Cidadãos Justos
A Cidade de Deus • Sermon • Submitted
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· 26 viewsGente que defende a justiça em uma cultura injusta.
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INTRODUÇÃO GERAL
INTRODUÇÃO GERAL
Nesta série, estamos dialogando com o livro A Cidade de Deus, de Agostinho de Hipona. Vimos que toda a humanidade é cidadã de uma dessas duas grandes cidades: a dos Homens e a de Deus.
A Cidades dos Homens é marcada pelo domínio da paixão por dominar. Todos os seus cidadãos desejam ser reis, todos desejam estar no centro de absolutamente tudo e, assim, perpetuam e experimentam todo tipo de morte, de caos.
Por outro lado, a Cidade de Deus é caracterizada pelo amor generoso, compromissado e servo. Os seus cidadãos amam a Deus acima de tudo e ao seu próximo como si próprio, por isso, experimentam e perpetuam a Shalom, isto é, a paz harmônica e promotora de bem estar.
Nós também vimos que os cidadãos da Cidade de Deus servem em amor generoso e compromissado ambas as cidades, enquanto estão em peregrinação pela Cidade dos Homens rumo à Cidade de Deus.
Na primeira mensagem, eu disse que os cidadãos da Cidade de Deus promovem ativamente a paz, o equilíbrio entre as relações das pessoas entre si e das pessoas com Deus.
Na segunda mensagem, o seminarista Roberto nos lembrou que os mesmos cidadãos são sábios na fala direcionada a Deus e direcionada às pessoas;
Por fim, o Pr. Borges, domingo passado, expôs o caráter de oração e intercessão dos cidadãos da Cidade de Deus.
Hoje, falaremos sobre mais uma característica presente nestes cidadãos: eles amam e promovem a justiça.
INTRODUÇÃO À CARTA DE TIAGO
INTRODUÇÃO À CARTA DE TIAGO
Para isto, ouviremos o que Deus tem a nos dizer através da carta escrita por Tiago, o irmão de Jesus.
Destinatários:
Destinatários:
Antes, eu gostaria de traçar uma ponte entre o contexto desta carta e o nosso próprio contexto. Tiago escreve aos cristãos judeus que viviam fora de Israel, conforme sua saudação em 1.1 nos mostra.
Para nós, isso é extremamente importante: por incontáveis questões, os judeus culturalmente possuíam uma relação muito especial com a sua terra.
Assim, para um judeu, era muito complicado e desafiante ser efetivamente um judeu, membro do Povo da Aliança, longe de Israel.
Como Povo da Aliança, eles sabiam que Deus faria uma obra redentora cósmica através deles. A promessa a Abraão, o patriarca dos judeus, era que todas as famílias da Terra seriam abençoadas através da família de Abraão, os judeus.
Eles deveriam viver perfeitamente de acordo com as realidades da Cidade de Deus para serem Luz para um mundo em trevas.
Isto é principalmente intenso no tempo de Tiago, com um grande grupo de judeus convertidos ao cristianismo, pois estes criam corretamente que as promessas estavam efetivamente sendo cumpridas.
Porém, o problema é que os judeus cristãos da diáspora estavam sendo desafiados a viver integralmente como cristãos em meio a uma cultura absolutamente não-cristã.
Eram chamados à amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmos estando justamente em meio a uma sociedade com indivíduos que se amavam mais do que tudo.
Podemos apresentar a mesma circunstância de outra forma: Tiago escreve para cidadãos da Cidade de Deus que vivem em peregrinação e serviço na Cidade dos Homens. Isto quer dizer que Tiago escreve também para mim e para você.
Propósito:
Propósito:
Ao longo da carta, o autor não apresenta um tema claro em seus argumentos. Porém um fio condutor é bastante evidente. Segundo o pastor Carlos Osvaldo nos apresenta, Tiago deseja: “Encorajar a aplicação do cristianismo à vida diária apresentando respostas adequadas às provas da vida real que confrontavam seus leitores”.
Logo na abertura de sua carta, Tiago encoraja os seus leitores e oferece alguns pontos sólidos de esperança para o futuro. Então, já no versículo 19 do primeiro capítulo, ele passa das palavras de animação para alguns conselhos.
Ele inicia sua fala mostrando como é inimaginavelmente bizarro alguém conhecer a Deus, mas não praticar a sua Palavra.
Já no segundo capítulo, dos versículos 1 ao 13, Tiago aplica esta ponderação a um caso real e prático: o preconceito e a acepção de pessoas no meio cristão.
Então, Tiago abre parênteses em sua fala e, dos versículos 14 ao 26 do segundo capítulo, traz uma séria exortação aos seus leitores sobre a relação entre a fé e as obras, e é neste texto que iremos nos deter nesta noite.
TEXTO BÍBLICO
TEXTO BÍBLICO
Para respondermos estas questões, vamos ler juntos Tiago 2.14-26 (ARA):
14 Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? 15 Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, 16 e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso? 17 Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta.
18 Mas alguém dirá: “Tu tens fé, e eu tenho obras”; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé. 19 Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios creem e tremem. 20 Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato, de que a fé sem as obras é inoperante? 21 Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque? 22.Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou, 23 e se cumpriu a Escritura, a qual diz:
Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça;
e:
Foi chamado amigo de Deus.
24 Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente. 25 De igual modo, não foi também justificada por obras a meretriz Raabe, quando acolheu os emissários e os fez partir por outro caminho? 26 Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta.
DESENVOLVIMENTO
DESENVOLVIMENTO
Era uma fé muito engraçada...
Era uma fé muito engraçada...
O versículo 14 é especialmente desafiante com as suas pergunta retóricas, que exigem de nós uma resposta negativa. Ao colocarmos essas perguntas introdutórias em paralelo, podemos perceber qual é o "proveito" que Tiago tem em mente: a salvação.
Esta fala é bastante controversa e muitos entenderam que ela contraria abertamente o ensino paulino, e abrangentemente bíblico, de que a salvação se dá pela fé na Obra de Cristo.
Todavia, convém nos atentarmos ao tipo de fé que Tiago tem em mente. Não se trata de uma fé real, mas uma fé nominal. Ele usa o termo "disser que tem fé", ou seja, o autor se refere a uma declaração vazia de fé.
Fé e Obras não se separam:
Fé e Obras não se separam:
Uma tradicional forma de por panos quentes em desvios de condutas entre os cristãos é o apelo à diversidade: somos membros diferentes de um mesmo corpo. Assim, no versículo 18, Tiago antevê esse contra argumento: "alguém dirá: 'tu tens fé, e eu tenho obras'".
Essa ideia não se sustenta no pensamento de Tiago, tampouco no ensino bíblico, sendo muito mais uma fala pagã do que cristã. O autor demonstra o erro na continuação do versículo: "mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé".
Essa ideia é absolutamente parecida com a presente no Salmo 1.1-3:
Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto.
A vida, aos olhos bíblico, é algo integral, é um todo. Desta forma, a separação grega entre teoria e prática, sentimento e ação, pensamentos e comportamentos, não se sustentam: a verdadeira fé produz boas obras, boas obras são sustentadas por uma verdadeira fé.
Fé e obras são coisas diferentes, mas são coisas intrinsecamente relacionadas e interdependentes. Fé e obras são como raiz e caule.
Uma ortodoxia morta não salva ninguém:
Uma ortodoxia morta não salva ninguém:
É com base nessa integralidade da vida que Tiago rebate de forma ainda mais dura um segundo possível contra argumento no versículo 19.
Os seus opositores poderiam alegar professar a verdade: "há um só Deus", uma nítida referência à confissão de fé básica de todo israelita, o Shemá: "Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor". (Dt 6.4).
Esta alegação seria um apelo à Aliança, ao compromisso divino constantemente renovado de salvar o seu povo. A ideia desta fala seria algo como: "somos o povo da aliança, somos filhos de Abraão, nós já nascemos salvos".
Este argumento não é válido para Tiago. Em primeiro lugar, ele demonstra que o mero conhecimento também está presente nos demônios e, nem por isso, estes são salvos.
Para sermos mais pontuais, Tiago coloca os demônios em posição superior aos de fé nominal. Ao menos, os demônios reagem à realidade de quem Deus é, enquanto os de fé nominal são estéreis às verdades da Cidade de Deus.
Como presbiterianos, essa fala nos atinge de uma forma ainda mais intensa, já que somos publicamente reconhecidos por uma teologia sólida e uma doutrina robusta. Podemos nos ver tentados ao conforto de nossa confissão de fé e a negligenciar a missão que o Rei da Cidade nos confiou, a saber, frutificar o amor que dele recebemos.
Em segundo lugar, entre os versículos 21 e 23, Tiago argumenta, justamente com base em Abraão, que a verdadeira fé, aquela fé que salva, gera frutos de boas obras. Sua fala se sustenta na conexão de dois textos de Gênesis:
[Abraão] creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça. (Gn 15.6)
e Gn 22.1-14, onde Abraão, pela fé, se inclina a obedecer a Deus, sacrificando Isaque, o seu único filho, ao Senhor.
Neste caso correlato entre a fé que salva e seu efeito de boas obras, Tiago escreve o versículo 22: fé e obras operam em conjunto.
Na verdade, o autor vai além e diz que as obras consumaram a fé. A ideia desta fala é que uma videira é videira o ano todo, porém ela é "mais profundamente videira" quando frutifica e gera cachos de uvas.
Da mesma forma, a fé é fé por si só; todavia, ela é "mais profundamente fé" quando gera frutos de boas obras. Assim, a justificação de Deus sobre Abraão se provou real e o patriarca passa a ser chamado "amigo de Deus". A sua fé era real e frutificava.
Talvez em nosso meio tenham pessoas que se sintam confortáveis em ser filho(a) de cristãos, ou se julgam seguros por simplesmente participar da ceia e ter sido batizado. Conforme Paulo nos ensina em Romanso, o verdadeiro Israel não é aquele que descende de Abraão pela carne, mas sim aquele que, à semelhança de Abraão, crê em Deus e frutifica as boas obras.
Do maior ao menor:
Do maior ao menor:
Entretanto, há uma dificuldade neste argumento de Tiago: nós estamos falando de Abrão, o pai da fé. Ele é um dos patriarcas, uma das pessoas mais importantes da história da humanidade. Nós somos apenas nós...
Então o argumento de Tiago continua, desta vez com outro personagem do Antigo Testamento, que muito se contrasta com Abraão: a prostituta gentílica Raabe.
Enquanto Abraão era um homem, o Pai do Povo da Aliança e um homem íntegro, Raabe era uma simples mulher não-israelita e de uma índole consideravelmente duvidosa.
Ainda assim, Raabe foi um modelo de fé real, que gera frutos, e pôde ser contada no mesmo grupo de Abraão. Na verdade, tanto Abraão quanto Raabe possuem o privilégio de fazerem parte da linhagem de Jesus Cristo.
Estes contrastes nos apontam para duas lições extremamente importantes:
Desde a pessoa mais baixa (Raabe) até a mais alta (Abraão), todos podemos e devemos desenvolver uma fé real e frutífera. Não uma fé nominal e improdutiva, uma fé que não salva. Mas uma fé verdadeira, que se desdobra em obediência e ação.
A boa obra de Abraão foi um sacrifício ao Senhor, um ato de amor a Deus. A boa obra de Raabe foi, segundo o versículo 25, um ato de serviço às pessoas carentes, um ato de amor ao próximo. Foi algo extremamente prático e pouco "religioso". Novamente, percebemos que não há separação entre coisas espirituais e coisas mundanas-seculares. A verdadeira fé frutifica para a totalidade da vida, e o seu fruto são atos de amor a Deus e ao próximo.
A fé que salva frutifica em obras de amor:
A fé que salva frutifica em obras de amor:
Na verdade, se repararmos bem, Tiago utiliza uma única ilustração para exemplificar a infertilidade de uma falsa fé, uma fé sem obras. Para a nossa reflexão, é importante considerarmos que essa ilustração aponta para uma ação específica: atos de misericórdia. Esta ilustração se encontra nos versículos 15 e 16, que eu pulei propositalmente:
15 Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, 16 e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?
Nós acabamos de ver que a fé verdadeira e salvadora que Abraão e Raabe tiveram produziram atos de amor a Deus e ao próximo. O exemplo disso que Tiago nos trás é justamente um ato de amor ao próximo.
Ele poderia ter aplicado qualquer ilustração, mas o autor escolhe atos de misericórida ao próximo. Ainda mais intenso é observarmos que ele ilustra a questão com duas necessidades consideravelmente básicas: roupa e comida.
Esta aplicação prática da fé cristã, proposta por Tiago em 2.15-16, está em completa harmonia com o resto de sua carta:
Em 1.27 , após expor a insensatez daqueles que não vivem as boas instruções de Deus, Tiago diz que a verdadeira religião — a verdadeira piedade — é o cuidado amoroso de pessoas vulneráveis e carentes;
Logo na sequência, em 2.1-13, Tiago condena a ascepção de pessoas com base nos status socio-econômico das mesmas;
Posteriormente, já no capítulo 3, Tiago condenará aqueles que não possuem filtros de sabedoria na hora de falar;
Já no capítulo 4, serão condenados os arrogantes, que traçam planos futuros como se fossem autônomos e independentes;
Por fim, no ultimo capítulo, o quinto capítulo, Tiago fala contra os ricos que juntam dinheiro de forma injusta, sacrificando os pobres.
Nestes tópicos, fica extremamente evidente que, para Tiago, a fé cristã é uma fé abrangente, é uma fé que toca em todas as áreas da vida, e ela é absolutamente incompatível com qualquer ato que não germine do amor a Deus e ao próximo.
Este ensino encontra ecos também no apóstolo João que, mesmo de forma amorsa, toca duramente em uma questão imperativa para a vida cristã. Podemos ver isso resumido através destes recortes da primeira carta de João:
Em primeiro lugar, ele nos fornece um sólido pressuposto:
Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. (1Jo 2.3–4).
Posteriormente, somos expostos ao mandamento:
A mensagem que ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns aos outros. (1Jo 3.11).
Há duas grandes questões em volta do que João está nos dizendo. Na manifestação do verdadeiro amor e em seus frutos. Se Deus é Luz, nós devemos andar na Luz. Em outras palavras, se somos filhos de Deus, devemos viver como o nosso pai vive. Deus vive em amor e esse amor por nós é manifesto na prática:
Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. (1Jo 4.9).
O fruto que germina do amor de Deus em nós é o nosso amor ao próximo:
Amados, se Deus de tal maneira nos amou, devemos nós também amar uns aos outros. (1Jo 4.11).
Então a exortação vem:
Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. (1Jo 4.20)
Não há como desassociar essas verdades: pessoas verdadeiramente impactadas por Deus, pessoas que realmente possuem a fé que salva, recebem o amor sacrificial de Deus e o transbodam para o próximo.
A árvore se conhece pelos frutos: quem não ama como Deus amou, não tem parte com Deus. O amor de Deus é um amor misericordioso, é um amor que sente compaixão de nossos sofrimentos e atua sacrificialmente para transformar a raiz de nossas dores. Qualquer coisa diferente disso é um testemunho de que a nossa fé é nominal, é falsa.
Como o próprio apóstolo João diz, este mandamento não é um novo mandamento. A exortação de Tiago também encontra apoio nos profetas. Não é dificil encontrarmos duras palavras no Antigo Testamento contra a negligência em relação aos vulneráveis. Porém, para o presente sermão, Isaías 58.6-7:
Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante?
O sinal externo que testifica o nosso amor a Deus é o nosso amor ao próximo. O que consuma a nossa fé são as boas obras. O jejum que Deus espera de seu povo são atos misericordiosos, atos de amor que promovem a justiça.
Este texto de Isaías é especialmente desafiante para nós, porém ele é extremamente bem fundamentado e lança luz a todo o sermão de hoje. Tim Keller, em Justiça Generosa, explica melhor o que está por detrás da fala do profeta.
O jejum é um sinal de arrependimento, é uma declaração pública que o Povo da Aliança tem falhado em viver debaixo das boas instruções divina. O jejum é um reconhecimento de que carecemos da graça divina.
Uma vez que somos alvos desta graça, deste favor imerecido, como poderíamos ver alguém carente de qualquer coisa e negligenciá-lo? Visto que fomos privilegiados com dádivas divinas que saciam a nossa alma, como poderíamos privar o necessitado dos nossos cuidados?
O Pr. Borges nos lembrou que apenas intercedemos quando nos tornamos empáticos à dor e ao sofrimento do próximo. Esse fato não é diferente quanto aos atos de misericórdia. Por que constamentemente somso tão omissos ao caos alheio? Porque não nos importamos. Como podemos dizer que o amor de Deus permanece em nós quando não frutificamos este amor?
Desta forma, o jejum realmente aceitável a Deus, a declaração pública de reconhecimento de nossa carência e dependência do cuidado divino, é o serviço amoroso ao próximo. O oposto disto é apenas hiporisia, é uma falsa fé, uma fé nominal, que, conforme Tiago já nos alertou, não traz proveito algum e não salva ninguém.
CONCLUSÃO E APLICAÇÃO
CONCLUSÃO E APLICAÇÃO
Vivemos em um mundo quebrado e não são raras as injustiças à nossa volta. Gênesis 1.26-27 nos diz que fomos criados para três relacionamentos perfeitos: com Deus, com o próximo e com a cultura.
Qualquer coisa que fuja disso, é uma mancha na Criação de Deus. Qualquer um que promova esse caos, será intensamente julgado por Deus — não se engane, Deus é amor e, justamente por ser amor, ele condenará tudo e todos que relegam ao mal os seus objetos de amor.
Por fim, Deus está fazendo novas todas as coisas, Ele está restaurando a sua Criação, e qualquer um que negligencie o privilégio de ser agente desta transformação também será negligenciado na Cidade de Deus.
Podemos traduzir essa ultima fala nos termos que temos usado na série atual: o Rei da Cidade está conquistando a Cidade dos Homens e todos os seus súditos-filhos participam desta campanha. Aqueles que não participam do projeto do Rei, são cidadãos da Cidade dos Homens e serão aniquilados juntos com a cidade.
O nosso mundo é caótico e muitas pessoas experimentam a injustiça. Isso não é uma impressão ou uma opinião, é um fato. Veja algumas manchetes publicadas entre 2019 e 2020:
Exame: “Extinção de espécies aumenta em escala sem precedentes”;
G1: “Alertas de desmatamento na Amazônia crescem 63,75% em abril”;
Crescer: “Um a cade três casamentos terminam em divórcio” no Brasil;
Site do Senado: “Brasil tem 34 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos”;
G1: “População de rua na cidade de SP aumenta 54% em 4 anos e chega a 24 mil pessoas”;
G1: “Desemprego sobre para 12,6% em abril com queda recorde no número de ocupados”;
BBC: “Brasil cai pelo 5º ano seguido no 'Ranking da Corrupção' e está empatado com Albânia e Egito”;
UOL Notícias: a cada 16h um homossexual é assassinado no Brasil;
Folha de SP: “Feminicídio cresce no Brasil e explode em alguns estados”;
G1:“em plena quarentena, Brasil tem alta de 8% no número de assassinatos”, somando quase 4.000 casos.
Essas são as provas da vida real que confrontam hoje os leitores de Tiago. Essas são as crises na Cidade dos Homens que exigem um posicionamento dos peregrinos da Cidade de Deus.
Talvez você esteja se perguntando: "o que eu posso fazer em relação a tudo isso?" Se formos bem sinceros, temos muito pouco a fazer. Se pudessemos tomar medidas decisivas, Cristo não precisaria encarnar e morrer em uma cruz. A redenção é uma obra da Trindade, é uma obra do Rei, não dos seus filhos-súditos.
O nosso papel, portanto, é simplesmente frutificar a nossa fé com ações de amor e misericórdia aos nossos próximos. O nosso papel é apenas viver a Lei de Ouro:
Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas. (Mt 7.12).
Como complemento, pode ser útil o conselho de John Wesley:
Faça todo o bem que puder, usando todos os meios que puder, de todas as maneiras que puder, para todas s pessoas que puder, durante o maior tempo que puder.
Não acabaremos com os problemas do mundo, mas podemos aliviar o sofrimento das pessoas que estão ao nosso redor. Não salvaremos o país, o estado ou a cidade, mas podemos expressar o amor e a misericórdia de Deus àqueles que carecem. Lembre-se que uma árvore se conhece pelos frutos; lembre-se também que todas as árvores do pomar de Deus frutificam amor.
Assim, por favor, esteja disposto a ouvir pessoas e grupos de pessoas, esteja de olhos abertos para as suas histórias e necessidades. Seja empático ao seu contexto e use o que estiver ao seu alcance, seja isso pouco ou seja isso muito, para que seus sofrimentos sejam aliviados. Ore por pessoas, grupos de pessoas e por situações.
Igualmente importante é você considerar quem receberá os seus votos nas próximas eleições: valorize pessoas que sejam comprometidas com o bem comum, pessoas empáticas à dor e ao sofrimento alheio, pessoas que pensem na qualidade de vida da nação. Não escolha um represente que não tenha os galhos carregados dos frutos do amor.
Nesta noite, a pergunta de Tiago ecoa em nossos ouvidos, chacoalha os nossos corações e nos cobra uma postura coerente: "qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?"
Quando indagado sobre a principal lei, Jesus respondeu:
Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. (Mt 22.37–40).
Desta forma, eu quero me despedir de você com a seguinte pergunta: quais pobrezas as suas riquezas podem suprir?