Salmo 88: Clamando em meio à aflição
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INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Comumente temos ouvido que a vida do cristão é uma vida de vitórias, de conquistas, de bênçãos. Muitos alegam que Paulo profetiza uma vida vitoriosa em Rm 8:37. Mas é essa a realidade?
O cristão passa por momentos difíceis em que parece não haver esperança? Você já sofreu com momentos de angústia em que não conseguiu ver onde estava Deus? Já se deparou com momentos em que suas orações não pareciam ser ouvidas e muito menos respondidas? Passar por dificuldades significam um vida de pecado?
Qual deve ser nossa atitude diante de situações como essa? Encontraremos a resposta para essa pergunta no Salmo 88.
A SITUAÇÃO DO SALMISTA, O “CRISTÃO” AFLITO
A SITUAÇÃO DO SALMISTA, O “CRISTÃO” AFLITO
Há uma aparente contradição sobre a autoria do salmo em seu título. É dito que é dos filhos de Corá e depois que é de Hemã, o ezraíta, que alguns atribuem a um dos sábios usados como referêcia para a superioridade da sabedoria de Salomão (1Re 4:31) ou a um levita (1Cr 15:17, 19) (HARMAN, 2011, p. 317; BARRY et al., 2016, Sl 88.título; KEIL, DELITZSCH, 1996, p. 577-578; CALVINO, 2012, p. 386-388).
No título do salmo já temos uma indicação do tema, do que se passa nele. A expressão “para ser cantado com cítara” poderia ser traduzida por “para ser cantado com tom de angústica, de aflição” ou com um instrumento que remeta a esses sentimentos.
É considerado como um dos salmos mais pesarosos ou, até mesmo, o mais pesaroso do saltério. Pois, apesar de outros salmos também tratarem dos pesares e sofrimentos do salmista ou do povo de Deus, em geral, eles culminam com uma ideia de esperança, de resolução, de aumento da fé. Entretanto, esse não é o caso do Salmo 88 que termina em trevas, é um lamento de tristezas do começo ao fim. (HARMAN, 2011, p. 317; CALVINO, 2012, p. 386-388; BOICE, 2004, p. 715; ROSS, 1985, p. 857).
Boice (2004, p. 715) chega a comparar esse salmo com uma frase cunhada pelo monge espanhol São João da Cruz: “noite escura da alma”. Que “é um estado de intensa angústia espiritual em que o crente que se debate e se desespera, se sente abandonado por Deus”.
A descrição que o salmista faz de sua situação é desoladora.
a) No v. 3 ele diz “minha alma está farta de males”, a expressão indica alguém se sentindo um completo miserável, é a mesma expressão utilizada por Jó em 10:15 para descrever sua situação, ele está indicando uma vida cheia de problemas. “Minha vida já se abeira da morte”, não sabemos se isso se dá por um estado de saúde física deplorável ou por sua angústia, o fato é que ele se sente a ponto da morrer;
b) No v. 4 ele diz “sou contado com os que baixam à cova”, ou seja, não só ele se considera à beira da morte, mas os que estão ao seu redor também o têm como morto. “Sou como um homem sem força” é uma expressão interessante pois o termo “homem” é traduzido de uma palavra que se refere a um homem forte, jovem, viril, guerreiro, valente, mas se segue que é “sem força”. De que adianta um guerreiro ou um valente sem forças? Ele não tem mais vigor;
c) No v. 5 ele diz que foi “atirado entre os mortos”, o que poderia ser traduzido por “livre, solto entre os mortos”, o que pode indicar que ele está liberado das atividades e responsabilidades da vida humana por sua inaptidão como um morto, tornou-se um ser inútil (fazendo eco ao v. 4a). E ainda diz que é “como os feridos de morte que jazem na sepultura”, ou seja, é como um guerreiro morto, não serve para nada (fazendo eco ao v. 4b);
d) No v. 8 e 9 ele diz “estou preso e não vejo como sair”, aqui ele se vê numa situação aparentemente insolucionável, parece sem esperança de sair dela, não vê nenhuma via de escape. “Os meus olhos desfalencem de aflição”, a ideia aqui é de alguém em pranto, em choro, com feição abatida;
e) No v. 15 ele diz “ando aflito e prestes a expirar”, mais uma vez descreve sua angústia e remonta à ideia de que está à beira da morte e acrescenta que esta situação o deixa “desorientado”, mais uma vez ele diz que não sabe o que fazer;
f) No v. 18 ele conclui dizendo que os seus conhecidos, seus amigos, seus vizinhos, são as trevas. Quão angustiante era a situação do salmista para fazer tal afirmativa?
O salmista se sente abandonado por Deus e pelos homens (v. 4, 5, 8 e 14). É compreensível que nos sintamos abandonados pelos homens, afinal, as pessoas abandonam umas às outras. Mas um cristão pode se sentir abandonado por Deus? Sim. Quem escreve aqui não é qualquer pessoa, é alguém inspirado por Deus e ele se sente assim. E se isso não é suficiente, vejamos Mt 27:46 e Sl 22:1. Mas isso não significa que Deus o abandonou.
Nitidamente a descrição que encontramos nesse salmo não condiz com o que muitas vezes tem sido pregado de que a vida cristão é uma vida sem problemas, de vitórias, de prosperidade em todos os momentos. Essas coisas fazem sim parte da vida do cristão, mas o sofrimento, a angústia, a aflição também fazem e sempre farão enquanto vivermos em um mundo de pecado.
O problema da pregação sobre vitórias e prosperidade é que elas estão associadas unicamente aos bens desse mundo e esquecem que eles são nada. Temos pregado uma vida de bem-estar nesse mundo esquecedo que devemos pregar o desapego a ele, pois não é a nossa pátria, somos forasteiros em terra estranha. Paulo diz em Filipenses 3:20 que “nossa pátria está nos céus” e Hebreus 11:13-16 que somos da pátrial celestial. Então por que estamos tão apegados a esse mundo? As aflições as vezes são importantes para nos lembrarem que não fomos feitos para esse mundo.
Mas não começamos lendo que somos mais que vencedores? O problema é que se esquecem do contexto desse verso. Cristo é nossa vitória mesmo em meio à tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada, morte (Rm 8:35, 36, 38).
Esse salmo termina sem uma reviravolta, o mocinho não tem um final feliz. Infelizmente, nesse mundo de pecado, essa é uma realidade que nos aflige, muitas vezes não há uma reviravolta. Quantas vezes oramos para que alguém que amamos fosse curado de uma doença e não foi? Quantas vezes clamamos a Deus pela vida de alguém e ela não foi poupada? Quantas vezes temos que lidar com acidentes, doenças, e agora uma pandemia que já dizimou milhares, desemprego, falência, famílias desestruturadas, crimes, casamentos desfeitos?
A QUEM O SALMISTA ATRIBUI SUA AFLIÇÃO?
A QUEM O SALMISTA ATRIBUI SUA AFLIÇÃO?
O salmista atribui sua aflição a Deus:
a) No v. 6 ele diz que Deus o pôs nessa situação como morto, pois o colocou “na mais profunda cova, nos lugares tenebrosos, nos abismos”, ou seja, essa situação em que ele se sente e é percebido quase como morto ele atribui a Deus;
b) No v. 7 é dito que a ira de Deus pesa sobre o salmista e que Deus o abate “com todas as tuas ondas”, comparando a situação que ele sofre como um dilúvio enviado por Deus, como o profeta Jonas afundando no mar em meio a tempestade;
c) No v. 8 ele atribui o afastamento dos seus conhecidos como uma ação de Deus, porque Deus o fez ser visto como objeto de abominação, ou seja, ele deveria ser evitado e despresado como alguém impuro, semelhantemente ao que acontecia com os leprosos que eram retirados da convivência da sociedade;
d) No v. 14 ele se sente completamente abandonado e despresado por Deus. Ele questiona a Deus porque o Senhor o rejeita e o despresa. “Ocultas de mim o rosto”, o rosto do Senhor simboliza sua atenção, representando sua presença e relacionamento, se ele o oculta então temos a representação de sua ausência, não-relacionamento e desatenção;
e) No v. 15 ele diz que os terrores do Senhor pesam sobre ele a ponto de deixá-lo desorientado. O termo hebraico para terror aqui pode trazer a ideia de um terror ocasionado por um inimigo. Talvez o salmista estivesse sentindo que Deus estava contra ele;
f) No v. 16 e 17 a ira mensionada é como um fogo ardente e a ideia de passar por sobre e estar rodeado de água remete ao verso 7 quando a ira pesa e ele é abatido pelas ondas, a descrição da ira é como um dilúvio de fogo ardente;
g) E no v. 18 ele atribui o ser rejeitado pelos seus amigos e companheiros a uma ação de Deus.
Diante das afirmativas feitas pelo salmista precisamos levar em consideração o seu contexto cultural. Na mentalidade hebraica todas as coisas são causadas por Deus, seja porque de fato foi uma ação ativa de Deus ou porque ele não impediu que acontecesse, o que seria uma ação passiva. Precisamos, então, fazer algumas ponderações sobre a soberania de Deus:
a) Nada no universo está além do poder de Deus, por isso ele é todo-poderoso, mas Deus não pode todas as coisas, por exemplo: (1) ele tem poder sobre a nossa salvação (Is 43:11; At 4:12), mas ele não pode nos salvar contra a nossa vontade, tendo nos dado o livre-arbítrio ele não vai contra seu caráter e o revoga; (2) sendo eterno, imortal (1Tm 6:16) e fonte da vida ele pode conceder e tirar a vida, mas ele não pode se matar, ele não pode deixar de existir; (3) sendo o criador, todas as coisas visíveis e invisíveis vieram a existência pelo seu poder (Cl 1:16), mas ele não pode criar contra a lógica que impôs ao universo, como uma terceira margem de um rio;
b) Todas as coisas estão sob o controle de Deus, mas ele não controla todas as coisas. Ele conduz a história do mundo, mas ele não controla o mundo como um teatro de marionetes. Exemplo: (1) as ações de Adão e Eva estavam sob o controle de Deus, assim como as nossas, Deus não queria que eles pecassem, mas Deus não os controlou, não os manipulou para não pecar, mais uma vez Deus não agiu contra o livre-arbítrio; (2) Deus está conduzindo a história desse mundo para o fim que ele deseja e usa os seres humanos como instrumentos para tal (Dn 2), mas não o faz como se fossemos marionetes que ele controla, se não aceitarmos ser usados para seus propósitos ele escolherá outros que aceitem;
c) Algumas pessoas pensam que absolutamente tudo que acontece em suas vidas é ação de Deus em seu favor. Desta forma, se estou dirigindo e um pneu fura, Deus fez com que aquilo acontecesse para me livrar de um mal mais a frente como um acidente, por exemplo. Entretanto, tal situação pode se dar de fato por esse motivo ou sem motivo nenhum da parte de Deus, pode ter sido um livramento ou simplesmente porque um caminhão com residous perfurocortantes passou naquele local e deixou cair algum objeto sobre o qual a roda do carro passou e o pneu furou porque pneus furam se postos sob presão contra certos objetos. Então, há coisas que acontecem em nossa vida que são geradas pela vontade de Deus e outras são apenas a ordem natural das coisas.
Portanto, mesmo que eu tenha uma visão como a do salmista que entende que mesmo que Deus não tenha sido o executor de uma ação mas que ele é responsável por ficar em estado passivo, isso não significa que Deus está operando o mal.
QUAL A RESPOSTA DE DEUS AO SALMISTA?
QUAL A RESPOSTA DE DEUS AO SALMISTA?
À vista dessas coisas, seria interessante uma resposta de Deus ao salmista. Que ele explicasse o que estava acontecendo, mas pelo menos até o momento em que esse salmo foi escrito e deixado para nós não parece ter havido uma resposta de Deus, como deu a Jó. Talvez o salmista tenha morrido sem essa resposta. Isso pode ser um aprendizado de que nem tudo terá uma resposta nessa vida.
Pessoas dizem que Deus sempre responde, nós é que as vezes não entendemos sua responta. Todavia, diante desse salmo e de Jesus na cruz, me parece que há momentos em que Deus fica em silêncio. Mas isso não significa que ele não esteja presente ou que não esteja pronto para agir ou nos dar a resposta.
Precisamos considerar três pontos a respeito dos males que nos sobreveem:
a) Certos males nos acometem como consequência do nosso pecado, por exemplo: (1) em Levítico 26 encontramos a aliança de Deus com seu povo, se eles obedecessem a Deus ele os abençoaria, se eles desobedecessem Deus retiraria seu poder de sobre eles e permitiria que o curso natural de suas escolhas pesasse sobre eles, por serem desobedientes Babilônia os subjugou e eles se tornaram escravos; (2) se eu passo a minha vida fumando, ter um câncer de pulmão ou de faringe não é um castigo de Deus, mas consequência do meu pecado; (3) se uma mãe diz a seu filho para não colocar o dedo na tomada e ele desobedece, levar um choque não é um castigo da mãe, mas consequência da desobediência do filho;
b) Certos males nos acometem como juízos de Deus sobre nós, ou seja, Deus envia o mal sobre nós. Os juízos de Deus podem ser em resposta ao mal cometido por nós para nos repreender e nos fazer mudar, ele pode enviar o mal sobre alguém com o intúito de libertar a outro ou ainda a condenação final, por exemplo: (1) Deus fez uma planta crescer e dar sombra para Jonas, depois ele destruiu a planta e o deixou sem proteção contra o sol escaldante do deserto com o intúito de ensinar-lhe uma lição; (2) Deus enviou juízos, as pragas, sobre os egípcios com o objetivo de libertar o povo de Israel de sua escravidão; (3) Deus destruirá para sempre aqueles que não quiseram ser salvos. Em tudo isso o profeta Isaías afirma que os males causados por Deus são atos estranhos (Is 28:21) e o profeta Ezequiel afirma que ele não tem prazer nem mesmo na morte do perverso, mas quer que todos se convertam (Ez 33:11). Para Deus, bom não é o homem que sendo bandido é morto, mas em o sendo se converte do seu mau caminho;
c) Certos males nos acometem porque vivemos em um mundo subjudado pelo pecado e Deus não tem nada a ver com esses males, por exemplo: (1) uma criança que nasce com microcefalia em decorrência de sua mãe ter sido infectada pela zika vírus, esse mal não sobreveio porque a criança tenha pecado para ter essa condição, nem mesmo sua mãe pecou, ou ter sido picada por um mosquito e ter contraído a doença é pecado? Nem mesmo esse mal foi imposto por Deus. Antes é consequência de um mundo dominado pelo pecado, pelo qual as doenças surgiram e sob as quais estamos sujeitos. Porém, em todas as coisas Deus coopera para o bem daqueles que o amam (Rm 8:28). Pergunte aos pais de uma criança nessas condições se, mesmo em meio a todas as dificuldades, essa criança não tem sido um bênção em suas vidas; (2) por falhas humanas, que não são pecado mas consequência dele, acidentes acontecem e pessoas morrem, ficam paraplégicas e um erro médico muda a vida de uma pessoa e de sua família.
Precisamos compreender e ser humildes para reconhecer que não sabemos de tudo e que não temos resposta para tudo e que algumas coisas nem têm resposta. Portanto, em diversas situações, é melhor ficarmos calados do que emitir opiniões que vão causar mais peso sobre as pessoas, serão um desserviço à fé de alguém em Deus, sendo que não temos acesso a todas as informações e não sabemos as causas. Não vai ajudar ficar dizendo às pessoas que Deus tem um propósito no sofrimento delas, ou que isso é a vontade de Deus, ou ainda que tudo é culpa delas.
Vamos refletir sobre algumas situações. Há momentos em que a causa e o efeito parecem bem nítidos, em outras nem tanto:
a) Se nos deparamos com uma família despedaçada ou um casal separado e temos a ciência de que houve um adultério por uma das partes, nos parece bem claro que o mal que acometeu essa família e esse casal se deu por causa do pecado cometido. Do ponto de vista do que adulterou o mal lhe sobreveio por causa de um pecado cometido por si, já do ponto de vista da parte inocente o mal lhe sobreveio não por causa de seus pecados, mas por ela estar inserida em um mundo dominado pelo pecado e estar sujeita às consequências do livre-arbítrio de outras pessoas;
b) Em seu livro “Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas” o rabino Harold Kushner conta duas histórias trágicas: (1) ele conta que no início de seu ministério foi chamado para atender um casal de meia-idade que tinha recebido uma notícia terrível. Enquanto eles tomavam café da manhã receberam uma ligação da enfermaria da faculdade de sua filha de dezenove anos dizendo: “nós temos más notícias para vocês. Sua filha teve um colapso enquanto caminhava para a aula essa manhã. Parece que um vaso sanguíneo estourou em seu cérebro. Ela morreu antes que pudessemos fazer qualquer coisa por ela. Nós sentimos muito”. (2) essa segunda história aconteceu com o rabino. Seu filho Aaron por volta dos 2 anos parou de crescer e ganhar peso, eles sabiam que tinha algo de errado, mas os médicos não conseguiam diagnosticar o que Aaron tinha. Eles se mudaram de Nova Iorque para Boston e lá souberam de uma pesquisa feita por pediatras e colocaram seu filho no programa. Quando Aaron tinha três anos eles tiveram uma filha e no dia que ela nasceu receberam a notícia de que seu filho tinha sido diagnosticado com progéria, uma doença genética, e seu filho não cresceria muito mais, não teria cabelos na cabeça ou pêlos pelo corpo, se pareceria com um homem idoso e provavelmente morreria na adolescência. E Aaron morreu dois dias após completar catorze anos.
No exemplo do adultério parece que a causa e efeito são muito claras e as coisas se explicam facilmente. Mas nos outros dois casos qual seria a explicação? Quanto à moça, alguns diriam que os pais pecaram ou que ela estava em pecado, inclusive o rabino Kushiner disse que ficou surpreso porque a primeira coisa que os pais daquela garota lhe disseram foi “Rabi, nós não jejuamos no último Yom Kippur”, entendendo que eles mereciam aquele sofrimento por não terem cumprido uma regra de sua religião. Em 1João 4:8 a bíblia nos ensina que Deus em sua essência é amor e essa atitude não parece com a de um Deus que é amor. Mas se essa for a resposta, qual mal o rabino e sua esposa cometeram para que Deus fizesse aquilo com seu filho? Entendo que essas duas situações são consequência de vivermos em um mundo dominado pelo pecado e não por causa de pecado específico daquelas pessoas ou porque Deus quis afligí-las.
E ainda se pode perguntar: se esses males não foram provocados por Deus, por que ele não interferiu na situação? Bom… Ainda não tenho uma resposta que pareça satisfazer completamente essa pergunta. Pelo que vimos a resposta é que Deus não é todo-poderoso da forma que normalmente compreendemos, ele não é um gênio da lâmpada que atende todos os pedidos ou um titereiro, marionetista que controla cada passo, cada ação de todo ser humano, ou mesmo os eventos desse mundo. Entendo que isso possa não te parecer suficiente.
Não sabemos o que provocou a angústia do salmista. Seus pecados? Castigo de Deus? A vida em um mundo de pecado? O texto não responde.
Diante de tudo isso que vimos, de entender que os cristãos também estão sujeitos à angústia e aflição, de que os males que nos sobrevêm podem ser consequência de nossos pecados, dos juízos de Deus ou do curso natural da vida neste mundo, que Deus não manipula todas as coisas, antes criou um mundo livre e não pode agir contra seu caráter, que passamos por momentos em que parece não haver esperança, que Deus parece estar distante e não nos ouve, qual deve ser nossa atitude? Essa resposta encontramos no Salmo 88.
QUAL A ATITUDE DO SALMISTA DIANTE DESSA SITUAÇÃO?
QUAL A ATITUDE DO SALMISTA DIANTE DESSA SITUAÇÃO?
O salmista diz procurar a Deus desde a madrugada e os salmos indicam esse momento como um momento de resposta de Deus, de sua manifestação (Sl 5:3; 90:14; 143:8). Essa não parece ser a atitude de alguém que realmente ache que Deus está contra ele, que Deus o rejeita e não ouve suas orações, antes é a atitude de alguém que mesmo sentindo que Deus não está ouvindo, sabe que ele está ouvindo, que mesmo sentindo que ele está distante, sabe que ele é socorro sempre presente na angústia (Sl 46:1), que mesmo sentindo que Deus está contra ele, sabe que somos justificados pela fé e por isso temos paz com Deus por meio de Cristo Jesus (Rm 5:1).
Sete vezes (um número bastante sugestivo) o salmista busca e deixa clara sua confiança em Deus:
a) No v. 1 ele diz “clamo diante de ti”. O clamor é um pedido desesperado de ajuda;
b) No v. 2 ele diz que ora e pede que sua oração chege ao Senhor em seu santuário, de onde vem a salvação. Esse é o termo primário para oração no AT e se refere a uma oração de súplica;
c) No v. 2 ele também pede que Deus ouça o seu clamor, outra palavra aqui é utilizada para referir a essa súplica angustiosa, é um grito dado pelo salmista;
d) No v. 9 ele diz que clama ao Senhor diariamente, ou seja, todos os dias ele está na presença do Senhor apresentando a sua causa. Essa não é a atitude de alguém que não tem esperança;
e) No v. 9 ele levanta suas mãos, mais uma vez indicando uma súplica a Deus;
f) No v. 13 ele deixa claro que sabe quem é que pode socorrê-lo, então ele clama ao senhor por socorro. O seu clamor e oração nesse verso estão em contraste com a situação dos mortos nos versos 10-12, enquanto eles não podem louvar, adorar a Deus e não podem ver sua bondade, milagres e justiça, o salmista enquanto vivo pode fazê-lo e por isso pede que o Senhor aja enquanto ele ainda vive e seu clamor e oração são louvor, adoração e manifestação de confiança na bondade, justiça e poder de Deus;
g) Ainda no v. 13 ele ora desde de a madrugada, como já mencionamos, confiando na resposta de Deus.
Apesar desse salmo não terminar com um final feliz, com uma reviravolta na vida do salmista, ou parecer sem esperança, ele é na verdade uma demonstração de fé. Mesmo em meio à angústia podemos confiar que Deus nos ouve, que ele é nosso socorro e mesmo em meio ao vale da sombra e da morte podemos ter certeza, como Davi, de que o Senhor está conosco (Sl 23).
A principal declaração desse salmo está em seu primeiro verso. “Ó Senhor, Deus da minha salvação”. É somente nele que podemos confiar, a quem devemos clamar, expor nossa aflição, pedir socorro. A ele pertence a salvação e a nenhum outro (Is 43:11).
CONCLUSÃO
CONCLUSÃO
O Salmo 88 apresenta uma pessoa em grande agonia. O salmista se diz a beira da morte, abandonado pelos homens e por Deus. Isso nos mostra que o cristão pode sim passar por momentos de angústia extrema a ponto de se perguntar onde está Deus, não estamos isentos das dores provocadas pelo pecado e nem sempre as coisas terminam com um final feliz. O sofrimento não significa que você está afastado de Deus ou vivendo em pecado.
Vimos que o salmista atribuiu a Deus sua aflição, mas que isso não significa, necessariamente que Deus estava provocando a aflição. Compreendemos que a onipotência de Deus não é poder fazer todas as coisas, mas que não há poder superior ao seu. Também entendemos que ele tem tudo sob controle, mas não controla todas as coisas. E que certas coisas acontecem por contigências naturais da vida.
Não temos no salmo uma resposta de Deus, nesse momento Deus ficou em silêncio. Mas aprendemos que o silêncio de Deus não significa que ele está longe ou não nos ouve, nem que isso indique que nos afastamos dele. Entendemos também que os males que nos afetam podem acontecer em consequência de nossos pecados, como juízo de Deus ou como o curso natural da vida neste mundo. Isso não significa que Deus não se importa. Também compreendemos que a causa e efeito de certas situações estão bem claras já as de outras não e não precisamos colocar mais fardos sobre outras pessoas.
Por fim, nossa atitude mesmo em momentos de angústia, dor, sofrimento, incertezas, mesmo sem termos as respostas sobre todas as perguntas, deve ser como a do salmista: confiar no Deus da nossa salvação, clamar a ele todos os dias, em todo momento. Devemos ter fé que ele está presente e ouve as orações. Devemos também tirar do sofrimento a lição de que não fomos criados para esse mundo de pecado e aflição. Pertencemos a uma pátria onde não há lágrimas, morte, luto, pranto ou dor (Ap 21:4). O bem-estar que Deus nos concede nessa vida não é para nos apegarmos a esse mundo, mas é fruto de sua graça e se mesmo nesse mundo mal é tão prazeroso fruir de sua graça, quanto mais será tê-la plenamente no lar celeste?
APELO
APELO
Creia que o Senhor é o Deus da sua salvação, que mesmo que tudo pareça trevas intransponíveis, mesmo que a morte pareça certa, mesmo que a vitória pareça inalcançável, ele está ao seu lado, te ouve e cuida de você. Decida hoje colocar suas angústias, temores e pesares diante do altar. Entre com confiança no lugar santíssimo do santuário celeste por meio da oração e apresente a sua causa diante do trono da graça. Decida hoje clamar a Deus mesmo em meia à aflição e creia que ele te ouvirá.
Vamos cantar um hino que diz que a vida tem tristezas mil, que muitas vezes enfrentamos nosso sofrer sozinhos, que nossa fé é provada, mas que há um só caminho que tem a solução: confiar em Deus. Decida hoje confiar em Deus.