Gênesis 3.20-24
Série expositiva no Livro de Gênesis • Sermon • Submitted
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· 21 viewsO julgamento do pecado homem, anuncia não somente a sentença contra o pecado, mas como visto, a misericórdia pactual de Deus para com seu povo, pois o caminho que fora bloqueado, foram em Cristo, reaberto.
Notes
Transcript
“São estas as gerações ...” (Gênesis 10.1).
Gênesis 3.20-24
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Seguindo para a terceira e última cena, trataremos do desfecho da narrativa que encerra este ato que aponta a queda do homem em pecado e seu julgamento.
Elucidação
Nesta última cena, o bloco é iniciado com um comentário do narrador/autor (v. 20) e a subsequente expulsão do homem do Éden, e o bloqueio do caminho da árvore da vida. Encerra-se então este ato com um forte contraste em relação a situação do homem quando comparado ao texto de 2.15, onde após ter sido criado, o homem é posto no jardim para o cultivar e guardar, algo que também aponta para a continuidade do ofício do ser humano, embora as circunstâncias sejam diferentes: naquele primeiro momento, ele guarda e cuida do jardim, neste último, ele guarda e cuida da terra, tendo sido banido do jardim.
Certamente a consequência mais drástica da queda do homem e sua rebelião contra Deus, mostra-se nesta última cena do capítulo 3. O homem é banido da presença do Criador: é expulso do jardim do Éden, lugar que poderia ser considerado o primeiro templo onde o homem adorava e se relacionava com o SENHOR Deus (cf. Gn 3.8b):
Deus expulsou o primeiro homem e a primeira mulher do jardim do Éden. Sua volta a esse paraíso foi impedida para sempre por um poder divino (Gn 3.24). A partir daí, não só Adão e Eva, mas todas as pessoas têm de viver fora do jardim. Como o jardim era o único acesso, é inevitável que a vida humana termine com a morte (Gn 3.22,23).
Entretanto, onde parecia haver sentenciamento e desesperança, à luz do verso 15, uma promessa é dada ao homem como única expectativa que poderiam ter de uma mudança em sua situação de exílio e miséria: a redenção que será executada pelo ente prometido, vindo da descendência da mulher que esmagaria a cabeça da serpente. Tão forte era a confiança de Adão nesse personagem prometido, que a seção que contém o texto que lemos inicia-se exatamente com o homem dando o nome a sua mulher de “Eva, porque ela foi mãe de todos os viventes” (V. 20). Aqui pode estar o símbolo da confiança de Adão de que o Criador o resgatará do caos do pecado em que caiu: a sentença fora lavrada dizendo que o homem, ao fim de toda sua agonia no serviço ao SENHOR, encontraria a morte, ou seja, a separação do fôlego de vida que tinha de seu corpo. Porém “a escolha por Adão do nome de Eva demonstra sua fé na promessa de Deus de que a mulher daria à luz filhos, incluindo o descendente que derrotaria satanás”.
Para Adão, embora Deus houvesse decretado a morte, ela não seria o fim definitivo do homem, mas a mitigação da pena merecida é revelada através da esperança do homem em um dia, ver-se de volta à presença do SENHOR Deus, estando livre do pecado, e a serpente, para sempre esmagada e vencida.
O teor redentivo é completado ou confirmado, quando no verso 21, Deus dá-se ao trabalho de ele mesmo cobrir o homem e sua mulher. Antes, no verso 7, de maneira precária e insatisfatória, Adão e Eva haviam tentado coser para si uma veste que cobrisse sua vergonha com folhas de figueira. Notadamente, uma alternativa inviável e frágil que não poderia atingir à contento o objetivo tencionado. É válido notar com isso, que toda a carga semântica e teológica que esse ato possui, agora denotam o atual estado da humanidade: suas obras não mais são suficientes para que estejam perante de Deus. A corrupção do pecado, impossibilita o homem de ser relacionar com o Criador com a mesma dignidade que usufruía antes da queda. Suas obras são frágeis e superficiais, para não dizer odiosas, pois remendos não podem ser suficientes para satisfazer a Coroa do universo. Segundo Waltke:
A “cobertura” de Adão e Eva (Gn 3.7) cobria apenas parte do corpo, inadequada para cobrir sua vergonha. Agora, com o “sacrifício” de um animal, Deus confecciona para eles túnicas que descem até os joelhos ou até os tornozelos. Com a sentença proferida, Deus faz (3.21) para o casal o que não podem fazer por si mesmos. Não podem resolver sua vergonha. Deus, porém, pode, quer e faz.
Através dessa ação, o Criador mais uma vez enfatiza que a salvação do homem não haveria do correr de acordo com algum tipo de obras que ele pudesse fazer a fim de redimir-se perante seu SENHOR, mas é a graça e o amor do próprio SENHOR Deus que executaria o plano glorioso de redimir o cosmo do pecado, levando-o ao estado de perfeição conforme fora arquitetado.
Porém, o autor do texto não deixa escapar o desfecho trágico da história, e não destoa do tom pesaroso que permeia todo o capítulo 3: o homem é expulso do jardim e o caminho da vida é bloqueado a ele e à sua descendência. Adão e Eva, agora possuem conhecimento do mau (v. 22), não da maneira como Deus o conhece, pois o Criador conhece o mau por contraste: sendo ele santo, tudo o que for contrário a isso é mau e um desvio. Contudo, o veneno destilado pela serpente fez efeito na humanidade: Adão e Eva experimentaram em seus corações o pecado e o mau; agora sabem o seu significado percebendo si seus efeitos.
Numa que o jardim do Éden era o local que simbolizava a presença de Deus entre os homens e lá o pecado havia entrado e manchado o solo sagrado, a ação divina de limpeza e purificação é sumária e rígida: o pecado não pode estar na presença do Soberano, por isso, Adão e Eva são retirados do jardim.
Nesse momento, revela-se outra demonstração da graça e da misericórdia do SENHOR. Adão era agora portador da natureza pecaminosa e das maldições que ela traz. Se comesse do fruto da árvore da vida, viveria nesse estado de desgraça para sempre: viveria pecando e amargando todo o fel da corrupção de sua transgressão. Nunca haveria um fim para toda a desgraça que o pecado legaria a humanidade. Por isso, num gesto misto de juízo e misericórdia, Deus impede que o homem tenha acesso à árvore da vida, para que não “tome também da árvore da vida e viva para sempre” (v. 22).
Como guardas, querubins são posicionados no caminho, impedindo o ingresso de qualquer pecador. Aquela função devida a Adão (cf. hb. “לִשְׁמֹ֕ר” “para guardar”), agora é assumida por seres que são responsáveis por ressaltar e garantir a santidade do próprio Criador. O caminho está devidamente impedido ao homem pecador, ele jamais poderá entrar, pelo menos, não enquanto ainda for pecador. Eis o castigo final e derradeiro do homem em sua rebelião: fora expulso da presença de Deus.
Com base na perspectiva redentora apresentada nesta seção do texto de Gênesis, o caráter messiânico introduzido no verso 15, permeia toda a Escritura, em termos da expectativa da chegada do personagem “o descendente/semente da mulher”. Porém, como especificado na passagem, o relato usado pelo autor ganha a conotação figurativa ao longo de todo o cânon, como representação da obra salvadora executada pelo SENHOR. Um caso disso, é o ato de o próprio Deus cobrir a nudez (i.e vergonha) de Adão e sua esposa (Gn 3.21). Quando olhamos para textos como o de Isaías 61, observamos a seguinte menção:
Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto de justiça, como noivo que se adorna de turbante, como noiva que se enfeita com as suas joias (61.10).
O oráculo profético proclamado por Isaías aponta para o papel do Messias em sua obra salvadora, como é apontado por Lucas quando usa essa passagem citando uma fala em que o próprio Jesus Cristo se coloca como sendo aquele sobre quem o Espírito do SENHOR estava (61.1 – Lc 4.16-21).
O ato de cobrir ou vestir o homem pecador, é usado pelos Escritores bíblicos como a execução da redenção por parte do Messias prometido em Gn 3.15. Ao cobrir o pecado ou a vergonha, o Redentor torna o homem mais uma vez aceitável para estar na presença de Deus.
Novamente, em Apocalipse 19, no cântico da numerosa multidão, a figura da vestimenta aparece no texto como obra realizada por Deus em Cristo: “pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos” (Ap 19.8).
À luz dessas e outras passagens bíblicas, fica claro o uso da figura do “cobrir com vestes” encontrada no texto de Gênesis 3.21 como a execução da obra salvadora de Deus sobre a humanidade (eleita), inclusive por meio da morte de um animal, o que seria o parâmetro usado por Deus para os sacrifícios conforme instituídos na lei mosaica como parte do culto ao SENHOR.
Outro ponto que deve ser enfatizado e observado como utilizado na Escritura em relação a salvação aqui prometida pelo SENHOR, é o bloqueio do caminho da árvore da vida. O acesso a presença de Deus era algo impossível ao homem em seu estado de pecado, pois nada impuro pode adentrar a presença do Soberano. Porém, o escritor aos Hebreus, se vale da mesma imagem, com o mesmo fim de expor a obra salvadora em Cristo Jesus:
Portanto, meus irmãos, tendo ousadia para entrar no Santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos com um coração sincero, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e o corpo lavado com água pura (Hb 1019-22).
A perspectiva do autor aos Hebreus é a de que a obstrução do caminho à Deus foi desfeita por Cristo Jesus, ao ter, por meio de seu sacrifício (como foi figurado no ato de Deus matar um animal para usar sua pele a fim de cobrir Adão e Eva), purificado o povo eleito do SENHOR, garantindo que seus pecados fossem expiados e cobertos. Através de Jesus, homem tem novamente acesso a Deus, como reiteradas vezes é destacado pelo autor da epístola.
Com isso, não somente a promessa feita em Gn 3.15 possui caráter profético-redentor, mas todo o relato de Gênesis 3 possui apontamentos figurativos ou tipológicos que indicam através da progressão revelacional, a intenção de Deus de redimir um povo para si.
Adentrando a seção final do tribunal que fora estabelecido por Deus, a ação misericordiosa de Deus em vestir o primeiro casal sem dúvidas é um anúncio da obra que está por se realizar com vistas a redimir a criação de seu estado de depravação.
Agora, como expõe Calvino, Deus aponta ironicamente o logro da intenção do homem quando se rebelou contra o Criador, pois é conhecedor do bem e do mau. Como resultado inevitável, o primeiro casal é banido do jardim do Éden para a vida hostil que os aguarda no mundo, onde deverão esperar até o dia da redenção, quando o descendente prometido corrigirá o erro que cometeram quando pecaram e quebraram a aliança com o SENHOR Deus, e os trará de volta ao lugar da presença do Criador.
Transição
Em decorrência de tudo o que foi analisado, levando em consideração a redação do texto de Gênesis por Moisés, uma das implicações a que é possível chegar é a de que o autor deseja exortar o povo a confiar nos planos poderosos de Deus, que tendo banido Adão por seu pecado, o levou a vagar pelo mundo, até que retornasse a presença do SENHOR. Da mesma forma, Israel está marchando pelo deserto até a terra prometida, símbolo da aliança de Deus com seu povo, onde lá estará na presença de Deus em adoração, assim como fora prometido aos patriarcas. Além disso, não se pode negligenciar a intenção paralela do autor de demonstrar ao povo as consequências do pecado e da quebra da aliança com Deus, conforme temos visto neste capítulo 3 de Gênesis.
Porém, algumas outras aplicações ficam evidentes para nós à luz deste texto.
Aplicações
1. A consequência mais drástica do pecado é o afastamento da presença de Deus.
Como vimos no sermão anterior, todo pecado demanda juízo da parte do SENHOR nosso Deus, e frente a isso, o maior juízo que pode recair sobre aquele que peca é seu banimento da presença de Deus. Israel estava sendo exortada por Deus através de Moisés no escrito do livro de Gênesis a perceber quais as consequências diretas da quebra da aliança com o SENHOR.
Não pode haver pior destino para alguém do que estar afastado do SENHOR. À luz do cânon é possível perceber que mesmo Israel sendo o povo eleito de Deus, isso não os mantinha livre da justa punição caso transgredissem. Seriam banidos da terra da promessa ao qual fora prometida aos patriarcas. Da mesma sorte é conosco, caros irmãos. Pecando contra nosso Criador, tudo o que conseguiremos é sermos disciplinados, amargando uma vida fria e árida, ausente daquela alegria que o Espírito em nós infunde quando servimos ao SENHOR em santidade de vida.
À luz do exílio de Adão, temos uma demonstração clara de que o pecado terá como devida resposta o afastamento do transgressor da presença de Deus, fora da presença do SENHOR, só há morte e infelicidade.
2. Em decorrência do pecado, estamos vivendo em exílio neste mundo.
Por causa da queda de nossos primeiros pais no pecado, também nós estamos nesse mundo em exílio, caminhando a passos lentos para a terra prometida. Devemos sempre nos lembrar que há esperança para nós, porque esse mundo não é o ponto final de nossa jornada. Adão fora expulso, mas antes disso lhe fora referida uma palavra para que pudesse esperar a redenção por vir. Tendo sido provisoriamente cobertos com peles de animais, e lembrados da vinda do descendente que esmagaria a serpente, Adão e Eva foram fortalecidos por Deus para esperarem a salvação que estava por vir.
Lembra-se constantemente que estamos em peregrinação nunca será demais. Se deixarmos nosso coração a vontade nesse mundo, certamente além da confusão criando raízes noutras coisas que não em Deus, vamos experimentar toda a sorte de decepção de frustração, pois somente em Cristo nosso coração repousa em paz. Somos expostos todos os dias aos “cardos e abrolhos” desse mundo, a fim de que nos lembremos que nossa pátria não é aqui, mas na presença de Deus. E isso nos leva ao terceiro ponto.
3. Cristo é o novo e vivo caminho através do qual voltamos aos braços de Deus.
Foi por meio do sacrifício do Cordeiro de Deus, que fomos cobertos com suas vestes de justiça e nosso pecado foi expiado. Aquele caminho que foi bloqueado para nós, por causa de nosso pecado, foi reaberto por Cristo que entrou por ele, dando-nos a graça e poder nos relacionar com Deus novamente de maneira perfeita.
Nossa vida só ganha sentido se estivermos em comunhão com Deus. E foi para isso que Cristo se sacrificou, foi para isso que ele foi imolado; para que através do seu sangue a dívida fosse paga e não houvesse qualquer impedimento para comparecermos à presença de nosso Pai celeste.
Além de tudo isso, nossa jornada nesse mundo terá um fim glorioso: Cristo nos levará de volta ao jardim. É dessa forma que termina a Escritura: “Bem-aventurados aqueles que lavam suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entre na cidade pelas portas” (Ap. 22.14). O caminho que havia sido bloqueado, agora não somente foi desobstruído, como nos é dado o direito à vida. Aquilo que foi negado a Adão por seu pecado, foi nos concedido por Cristo.
Conclusão
Adão se rebelou e caiu. Cristo obedeceu e triunfou. Adão foi expulso. Cristo foi aceito. O caminho foi fechado para Adão. Cristo reabriu o caminho. Onde houve falha e pecado, o Cordeiro de Deus triunfou com obediência e excelência. Estávamos nus e envergonhados, então Cristo nos deu suas vestes, e agora, estamos de novo à presença do SENHOR, tendo sido declarados justos e aptos para comungar com ele. Assim a história começa. Assim a história termina, para a glória de Deus.