsa, a capa, o alforge e, possivelmente, a montaria. Roubaram tudo e quase a vida. Ferido, semimorto, coberto de sangue, é impossível identificá-lo ou que ele se identifique. Quem é ele? Filho de quem? Pai de quem? Qual a sua profissão? Status? É ele rico ou pobre? Ou, mais importante ainda, qual a sua raça? Judeu, samaritano ou outro gentio qualquer? Estas, em geral, são as perguntas que costumamos fazer. Jesus elimina qualquer possibilidade de identificação. O homem caído está completamente impotente para pedir socorro, para persuadir alguém a ajudá-lo ou oferecer uma recompensa. Ele não pode defender o seu caso ou pleitear misericórdia. Intencionalmente, Jesus coloca o ferido de sua história inteiramente nas mãos do “outro”, daquele que passa.
Com isso, Ele prepara o cenário para revelar a essência do verdadeiro serviço, cuja motivação é o amor, independente de qualquer expectativa de retorno. Tal serviço nada tem a ver com campanhas de televisão, preocupações com Ibope ou audiência. Nada a ver com mero humanitarismo ou assistência social. Amar os que não são amáveis. Amar sem qualquer complexo de superioridade e sem esperança de receber de volta qualquer tipo de recompensa. Amar nos lugares e nas horas menos convenientes.
“Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo” (v. 31). O sacerdote vinha do templo, de suas tarefas religiosas, para casa em Jericó, que era uma das principais cidades de residência dos sacerdotes. Ele viu o homem em necessidade, mas “passou de largo”. Frieza incomum; aberta violação do mandamento do amor. Aqui estava alguém, provavelmente do seu próprio povo, em situação de extrema necessidade. Mas ninguém viu; ninguém, nem mesmo o homem caído. Ninguém viu. Ninguém, exceto Deus.
De modo semelhante, um levita descia por aquele lugar (). Os levitas faziam parte de uma ordem de oficiais do culto religioso, inferiores aos sacerdotes. Entretanto, um grupo privilegiado, responsável pela liturgia e vigilância do templo. Aparentemente chegou mais próximo do homem ferido. Teria ele temido os ladrões? Ou teria ele temido contaminação levítica pelo contato com um cadáver ()? Afinal, ele não sabia se o homem estava vivo ou morto. O texto apenas diz que ele também não teve misericórdia. O levita também “passou de largo”. “Passar de largo” tornou-se a expressão proverbial para descrever indiferença, distância, afastamento.
Jesus então estabelece o contraste entre os dois primeiros viajantes e uma terceira figura. A audiência poderia esperar nesse terceiro caráter da história um leigo israelita. Essa seria a sequência lógica. Afinal, sacerdotes e levitas não tinham mesmo boa reputação entre o povo. No entanto, surpreendente e deliberadamente, Jesus introduz um membro de uma comunidade odiada. “Certo samaritano” (). Nós aqui perdemos a força da ilustração porque somos estranhos à hostilidade que havia entre judeus e samaritanos.
Para cristãos modernos, o substantivo “samaritano” atrai automaticamente o adjetivo “bom”. O termo samaritano tornou-se hoje sinônimo de ser um bom vizinho, disposto a ajudar os necessitados. Mas, nos dias de Jesus, tal associação seria a última coisa possível. Os samaritanos não eram vistos como bons. Pelos judeus, os samaritanos eram considerados pagãos, amaldiçoados nas sinagogas e publicamente. Não podiam ser aceitos como prosélitos. Não tinham parte na ressurreição e na vida eterna. Para os judeus, comer o alimento deles era como comer carne de porco. Assentar-se ao lado deles numa sinagoga era considerado um motivo para morte. O testemunho de um samaritano não tinha qualquer valor em um corte.
Curiosamente, o samaritano é o único não religioso da história. E, com ele, Jesus introduz um perfeito exemplo de amor ao próximo. Jesus não apenas demonstra que o amor pode surgir nos lugares e com as pessoas menos prováveis; Ele desfere um poderoso golpe na intolerância racial, social, religiosa e “denominacional” dos judeus. Ele ataca a síndrome de superioridade do judaísmo. Jesus aqui subverte todos os valores da época. Quem pensaria num samaritano como “bom”?
A ação do samaritano é a perfeita representação do amor ao próximo. “Compadeceu-se dele.” Os gregos centralizavam as emoções nos órgãos nobres do corpo. No coração, pulmões, fígado. O verbo compadecer-se aqui significa estar cheio de compaixão, até as vísceras. Jesus descreve a base para todos os atos do samaritano: ele se compadeceu! Ele também vê o que os outros viram, mas responde em compaixão. Ele tinha maiores razões para também “passar de largo”. Tinha uma montaria, dinheiro e, sobretudo, era samaritano, enquanto o homem caído provavelmente era um judeu.
Mas ele resolve se envolver. Ninguém ama realmente até que saia do seu caminho, se desviando de sua rota para servir. Jesus reforça a profundidade da ação do samaritano narrando detalhes da sua ajuda. O samaritano utiliza as provisões da sua viagem para ministrar ao estranho. O óleo e o vinho, os remédios clássicos da antiguidade, servem para os primeiros socorros; o vinho, para purificar os ferimentos, e o óleo, para suavizá-los. Note-se ainda que o samaritano coloca o ferido em sua montaria e o leva para uma estalagem, onde vela por ele durante a noite. Isso sugere que sua atitude não é apenas uma reação sentimental, de humanitarismo barato, que busca uma porta de escape assim que o necessitado passa a ser visto com um fardo. Esse não é o caso!
A narrativa conclui com um surpreendente toque final de amor ao próximo. No verso 35, lê-se: “No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu te indenizarei quando voltar.” Ele tomou todas as precauções para que o homem continuasse sendo atendido.
Dois denários, provisão para alguns dias adicionais de cuidados. O samaritano vai além do superficial, garantindo o custeio de despesas adicionais, oferecendo ainda uma enfática promessa, indicada pela presença do pronome pessoal grego: “Eu te pagarei”.
III – QUEM TE PARECE QUE FOI O PRÓXIMO?
Jesus, então, prepara o cenário para a conclusão, que é a chave do relato, geralmente mal compreendida. No verso 36, ele pergunta ao intérprete da lei: “Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?” Muitas vezes, no passado, eu li essa história, e confesso que não a entendi.
Observe a pergunta inicial do escriba: “quem é o meu próximo?” Veja, então, a pergunta de Jesus sobre a identidade do próximo: “quem te parece que foi o próximo?” A compreensão da resposta de Jesus está num nível mais profundo, em geral passada por alto pela razão de nossa pergunta “quem é o meu próximo?” estar marcada pela mentalidade do mestre da lei. Para sempre, contudo, Jesus removeu qualquer limitação farisaica ao mandamento do amor.
Observe que, surpreendentemente, o próximo não é o homem caído, mas aquele que pratica a ação de amor. Em outras palavras, o próximo não é o objeto da ação, mas o sujeito dela. O próximo não é aquele a quem se serve, mas aquele que serve. Da perspectiva de Jesus, nós não podemos escolher quem será o nosso próximo, mas apenas viver e agir como o próximo. Colocando-se em termos claros: o próximo não é o homem que caiu nas mãos dos salteadores. O próximo se encontra entre os três que passam pelo caminho para Jericó.
“Qual destes três te parece ter sido o próximo?” A sabedoria na resposta de Cristo é simplesmente desconcertante.
Se Jesus tivesse dito que o próximo é “alguém em necessidade,” Ele apenas teria colocado limites ao mandamento do amor, sugerindo novas questões: “que tipo de necessitado? O da minha raça? O da minha igreja? Ou, que tipo de necessidade? Física ou espiritual?” Mas não é isso que Ele faz. Jesus remove a questão do nível do necessitado, seja ele quem for, para ensinar que o próximo é aquele que pratica a ação, eu, você, independentemente de quem seja aquele que está caído ao lado do caminho.
O extraordinário da história de Jesus é a enorme inversão que ela expõe. Seu herói, como é frequente no Evangelho de Lucas, é aquele menos provável. Assim como os marginalizados pastores de ovelhas, que testemunham o nascimento do Messias, e os pecadores que se reúnem à sua mesa, comendo com Ele. Os coxos, cegos, aleijados, mulheres, leprosos, publicanos. Os “pecadores” a quem Ele ministra.
Por outro lado, os vilões da história também são os menos prováveis. O sacerdote e o levita, membros da tribo sacerdotal. Os “religiosos profissionais”, os “remanescentes”, que conheciam o mandamento do amor, mas nada sabiam do amor real. Jesus deixa claro que religião pode apenas ser uma máscara para cobrir o egoísmo e interesses pessoais. O sacerdote e o levita eram escravos do personagem que interpretavam na trágica simulação religiosa que eles viviam. E sendo personagens, eles não eram pessoas, ou as pessoas que Deus esperava que fossem! Com um só golpe, Jesus desmascara o intérprete e os milhões de outros a quem ele representa, os quais muitas vezes nem têm consciência da farsa da religião deles.
Com o samaritano, Jesus contrasta a pessoa com o personagem. O samaritano é o único não religioso em termos convencionais. Ele respondeu ao agir. Porque é precisamente nesse ponto, no ponto da ação, que a religião deixa de ser mera teoria, ou uma questão de regras, e se encarna na realidade. É no ponto da ação que a crença deixa de ser crença (credencia), para tornar-se fé (fidúcia). O compromisso da vida com Deus! Certamente, o amor manifesto em serviço, dá testemunho da realidade da salvação.
APELO
O intérprete da lei citou : “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” como resposta para sua pergunta inicial. Jesus aprovou sua resposta, mas a história do bom samaritano deu a essa resposta uma insuspeita profundidade.
A média dos leigos judeus (e isso incluía o mestre da lei) nos dias de Jesus tinha baixa opinião da classe alta dos sacerdotes do templo. A indiferença do sacerdote e do levita, “passando de largo” pelo judeu ferido ao lado do caminho, certamente não surpreendeu a audiência. É a compaixão do samaritano que deixa a todos em estado de choque. Muitos judeus teriam preferido morrer na estrada, em lugar de ser atendidos por um samaritano, tal o ódio entre eles. Jesus não conta aqui de um judeu que ajudou a um samaritano, depois exortando o escriba a agir da mesma forma. Em lugar disso, ele narra sobre um inimigo tradicionalmente odiado servindo a um judeu, e é aí que Ele acrescenta a exortação.
Receber amor de um inimigo, ou de um “inferior” foi um golpe muito mais poderoso do que ser caridoso com um inimigo. “Quem foi o próximo?” é a surpreendente pergunta de Jesus. O mestre da lei evitou mesmo pronunciar a desprezada palavra “samaritano”. Assim, ele utiliza o circunlóquio: “O que usou de misericórdia” (). Dessa forma, nunca mais o imperativo “amarás o teu próximo” estaria ligado ao “odiarás o teu inimigo” (). Para Jesus, o mandamento do amor incluía o inimigo e o relato apresentado definiu perfeitamente o seu ensino básico. O samaritano amou alguém que não o amava (). Ele fez o bem, sem qualquer pensamento de benefício pessoal (). Ele agiu sem esperar nada em recompensa ou retorno (). Essa é a razão pela qual Jesus desafiou os seus ouvintes com a declaração “amai vossos inimigos” (, ).
O autoconfiante mestre da lei não fez qualquer protesto de que Jesus não tinha realmente respondido às suas perguntas. Sua questão original (“que farei para herdar a vida eterna?” []), recebeu resposta inequívoca: demonstre misericórdia para com os seus inimigos, como o samaritano fez (). E isso é possível apenas quando a vida é dominada pelo princípio do amor, a grande evidência de que conhecemos o segredo da vida eterna. Por outro lado, Jesus não deixou o escriba preocupado acerca de quem incluir em sua lista de “próximos”. A história deixou-o para sempre marcado acerca do que deveria fazer caso algum dia se encontrasse um samaritano ferido.
Bibliográfia
BALLEY, Kenneth E. Poet and Peasant. Grand Rapids: Eerdmans, 1976.
RODOR , Amim, O incomparável Jesus Cristo, Tatuí, SP, Casa Publicadora Brasileira.