Gênesis 6.1-8

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
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A cena exposta no capítulo 6 da narrativa de gênesis enfatiza conflito entre as linhagens, através da corrupção da semente da mulher quando tenta se misturar a semente da serpente.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 6.1-9
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Como visto na seção anterior, os texto de 1 a 6 compõem uma sobreposição temática que adiciona informações a fim de que o leitor perceba a progressão do plano salvífico de Deus. Passo a passo, aquilo que fora estabelecido como pano de fundo da história da redenção, ganha forma, a partir das seções que tratam sobre como Deus cumprirá a promessa feita em Gênesis 3.15.
O personagem introduzido em Gn 5.32, Noé, será o protagonista das cenas seguintes, pois é para ele que o autor está direcionando o foco, pois será o instrumento de Deus na concretização de seus propósitos.
Elucidação
Observando a estruturação do livro de Gênesis, notamos que a partir do capítulo 3 há uma intenção clara do autor em retratar a progressão do pecado na humanidade como tema paralelo aos propósitos redentores de Deus para com o cosmo, e assim, com seu povo. A existência do pecado ou do mau não provocam tensão no desenvolvimento da história, muito pelo contrário, ambos estão sendo utilizados pelo Criador para que seu intento seja alcançado, e sua soberania e graça salvadora sejam explicitados de maneira clara sobre seus eleitos.
Tal abordagem serve ao escritor como arcabouço teológico-didático na instrução de Israel, de maneira que a partir desse relato a nação é instruída sobre a consideração de Deus para com sua identidade, isto é, são uma nação eleita para e pelo SENHOR, e também, quanto ao trato para com o pecado; uma advertência para que conheçam sua natureza avessa a Deus e se afastem dele.
Como observa Raymond Dillard:
Gênesis 3 – 11 apresenta cada narrativa de modo a realçar o pecado e a rebelião das criaturas de Deus. Além disso, os episódios narram o rápido declínio moral da humanidade com o passar do tempo. Enquanto o pecado se propaga e aumenta, Deus se revela indulgente e paciente com a sua criação.
Nitidamente, há uma progressão, um movimento do avanço em termos do aprofundamento da humanidade na depravação do pecado e na exploração dessa condição corrupta. Como exposto em Gênesis 4, quando o escritor apresenta a descendência de Caim, a raça dos homens segue em sua marcha em relação a natureza corrupta que passa de geração a geração, ou como exemplificam alguns estudiosos, uma “avalanche” é iniciada em Gênesis 3, que pouco a pouco afasta o homem de Deus, desagradando este.
Porém, dois pontos culminantes são destacados no texto como apontando para essa realidade. O primeiro deles é a tentativa de união entre as duas linhagens que emergem na história devido sua filiação (Gn 3.15). No versículo 2, um sinal demarcador da depravação da humanidade é a mistura entre esses povos ou linhagens: “vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres...”. Se tomarmos como pressuposto desses designativos as narrativas anteriores (Gn 4.17-24 e 5), uma forma de olhar para os termos “filhos de Deus” e filhas dos homens” pode estar conectado as linhagens que foram traçadas paralela e adversativamente nesses textos. É provável que Moisés tenha ligado do termo “בְנֵי־הָֽאֱלֹהִים֙” (“binei elohim” (hb. lit. “filhos de Deus”) à linhagem de Set que descende do próprio Adão, que por sua vez, vem do próprio Deus. A própria estrutura genealógica aponta para essa possível associação, numa que os personagens citados não estão necessariamente registrados como descendentes imediatos (em ordem cronológica) dos personagens anteriores, mas escolhidos por sua filiação espiritual à semente da mulher. Por outro lado, “בְּנ֣וֹת הָֽאָדָ֔ם” (“banut hadmá” hb. lit. “filhas dos homens”) faz referência a linhagem de Caim, justaposta no texto anterior.
Claramente o autor aponta a tentativa de união entre as sementes como algo contrário a vontade do SENHOR, e a partir disso a segunda ocorrência de um marco que reflete a corrupção do gênero humano, pode ser um desenvolvimento desse primeiro fator complicador ou agravante da ação do pecado sobre os homens, como nota Schultz:
Nos dias de Noé a impiedade crescente na civilização atingiu um ponto crítico. Deus, que criara o homem e seu habitat, estava desapontado ante a cultura prevalente. Casamentos mistos entre os filhos de Deus e as filhas dos homens desagradavam a Deus. A corrupção, a iniquidade e a violência aumentaram de tal maneira que todos os planos e esquemas do homem se caracterizavam pela maldade. A atitude de pesar, da parte de Deus, por haver criado o gênero humano, se tornou evidente no plano de retirar do homem o Seu espírito.
Dessa forma, o verso 2 está intimamente conectado aos verso 5 a 7, em que o epicentro se encontra no anúncio do juízo de Deus sobre a humanidade, entretanto, esse juízo se manifesta de maneira gradativa. Há uma primeira ação da parte do Criador em limitar a depravação deflagrada pela multiplicação dos homens que é mencionada no verso 3: “Então, disse o Senhor: O meu Espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal; e os seus dias serão cento e vinte anos”. O possível significado da expressão “agirá” (hb. “יָד֨וֹן” “julgar”, “executar veredicto”) sugere uma recusa da parte de Deus em repetidamente condenar o homem em seu pecado; o Criador julga o homem em reflexo do que fora prometido em Gn 2.17 quando determinou que a consequência da quebra do pacto e da desobediência do homem seria a morte, reduzindo sua longevidade para cento e vinte anos. Dada a continuação da mistura de linhagens conforme exposta no verso 4, que resultou no surgimento de homens perversos (de acordo com a raiz da palavra “נָפַל” hb. “naphal =cair) de fama ou renome, a progressão do pecado atrai a punição de Deus, dessa vez, de maneira derradeira.
O juízo iminente de Deus possui um caráter de duplo alcance à luz do que fora exposto. Em primeiro lugar, como é nítido, a sentença divina está sendo executada em vias do crescimento da degeneração do pecado sobre a criação através do ser humano. A perspectiva do texto é enfática em determinar a abrangência do pecado no coração dos homens: “Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração (v. 5)”. Assim, a intervenção divina é uma declaração de punição para a rebeldia e pecado dos homens. Contudo, como já notado, há uma preocupação da parte de Moisés em relatar a mistura entre as linhagens ligado a esse juízo proclamado como iminente pelo SENHOR (vs. 1-2, 4). A conclusão natural é que há um propósito redentor no derramar da ira divina sobre a humanidade para o povo eleito de Deus, com o intuito de preservar a salvo a linhagem santa (i. e. semente da mulher) do contato e alienação de Deus perpetrado pela semente da serpente, e também cumprir a promessa feita em 3.15. O Criador estaria com isso promovendo a separação entre as duas sementes através da concretização de seu plano redentor por meio da destruição da maldade dos homens.
A inserção do personagem citado em 5.32 é retomada no versículo 8 deste capítulo com uma antítese que revela a intenção de Deus em salvar sua semente: “Porém Noé achou graça diante do Senhor”. Noé, de acordo com o que fora profetizado ao seu respeito por seu pai Lameque (Gn 5.29), é não somente mencionado, mas introduzido na narrativa, sugerindo um contraponto ou uma progressividade do enredo que fora desenvolvido até este ponto. Noé trará consolo da maldição que o pecado acarretou como resultado da punição divina. A história não terminará simplesmente com a destruição da raça humana, mas através daquele que pertence a linhagem da promessa, os planos do SENHOR ganham continuidade.
Ainda outro tema é introduzido pelo autor do texto, que possui reflexo ao contexto do povo de Israel que acabara de sair da terra do Egito: a salvação de Deus por meio do juízo. Por meio do anúncio da destruição da humanidade, Moisés destaca Noé como sendo o instrumento de Deus para dar progressão aos seus planos redentores, como já exposto. É em vista da preservação da linhagem e da salvação do cosmos, que Noé é erguido por Deus como demonstrativo de que sua misericórdia e graça são expostos de maneira evidente mesmo em meio ao castigo iminente da iniquidade e rebeldia dos homens.
Comentando esse “modus operandi” de Deus de salvar seu povo por meio do julgamento, James M. Hamilton afirma:
Quando Deus traz salvação mediante o juízo, a justiça serve como o pano escuro sobre o qual Deus mostrará o diamante de sua misericórdia. A pedra reluzente, o pano de contraste, e a luz que brilha sobre ambos são resultado de uma demonstração da glória de Deus de tirar o fôlego. O tema central da Bíblia é a glória de Deus na salvação, por meio do juízo.
Para um povo que acabara de ver e testemunhar o braço poderoso de Deus agindo de maneira esmagadora contra o Egito a fim de livrá-lo da casa da servidão, a narrativa de Gênesis 6.1-8 demonstra que esse modo de agir não é novo, mas que é o meio pelo qual a história é controlada pelo Criador, para que sua glória seja revelada, e sua misericórdia e graça sejam desfrutadas por seu povo.
Transição
À luz dessas profundas verdades, o texto de Gênesis 6.1-8 nos demonstra algumas verdades que precisamos considerar em nossa vida.
Aplicações
1. A revelação do juízo de Deus implica diretamente na salvação dos eleitos do SENHOR.
O pecado demanda juízo, como já vimos no capítulo 3. Em face disso, a degeneração dos homens nos tempos de Noé foi respondida com o anúncio de destruição e julgamento que seriam executados pelo Criador. Porém, o que poderia ser interpretado por muitos como sendo o fim da trágico da história, revela-se na verdade como a manifestação da graça de Deus sobre aqueles que foram agraciados por ele para a salvação. Juízo e redenção foram mesclados numa mesma ação por Moisés, que inspirado pelo SENHOR, nos demonstra um motivo para tranquilizarmos nosso coração vivendo num mundo tão devasso como o nosso.
Olhamos para os lados e o que vemos é a obscuridade e perversão do coração dos homens que elaboram, criam e maquinam formas de se rebelarem contra Deus. E por causa de toda essa onda negra de pecado e iniquidade, muitas vezes nos perturbamos buscando respostas da parte do SENHOR, que nos parece estar distante, fazendo pouco caso do estado terrível da humanidade. Mas, o texto que lemos nos aponta o modo através do qual Deus se revela soberano sobre a história: enquanto os homens se afundam no pecado de seus corações, a justiça e ira divinas vão sendo derramados aos poucos sobre suas cabeças, entregando-os a disposição reprovada de sua natureza. Enquanto por outro lado, o Espírito Santo nos limpa cada vez mais com o sangue de Cristo, nos transformando a imagem daquele que nos salvou na cruz do calvário.
Numa mesma palavra da parte de Deus, vemos a progressão do plano salvador do Soberano, quando providencia alguém muito maior do que Noé para nos salvar; Cristo Jesus, por meio de quem também é exposto a sentença inescapável do julgamento que rapidamente se aproxima contra o pecado. A multiplicação da iniquidade será vingada por Deus, que destruirá aqueles que ousaram rebelar-se contra ele. Assim, como foi por meio de Noé que a semente da mulher foi preservada, por meio de Cristo fomos salvos e preservados da ira vindoura de Deus sobre um mundo caído.
2. O juízo de Deus nos serve de advertência contra o pecado.
A depravação e rebeldia contra Deus só podem ter uma consequência: destruição e juízo. Embora tal juízo nunca fosse recair de maneira final sobre Israel, que teria seu coração de pedra substituído por um de carne, isto é, sensível a voz de Deus, Moisés narra o episódio do anúncio do juízo do Criador a fim de mostrar ao povo qual o resultado direto da associação com o pecado e com aqueles que o incentivam.
Sempre que as linhagens se misturam, sempre que o povo de Deus flerta em ceder ao princípios mundanos, misturando-se com tais homens, Deus intervém na história separando seu povo da corrupção dos filhos da serpente.
Por isso, ainda que saibamos que jamais o SENHOR nos julgará de maneira a nos destruir por completo, a vara da disciplina sempre estará a pronta, para nos fazer lembrar que não pertencemos a esse mundo diabólico e perversos, mas que somos propriedade peculiar do SENHOR nosso Deus.
Conclusão
Em Noé o SENHOR anunciou que os planos redentores seriam preservados, e que a história seguiria caminhando para um fim glorioso, quando o Messias viria e resgataria seu povo do poder do pecado. Cristo Jesus, o descendente prometido, expiou nossos pecados, e nos revelou o braço gracioso do Criador, que continua a agir em nossas vidas, mantendo-nos em constante progresso e santificação, de modo que aguardamos a consumação de sua obra.
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