Gênesis 4.17-26

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Após o assassinato de Abel, que expõe claramente o cumprimento da palavra de Deus que jurara rixa entre as linhagens da mulher e da serpente, os personagens subsequentes exibem o mesmo princípio conflitante oriundo das intenções salvíficas de Deus para com seu povo.

Notes
Transcript
“São estas as gerações ...” (Gênesis 10.1).
Gênesis 4.17-26
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Como visto, a narrativa anterior mostrou a geração de Caim, e como este era esperado para ser o descendente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente. Porém, Caim se mostra filho de Satanás e sua semente. No texto aqui analisado, o autor dá início a descrição da genealogia da serpente em Caim, seguindo para a continuação da descendência da mulher. A partir desse ponto, a tensão percorrerá todo o escrito focando personagens específicos como pertencendo a uma ou outra linhagem.
Elucidação
Tendo demonstrado a transmissão do pecado, conforme vimos na análise exegética que compreende a seção anterior ao texto destacado, o autor agora labora em demonstrar o desenvolvimento das duas linhagens que compõem a humanidade, e principalmente a intensificação do pecado no coração do homem. A geração de filhos, como salientado no item 2.5, é o divisor estrutural desse texto. Caim gera descendentes, e não somente isso, seus filhos logram êxito em determinadas atividades, de acordo com a capacidade que fora dada por Deus ao homem para executarem trabalhos e se desenvolverem, isso não é algo que está relacionado ao pertencimento a qualquer linhagem, e sim, algo intrínseco ao homem como criado por Deus para um fim específico: o serviço ao SENHOR na criação. Mesmo tendo caído em pecado e se rebelado contra o Criador, tal habilidade não fora removida do homem, e assim, é possível concluir que o mandato cultural ainda estava em vigor mesmo após a queda.
Os filhos de Caim se desenvolvem, assim como ele mesmo, quando o texto salienta no v. 17 que Caim “edificou uma cidade”. Mais uma vez, a atividade humana permanece a mesma e não foi alterada. De seus descendentes, alguns se destacam por contribuírem para o desenvolvimento da raça através da pecuária, como é o caso de Jabal (v.20), e das artes, como fez Jubal (v.21). Todavia, embora as obrigações do homem não tenham sido revogadas, as mesma atividades foram afetadas pelo poder corruptor do pecado, e são usadas pelo homem na promoção de seus desígnios maléficos; isso é destacado pelo autor do texto como sendo a marca não somente da continuação da transmissão do pecado, mas também de sua intensificação na natureza humana. É após a descoberta e manuseio do ferro e do bronze, que o texto demonstra as atitudes perversas do homem. Analisando esse evento, Samuel Schultz, salienta que:
As artes se desenvolveram na forma da invenção e produção de instrumentos musicais. Juntamente com o emprego do ferro e do bronze surgiu a ciência da metalurgia. Essa cultura avançada aparentemente deu ao povo um falso senso de segurança. Isso se reflete na atitude de zombaria e jactância de Lameque, o primeiro polígamo. Ele se ufanava do uso de armas superiores para a destruição de vidas. Conspicuamente ausente, em contraste, estava qualquer reconhecimento de Deus, da parte da progênie de Caim.
Ao passo que a humanidade caminha para algum tipo de progresso em relação a exploração da criação e suas potencialidades, de forma que a glória de Deus deveria ser seu alvo principal com tais labores como marca do relacionamento pactual que fora estabelecido por Deus no momento de sua criação, tudo o que os descendentes de Caim intentam é perverter o uso que podem fazer com os recursos descobertos, na promoção da destruição e da rebelião contra Deus. Dois episódios são frisados por Moisés como prova disso: a poligamia e a truculência de Lameque.
O princípio criacional estabelecido por Deus determinou a monogamia como norma para o homem em seu objetivo de multiplicação da espécie humana. No versículo 19, o autor destaca que Lameque “tomou para si duas esposas: Ada e Zilá” (Gn 4.19), o que demonstra a perversão clara de seu coração entregue à natureza depravada do pecado. Após isso, frente a todo aparato bélico desenvolvido por seu filho Tubalcaim, Lameque novamente explicita a perversidade de seus intentos e declara sua revolta contra Deus:
E disse Lameque às suas esposas: Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou. Sete vezes se tomará vingança de Caim, de Lameque, porém, setenta vezes sete (v.23-24).
Como havia sido exposto tanto no julgamento da Serpente quanto no de Caim, a descendência da serpente destila seu veneno afundando-se em pecado e em sua desobediência contra o SENHOR. Caim e sua prole desenvolvem e protagonizam a aversão às ordens do Criador.
Por outro lado, o mesmo texto enfatiza na divisão seguinte, a descendência de Adão e de como ela está voltada para Deus.
Também com uma expressão que designa a continuidade da linhagem, o versículo 25 aponta para o desenvolvimento da semente da mulher, mais uma vez através da compreensão que Eva tem daquilo que havia sido prometido por Deus. Sua afirmação “disse ela: Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel...” (v. 25 ARA), explicita o entendimento de que embora Caim tenha se mostrado ímpio e Abel tenha sido morto na guerra entre as duas sementes, Deus faria prevalecer sua palavra e a genealogia que culminaria no nascimento do Redentor está intacta. Em Seth, a esperança de redenção reaparece, e é confirmada através da geração de seu filho, Enos, que é destacado no texto como sendo o marco onde a adoração ao SENHOR é retomada: “daí se começou a invocar o nome do SENHOR” (v.26). Como já abordado na análise da seção anterior, a prática de oferecimento de sacrifícios ao SENHOR já havia se estabelecido desde Adão e seus filhos, conforme Gn 4.3,4: “Aconteceu que no fim de uns tempos, trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR... Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho”. Entretanto, levando em consideração o hiato entre a descendência de Adão em Abel, e Seth, a linhagem de Caim não adora ou presta culto ao Criador, como já dito. Logo, a expressão “daí se começou” pode aludir a uma retomada na narrativa que leva em consideração a predisposição da genealogia de Adão em fazê-lo.
Dessa forma, o trecho lido elabora a continuação da transmissão do pecado ao gênero humano, enfatizando a intensificação de seus efeito. Também demonstra o desenvolvimento das duas semente prometidas e suas respectivas obras em relação ao Criador e seus mandatos pactuais.
Percebendo a temática genealógica da semente da mulher, a Escritura traça toda a descendência do Redentor, conforme feita por Lucas em seu evangelho. Naquela seção o traçado genealógico compreende toda a linhagem da promessa que perpassa a história do povo de Deus. O “fio de ouro” que começa em Adão termina no próprio Cristo. No versículo 38b do capítulo 4 do evangelho de Lucas, temos a seguinte descrição: [...] “Enos, filho de Sete, e este, filho de Adão, filho de Deus” (Lc 4.38 ARA).
Claramente, na história bíblica, há uma seleção de personagens que, de sangue ou não, fazem parte da linhagem do Messias. O pertencimento a esta linhagem é dado pela eleição divina em tornar determinados personagens, agentes na história da redenção, fazendo-os abrir caminho para o Salvador prometido a Adão e Eva.
Referindo-se a transmissão do pecado a raça dos homens, a Escritura percorre também longo caminho, desenvolvendo as ações dos homens que, pervertem-se insistindo no erro, até que a luz da graça de Deus brilhe em seus corações, revelando se são semente da serpente ou descendentes da mulher.
Como analisa Waltke:
O pecado original de Adão e Eva conduz a uma corrupção de sua natureza, como já se demonstrou por sue medo depois de haver desobedecido a Deus. Essa corrupção envolve a transferência de uma integridade original à corrupção da natureza humana em sua fonte. Adão e Eva transferem a poluição de seu pecado e sua culpa a seus descendentes. O pecado contamina Caim e seus descendentes (Gn 4), e a morte, consequência do pecado, tem a palavra final também entre os descendentes justos de Sete (Gn 5).
É importante destacar que, a natureza corrompida passa a todos os homens, independente de pertencerem a linhagem rebelde ou a semente justa, porém, como ficou claro no texto trabalhado até este ponto, em umas das duas semente fica clara a devassidão e entrega dos homens por Deus à natureza depravada que possuem, isto é, os “freios” que limitam o aprofundamento do homem no pecado atuam de com menor intensidade sobre aqueles que não foram eleitos pelo SENHOR para pertencerem a sua linhagem, conforma a figura clara de Lameque demonstra.
Nos filhos da ira, a marca do pecado é voraz e os consome completamente, de maneira que suas obras demonstram toda sua rebelião contra Deus. Por outro lado, àqueles que foram eleitos para serem filhos do SENHOR da Aliança, está direcionada a misericórdia da contenção dos males que podem advir de sua natureza caída, e lhes é concedida a graça de servirem ao Criador, como também ficou exposto através de Seth, e ficará ainda mais evidente na seção seguinte, com a descendência deste.
Transição
O conflito entre as linhagens segue, e Moisés demonstra ao povo de Israel o princípio e origem dos povos aos quais Israel terá de lidar ao adentrar a terra prometida. Por que deverão matá-los? Por que aniquilar totalmente, arrasando suas cidades, não deixando ninguém vivo? A resposta é a descendência desses povos. Como será tratado mais adiante, os inimigos do SENHOR em termos das nações as quais Israel enfrentará, descendem espiritual e fisicamente de Caim, e este por sua vez pertence a semente da Serpente, noutras palavras, são adversários do próprio SENHOR. A menos que Deus interfira na vida de alguém, revelando que o havia elegido previamente para a salvação dentre outros povos, como é o caso de Abrão, e a menos que, por causa disso, alguém entregue-se e renda-se ao SENHOR Deus de Israel, tal pessoa deverá ser considerada rebelde.
A maldade e perversidade perpetrados pelo pecado agindo no coração do homem, é um ponto evidente destacado pelo autor nesta narrativa. A fúria de Lameque é o retrato da natureza ímpia a este transmitida pelo seu descendente primário Caim, porém, intensificado pelo avanço e crescimento da humanidade, que difunde a corrupção e devassidão do pecado.
Entretanto o texto lido nos mostra ainda outras implicações das verdade bíblicas aqui registradas, para nossas vidas:
Aplicações
1. O texto nos mostra claramente a natureza vil do pecado que faz parte de nossa natureza.
É fácil olhar para homens como Lameque e considerá-lo desprezível e repugnante, porém, devemos observar atentamente o Texto Sagrado, para que sejamos advertidos em relação aos efeitos do pecado no coração dos homens. Não nos enganemos, há uma diametral diferença entre Lameque e todos aqueles sobre os quais repousam a boa mão do SENHOR que nos salvou de nós mesmos e de sua ira por causa do pecado, porém, se entregues aos desejos de nosso coração, nos tornaremos tão vis quanto Lameque o era, e talvez até piores.
O Catecismo Maior de Westminster, em sua pergunta 25 indaga: Em que consiste o pecado desse estado em que o homem caiu? A resposta é enfática:
O pecado desse estado em que o homem caiu consiste na culpa do primeiro pecado de Adão, na falta de retidão na qual este foi criado e na corrupção da sua natureza pela qual se tornou inteiramente indisposto, incapaz e oposto a todo o bem espiritual e inclinado a todo o mal, e isso continuamente: o que geralmente se chama pecado original, do qual precedem todas as transgressões atuais.
O coração dos homens está de tal forma enegrecido com o pecado, que somente pode ser aclarado pela voz altissonante do Todo-poderoso rompendo nossa surdez, e voltando nossa mente a obedecê-lo. É a graça de Deus, em Cristo Jesus, através do Espírito Santo que nos distingue e nos faz marchar na contra mão do estado natural que nos foi legado por nossos primeiros pais. O que nos leva ao segundo ponto.
2. O texto esclarece a distinção entre as linhagens e a sua diferença em relação a Deus.
Como filhos da luz, nossos corações foram habilitados a desejar e a fazer a vontade de Deus. Agora isso nos é natural, no sentido de que, brota em nosso coração o amor pelo SENHOR, porém, isso só foi possível porque ele nos amou primeiro em seu Filho, Jesus Cristo. Tendo Cristo vencido a serpente na cruz do calvário, seus descendentes podem agora ver-se livres do poder condenatório do pecado e não mais são seus escravos.
Porém, Moisés expôs a Israel, e Deus nos expõe nesta manhã, o quadro que define a humanidade em dois povos que jamais se misturarão, embora convivam no mundo e se cruzem o tempo inteiro.
A serpente e o Messias são inimigos, embora não haja qualquer relação de igualdade entre eles, pois, nosso SENHOR é Deus, Criador dos céus e da terra, enquanto o adversário é um rebelde condenado. Entretanto, as Escrituras demonstram claramente através da linhagem da serpente, que o intento do maligno é sempre lutar contra o povo de Deus. Daqui deriva-se as guerras e perseguições que o povo de Deus enfrenta no mundo. Nomeie como quiser: marxismo, liberalismo, islamismo, espiritismo, relativismo, todas essas e outras filosofias ou vertentes de pensamentos, originam-se da gana do adversário em se opor contra Deus e contra seu povo.
A Escritura nos mostra o pecado do coração dos homens, e nos mostra que o único remédio é aquele que descende da mulher, e que veio em nosso socorro, livrando-nos da degeneração do pecado, nos transportando para seu reino celestial.
Conclusão
Não há incentivos na Bíblia a que saíamos pelo mundo, matando todos aqueles que não se dobrarem a Deus. No Antigo Testamento isso foi feito, e todos os povos ao redor de Israel temeram o Criador pelo poderosos feitos que executou em favor de seu povo. Hoje, a arma que nos é dada a fim de que divulguemos a superioridade do nosso SENHOR é a pregação e o anúncio do evangelho. Todos os que ouvirem a boa nova de salvação, sendo operada em seu coração a fé para crerem, serão poupados da ira do Criador. Porém aqueles que se mantiverem rebeldes, conhecerão a ruína e a derrota que está prometida ao seu cabeça, satanás, a antiga serpente. Cristo triunfou e triunfará sobre todos os seu inimigos.
Cristo triunfa!
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