VEJAM SÓ.
Devido à história da exegese (Marcião!), é de grande importância entender corretamente a pregação do AT da “vingança” de Deus. Para o homem moderno, a palavra “vingança” tem conotações fortemente negativas (imoralidade, arbitrariedade, ilegitimidade, crueldade); “vingança” e amor são antitéticos. No AT, porém, o conceito de “vingança” tem uma conotação positiva, tanto semântica como teologicamente: “vingança” está associada à legalidade, justiça e salvação. Como tal, o tema “vingança” ocupa uma posição importante na teologia do AT, particularmente nos escritos dos profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel.
2. A raiz nqm é usada 79×; em c. 85% o Senhor é o sujeito, ou diretamente ou num sentido derivado
No AT, nqm, normalmente é a prerrogativa de Deus ou das pessoas usadas por ele como instrumentos (o juiz, o rei, o tribunal, as pessoas)
Vingança” divina é normalmente estabelecida no contexto jurídico ou marcial. Metáforas como Deus sendo Rei, Deus como Juiz e Deus como Guerreiro têm um papel importante nos textos nqm, sendo a idéia geral a de Deus como Rei. A “vingança” de Deus no AT pode ser descrita como o castigo aplicado por Deus que, como o soberano Rei-fiel ao seu pacto — defende a vindicação do seu glorioso nome em forma de juízo e luta, enquanto preza pela manutenção da sua justiça e age para salvar seu povo.
A noção de “vingança” não é nenhum elemento estranho à revelação de Deus no AT, mas sim uma conseqüência da sua santidade (Jr 50.28–29); zelo (Is 59.18), juntamente com sua ira (Mq 5.14), está subordinado à sua justiça (Is 63.1, 4). Javé é o ’ēl neqāmôt, Deus da vingança (Sl 94.1), nōqēm, trino (Na 1.2). Na história, Deus revela o seu agir bilateral no pacto: ele é tanto um Deus que perdoa, quanto um Deus que se vinga (Sl 99.8). Perdão e vingança, legalidade e graça, amor e ira não são contradições em Javé.
Javé é o ’ēl neqāmôt, Deus da vingança
5. Normalmente, a “vingança” de Deus se volta contra as nações porque elas tentam alcançar o poder mundial em sua ilimitada sede de poder. Assur (Na 1.2), Babel (Is 47.3; Jr 50–51), Egito (Jr 46.10); porque eles incessantemente levantam-se contra Deus e lhe injuriam a honra (Dt 32 de v. 26; Mq 5.14); e porque eles tentam destruir o povo de Deus, Israel (Nm 31.2; Dt 32.35; Jr 50–51 passim; Sl 79.10). Há, normalmente, uma relação íntima entre vingança ao inimigo e a salvação do povo de Deus: um é o reverso do outro como, por exemplo, em Is 34.8; 35.4; 59.18; 61.2; 63.4; Jr 51.36; Na 1.2; cf. 1.15 [2.1]). A vingança de Deus marca a virada da destruição para a restauração, da injustiça para a paz e, como tal, pode ser objeto de alegria (Sl 58.11) ou motivo de júbilo mundial (Dt 32.43). Cada vez mais, a vingança de Deus adquire pretensões escatológicas nos ensinos proféticos: um dia, a vingança de Deus preparará o caminho para o novo Sião (Is 34.8; 61.2); todos os obstáculos para a alegria perfeita e para a paz serão eliminados pela vingança de Deus (Sl 149.7; Mq 5.14).
6. A chamada para a vingança de Deus nos Salmos (os salmos denominados imprecatórios) e nas confissões de Jeremias serão vistas à luz das anteriores. Essas passagens insinuam (em uma situação de grandiosa ameaça!) um abandono da vingança particular e uma rendição total àquele que julga com justiça. Em nenhum exemplo, está em jogo a satisfação de sentimentos de ódio de pessoas amargas. A oração por vingança é a oração pela vitória da justiça e da revelação do Senhor do pacto que, ao julgar, mantém sua palavra (Sl 58.11; 79.10; 94.1; 149.7). Dum ponto de vista hermenêutico, deve ser feita uma concessão para a situação específica do crente no AT e sua época (indícios de um julgamento final depois de morte; da maldição como um remédio legal legítimo; de uma relação pactual específica, etc.). A maldição, em sua intenção mais profunda, é um clamor para a intervenção do reino de Deus em libertação e vingança. Sem a vingança de Deus, não há nenhuma justiça (Sl 58.11) nem futuro (Dt 32.43; Sl 149.7–9).
7. As passagens em que nqm tem uma pessoa como sujeito são colocadas no contexto de legalidade ou guerra. Em Gênesis 4.15, um assassino em potencial é ameaçado de vingança de sete formas: nqm significa proteção legal para Caim; Lameque agarra-se a esse privilégio em um conservatio sui irreligioso (v. 24); a comunidade legal preza pela justiça, especialmente quando a vingança de sangue não funciona corretamente (Êx 21.20–21 — o escravo é suj. em ambos os versículos); o adúltero é julgado oficialmente no “dia de vingança (yôm nāqām)”, nenhum dinheiro pode impedir isso (Pv 6.34). Fazer guerra também pode ser caracterizado como nqm. No OMA, a guerra é freqüentemente descrita por meio de metáforas jurídicas e é considerada como um “processo”, no qual o chefe profere uma sentença (cf. Jz 11.36 depois de 11.27; 2Sm 18.19, 31; 22.48). Além disso, no AT, a idéia de guerra-Javé (Von Rad: “guerra santa”) é de grande importância. Desse modo, Josué (Js 10.13), Saul (1Sm 14.24; 18.25) e os israelitas (Et 8.13) tinham a vingança sobre os inimigos. Até mesmo a “vingança” de Sansão — “vindicação” seria melhor (Jz 15.7; 16.28) — está conforme a luta remissória contra o inimigo (Jz 14.4).