A Suficiência da Cruz (Cl 2.8-15)

Exposições em Colossenses  •  Sermon  •  Submitted
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Suficiente é aquilo que é o bastante. Nada precisa se acrescentar para melhorar, nada se pode tirar sem que se perca o todo. Cristo é suficiente. Nada podemos acrescentar ou tirar ao seu evangelho. Qualquer adulteração é perder o todo.

Outro dia contei a história de uma moça evangélica que levou a filha recém-nascida para a rezadeira, mas, infelizmente, esse não é um caso isolado de fé esquizofrênica. Existem filhos de crentes que usam fitinha vermelha para repelir “mau-olhado”. Horários, dias e objetos místicos. Crentes legalistas e que voltam a guardar a Lei de Moisés. Crentes que vivem atrás de novas revelações. Igrejas com apóstolos. Peregrinações a Israel. A idolatria da performance religiosa. Todas essas coisas expressam uma coisa: Cristo não é suficiente.

Também não pense que isso é algo atual. Era real na época da Reforma. A batalha dos reformadores, por exemplo, foi também quanto à suficiência de Cristo, da Fé, da Graça e das Escrituras. Alguns tinham medo da reforma pregar a suficiência de Jesus e indagavam: Se deixarmos o cristão viver só pela fé, se tirarmos dele a adoração de relíquias, as missas, as peregrinações a Roma, a compra do perdão de seus pecados e de outros através de indulgências, o que será posto no lugar? A resposta retumbante foi: Cristo! O homem só precisa de Jesus Cristo! Pois a justiça de Deus é revelada de fé em fé. Como está escrito: o justo viverá pela fé (Rm 1.17). Também não pense que essa crise de suficiência também não orbitava a igreja primitiva. Ela é justamente o que Paulo vai combater aqui.

Essa batalha pela suficiência aparece de maneira especial na igreja de Colossos. Vamos recapitular que Epafras apresentou para Paulo ameaças vindas de diferentes ensinos heréticos, naquilo que se chama de a heresia de Colossos. Falsos ensinos que afetavam as igreja de maneira isolada estavam todos ali reunidos ameaçando aquela igreja. Dentre os aspectos dessa falsa doutrina podemos destacar, conforme o pastor Augustus Nicodemus: o legalismo (circuncisão, restrição de alimentos e a guarda de festas), o proto-gnosticismo (iluminação especial de alguns crentes), o neoplatonismo dualista (matéria e espírito / pleroma: significa plenitude e se referia o mundo de luz acima do nosso e que era ocupado pelos seres celestiais, sendo Jesus apenas um desses), o misticismo (baseado na revelação de anjos) e o ascetimo (abstinência). Nos versículos de 8 a 12 o apóstolo Paulo vai corrigir parte desses falsos ensinos, trazendo como base Jesus e sua obra.

1. O evangelho inicia com Cristo e continua com Ele.

Paulo já expressa que aqueles que iniciam com Cristo devem continuar com Ele (Cl 2.6,7), crescendo em ações de graças. Assim, todos esses falsos ensinos à seguir tentam acrescentar elementos a fé em Cristo ou mesmo tirar qualidades da pessoa e obra de Jesus. Nos versos de Cl 2.8-10 Paulo vai falar sobre os elementos gnósticos. (i) A Filosofia, ou seja, a uma compreensão da realidade. O problema não é a filosofia em si, mas uma visão de mundo contrária aquela revelada por Deus. Dentre as que seduziam os colossenses estavam o neoplatonismo e o protognosticismo. (ii) Existe um termo que chama atenção: vãs sutilezas. Se refere a tentar usar recursos argumentativos elaborados, mas sem utilidade alguma pra fé. Por que usar esse termo? Porque é sutil, mas é vazio. Por exemplo, 2Tm 3.7 falar de mulheres tolas que ouvem os falsos mestres, elas estão sempre aprendendo e nunca conseguem chegar ao conhecimento da verdade. Ou seja, elas podiam até aprender algo, mas nunca chegar ao conhecimento da verdade. Mas palavras vazias atraem a ira de Deus. Heresias são muitas vezes bem elaboradas e parecem conhecimento profundo, mas são a deturpação do evangelho: são "desevangelização".

Paulo usa o termo "tradição dos homens", termo que se referia a tradição oral dos judeus, para aplicar a essas filosofias e vãs sutilezas para destacar que são apenas pensamentos humanos, sem respaldo na revelação bíblica e que tem como objetivo distanciar os homens da verdade. (iii) Os rudimentos do mundo: os espíritos elementares, os elementos básicos que compunham o mundo. Popularmente como a ideia dos seres espirituais que ocupam o espaço entre os homens e Deus. Esses elementos, segundo Paulo no verso 8, poderiam vir aenredar os crentes. Paulo inclui uma má intenção a esses falsos pregadores (dolo) pois a palavra no texto "enredar" remete à uma captura (συλαγωγέω/sylagõgõn), uma espécie de armadilha, uma rede. A versão inglesa da KJV traz a palavra "spoil" que pode ser traduzida como "estragar", "arruinar" ou "botar a perder". O efeito do falso ensino pode ser drástico, irreparável à saúde de uma igreja, e o instrumento para essa captura poderia vir através das filosofias e vãs sutilezas.

Paulo diz que os crentes não precisam cair nessas armadilhas (verso 9) pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Aqui o apóstolo apresenta bases do cristianismo que expulsam dois falsos ensinos: o primeiro deles dualismo. Este é aniquilado sendo Jesus Deus-Homem. Na encarnação temos o contato do espiritual, o próprio Deus, com o material. Se cremos na encarnação não podemos ser dualistas. O segundo é a ideia da plenitude. Em Cristo habita toda a plenitude de Deus. Não precisamos acessar ou conquistar uma realidade espiritual qualquer para nos chegarmos a Deus, pois em Cristo temos todo acesso a Deus.

Paulo, no versículo 10, remete ao ensino do protognosticismo que prometia aperfeiçoamento através do alcance de conhecimentos ocultos. Mas os crentes já estão aperfeiçoados. Em Cristo já temos a santificação e a certeza ressurreição. Morremos com Ele para os nossos pecados. Aqui lembramos de um ensino relativamente presente em nossa época, a reencarnação. Para os ocidentais a ideia de reencarnação traz a sensação de uma segunda chance, mas para os orientais é mais uma história de sofrimentos. Segundo esse ensino, reencarnamos até encontrarmos o aperfeiçoamento. Mas os que tem fé em Cristo Jesus já foram com Ele aperfeiçoados e perdoados de toda culpa. Nenhum carma ou maldição paira sobre eles. Ainda no versículo 10, o apóstolo Paulo demonstra que não precisamos nos ocupar de conhecer os rudimentos do mundo, os espíritos elementares, pois Jesus Cristo é o criador e é superior sobre todo principado e potestade (todos os seres espirituais).

2. Cristo é suficiente.

Isso mesmo: Cristo é suficiente. Por isso, não faz sentido qualquer ensinamento gnóstico ou dualista para nós. Agora, Paulo, antes de combater de frente os outros elementos da heresia de Colossos, vai apresentar a suficiência da cruz frente ao legalismo (11-15). Eles criam em fé mais preceitos legais: os falsos mestres diziam que os crentes poderiam crer em Jesus Cristo, mas isso não era o bastante. Eles precisavam se circuncidar, guardar a dieta religiosa e guardar o calendário sagrado (festas, lua-nova e sábados) para que pudessem ser salvos. Ou seja, Cristo mais alguma coisa. Lembra, a heresia é uma afronta cristológica.

No versículo 11, Paulo vai demonstrar que a conversão a Cristo, no batismo, é equivalente e superior a circuncisão. Os crentes já foram circuncidados em Cristo. Lembremos que circuncisão era o símbolo da aliança entre Deus e a nação de Israel. Mas no Novo Testamento vamos aprender que ela apontava para a purificação do coração,, a remoção da carne do pecado, do corpo da carne do coração humano. Paulo escreve para os colossenses que em Cristo já fomos circuncidados, pois a obra de Jesus apresenta o significado final da circuncisão - nele formos purificados, nascemos de novo, tivemos o coração de pedra trocado por um coração de carne que ama a Deus. Nossa circuncisão é espiritual e real. E essa circuncisão consiste no despojamento do corpo da carne ("circuncidai, pois, o vosso coração" Dt 10.16; Jr 4.4; Rm 2.19) que é expresso para nós definitivamente no batismo (Rm 6.4). Já recebemos a circuncisão espiritual através da

união com cristo no batismo.

A segunda base que expulsa a necessidade legalista é que nós já estamos livres da condenação da Lei por causa de Cristo Jesus. Eles provavelmente argumentavam que se os cristãos não guardassem a Lei, eles seriam por ela condenados. Daí Paulo afirma, no versículo 13, que os colossenses anteriormente estavam mortos devido seus pecados e a incircuncisão de sua carne, e foi enquanto estavam nesse estado, que receberam vida e perdão de pecados. No versículo 14, Paulo vai enfatizar que o escrito de dívida, que era contra nós, foi removido e encravado na cruz. A Lei colocava todos em débitos diante de Deus pois ela era contra nós (Gl 3). Nenhum de nós consegue cumprir os 10 mandamentos em integridade, e nenhum deles sequer com constância. Mas Deus cravou na cruz não somente as mãos de Jesus, mas a Lei e tudo que nos condenava foram cravados ali definitivamente, tornando-os sem poder. A Lei e sua condenação foram removidos (Rm 8.3; 2Co 5.21).

Sendo Cristo suficiente para nossa redenção, é destruído o poder de satanás em nos acusar. Já triunfamos sobre ele (v 15). Paulo traz a figura do triunfo romano, quando um general, após vencer uma batalha trazia, atrás de si, os despojos e os cativos de guerra. Esse general e seu exército eram recepcionados na cidade com cânticos de hinos de honrarias, bem como toda sorte de presentes (flores, perfumes). Ao contrário dos derrotados, que recebiam todo tipo de desprezo. Os principados e potestades foram despojados: isso significa que deles foram removidos a armadura e armas. Os seres angelicais tem sua significância no cristianismo, mas nunca preeminência ou adoração.

Aplicações

• Os falsos ensinos vêm desde aqueles expressos por púlpitos adulterados ao acesso à péssima teologia. Mas as vãs sutilezas podem vir de onde menos as pessoas se blindam: de más companhias e más conversações, de músicas, livros, filmes ou séries de baixa qualidade.

• Conversas corriqueiras na faculdade ou no trabalho podem se tornar perigosas quando vêm disfarçadas de piedade. Cristãos hoje logo caem no horóscopo, na libertinagem, no relativismo (filosófico, moral ou religioso) ou no pragmatismo político. Muitas vezes o que nos mata não são doses cavalares de heresias, mas doses homeopáticas de mentira sutil. Você deve se lembrar que drogas não vinham num cachimbo de craque, mas vestidas de balas de caramelo.

• Outro dia estava assistindo uma série pop, num exercício eventual que faço para avaliar o que as pessoas assistem nos steamings mais acessados. Me deparei com um episódio que faz um espantalho da fé cristã, colocando-a como tosca, inferior, ignorante, hipócrita e alienante. Blasfema contra o sacramento do batismo, ataca o evangelho e desvirtua a pregação. Ou seja, a melhor postura diante de certos conteúdos é apertar o off/desliga.

• Naturalmente, não podemos nos fechar para o mundo, mas podemos fortalecer nossa mente e coração no evangelho e naquilo que é bom, instituído pelo nosso Deus. Só que isso envolve amor e, por consequência sacrifício.

• Outra é que todo pecado cometido por nós é uma expressão de que Cristo ainda não é completamente suficiente. Estamos buscando outra coisa.

• Que quão grande graça recebemos de Cristo. Se Ele nos lançasse no inferno por um tempo determinado já seria graça, mas Ele nos lança em perfeita comunhão com Deus e nos torna filhos.

• Quando algo é suficiente, só dele queremos mais.

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