Gênesis 8.1-19
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· 20 viewsO capitulo 8 trata de dar continuidade ao plano divino em que juízo e salvação são executados simultaneamente, mas também introduz a intenção pactual de Deus que demarca o compromisso divino - assim como fora com Adão - em salvar seus filhos.
Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 8.1-19
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Como já demonstrado, o contexto anterior ao capítulo 8, é o estabelecimento do progresso do plano redentor de Deus para com sua linhagem, representada por Noé. No capítulo 6, o juízo e a salvação foram anunciados como paralelos, simultâneos e iminentes. No capítulo 7, a ira de Deus foi derramada contra o pecado e a descrição assevera essa constatação. Agora no capítulo 8, é a vez de a salvação ser narrada como prova do comprometimento de Deus em salvar seu povo.
Elucidação
Se considerarmos o tema que temos desenvolvido até este ponto, poderemos observar que as narrativas entre o início do plano redentor de Deus em Adão e Noé, configuram uma espécie de ciclo restauracionista, onde as intenções do Criador são as de fazer sua criação tornar ao estado de perfeição no qual fora criada. Nesse sentido os paralelos textuais podem avançar essa compreensão quando olhamos para as narrativas de um ponto de vista global:
Paralelos textuais: Criação e Recriação
Criação e organização
Gn 1.1-2: “No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”.
Gn 8.1-4,5: Lembrou-se Deus de Noé e de todos os animais selváticos e de todos os animais domésticos que com ele estavam na arca; Deus fez soprar um vento sobre a terra, e baixaram as águas. Fecharam-se as fontes do abismo e também as comportas dos céus, e a copiosa chuva dos céus se deteve. As águas iam-se escoando continuamente de sobre a terra e minguaram ao cabo de cento e cinquenta dias. [...]E as águas foram minguando até ao décimo mês, em cujo primeiro dia apareceram os cimos dos montes.
Mandatos e multiplicação
Gn 1.27: “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.
Gn 8.15-17: “Então, disse Deus a Noé: Sai da arca, e, contigo, tua mulher, e teus filhos, e as mulheres de teus filhos. Os animais que estão contigo, de toda carne, tanto aves como gado, e todo réptil que rasteja sobre a terra, faze sair a todos, para que povoem a terra, sejam fecundos e nela se multipliquem”.
Conclusão e satisfação
Gn 1.31: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia”.
Gn 8.21-22: “E o Senhor aspirou o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade; nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz. 22Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite”.
Naturalmente, os paralelos focalizam-se nas respectiva situações, resguardando assim o contexto em que cada passagem está e suas nuances (quer desenvolvimentos ou aplicações especificas). Entretanto, é possível ver uma proximidade entre ambos, principalmente tendo em vistas o projeto salvífico de Deus em salvar sua linhagem bem como a todo o cosmo criado, elevando-o ao estágio de perfeição que é igual ou transcendente quando comparado ao primeiro, visto que, após a consumação de seu planos, jamais haverá novamente a possibilidade de que toda a história se repita.
Além desse paralelismo, como temos abordado, a estrutura proximal entre o capítulo 7 e 8, sugerem focos específicos do desenvolvimento desse plano, quando aqui no capítulo 8, encontramos a constatação da salvação de Deus derramada sobre Noé e sua família, enquanto que o texto anterior salienta o derramamento da ira e justiça do Criador contra o pecado. Assim, enquanto Gênesis 7 representa o juízo vingador de Deus, Gênesis 8 é a exposição da graça benevolente de YHWH em salvar sua linhagem, tudo isso em face de um único episódio narrado de perspectivas diferentes. Peter Vogt elabora esse conceito nos seguintes termos:
[...] Deus preserva o justo Noé, sua família e representantes de todas as espécies de animais na arca. Gênesis 6.8 observa expressamente que Deus preservou Noé por que este “achou graça/favor diante de YHWH”. Enquanto a arca flutuava no meio de uma terra aquosa de novo, Deus “se lembra” de Noé (Gn 8.1) e envia o vento para dissipar as águas do dilúvio. Essa lembrança (mais bem compreendida como consideração cuidadosa, e não lembrar-se de algo esquecido), juntamente com o aprovisionamento que Deus fez para a arca, levando os animais a ela e fechando a porta da arca, tudo aponta para a graça de YHWH.
O compromisso prévio de Deus estabelecido em Aliança com Noé é notado nesse texto a partir da cláusula introdutória do versículo 1: “Lembrou-se Deus de Noé”, demarcando o ponto de virada nas temáticas das narrativas paralelas, como já citado.
O capítulo 8 de Gênesis, baseado nessa análise que estruturamos, possui o objetivo de elucidar o compromisso divino em restaurar sua criação. As proporções da narrativa, isto é, de uma catástrofe global que é usada por Deus para atingir seus fins, proporcionam a ênfase dada por Moisés para que o povo de Israel possa fiar-se na promessa de salvação, entendendo que tal objetivo configura-se no plano máximo do Criador para com seu povo, e dessa forma, a aliança não é mera futilidade ou algo que pode ser facilmente revogado, mas será cumprida com perfeição pelo próprio Soberano.
A Confissão de Fé de Westminster, tratando sobre as nuances do pacto que Deus estabeleceu para salvação de seu povo, de acordo com o que temos visto em ser essa a temática envolvida na narrativa em questão, alude que:
Este pacto no tempo da Lei não foi administrado como no tempo do Evangelho. Sob a Lei foi administrado por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão, pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças dadas ao povo judeu, prefigurando, tudo, Cristo que havia de vir; por aquele tempo essas coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a vida eterna: essa dispensarão chama-se o Velho Testamento.[1]
Entendendo a prefiguração tipológica do plano redentor executado em Noé com o antítipo que é Cristo e seu sacrifício, entendemos que ambos enquadram-se dentro da exibição do compromisso do SENHOR em salvar seu povo da corrupção do pecado e do juízo iminente.
O derramamento da ira de Deus sobre a cruz de Cristo e de maneira, simultânea a salvação sobre os eleitos de Deus, é não somente o cumprimento daquela primeira promessa que percorre as Escrituras, como o fiador do desejo divino que nos assegura a consumação da obra de redenção do Criador.
Transição
Certamente o que temos visto como extrato didático do texto de Gênesis 8, é que a categoria a qual ele pertence, segundo os termos apresentados pela Confissão de Fé de Westminster, é a de que a salvação executada por Deus neste ponto da revelação alude ao pacto segundo a promessa efetivada em Gn 3.15. A preservação da linhagem santa, é uma evidência do compromisso pactual do Criador em suster e preservar seu povo, até que seus planos alcancem pleno cumprimento.
Aplicações
O sacrifício de Cristo Jesus não somente executa a redenção, como nos serve de lembrete quanto ao compromisso de Deus em consumar sua obra salvadora.
O que aprendemos do texto de Gênesis 8.1-19 é que as proporções usadas por Deus a fim de assegurar que seu plano seria compreendido por seus filhos, de sorte que fossem consolados e assegurados de que a redenção seria plenamente executada. Uma grande e terrível inundação julga e condena o pecado, ao passo que também ressalta e comprova a benevolência do Deus Triuno em resgatar seus filhos da ira e do pecado.
Tal ação remete ao compromisso pactual estipulado por Deus com Noé, que por sua vez remonta a um compromisso muito maior estabelecido nos tempos eternos entre o Pai e o Filho com o objetivo de redimir para si um povo, habitando no meio deles para sempre.
A encarnação, vida, morte e ressurreição de Cristo derrama sobre nós a graça de Deus, purificando nossos corações dia após dia, para que sejamos aprontados como noiva que aguarda seu esposo que virá no momento final, para levar-nos para as bodas. Esse pacto é nossa garantia de que estaremos com Jesus Cristo para todo o sempre, e assim como o dilúvio mostrou a Noé os planos salvíficos do Criador, de maneira muito maior a cruz nos mostra o amor do Pai e sua preocupação em que não percamos de vista sua promessa de redenção. Como assegura Edmun Calamy: “A aliança da graça foi feita com Jesus Cristo desde a eternidade, sendo um contrato ou plano que, desde a eternidade, Deus Pai teve com Deus filho para este ser mediador para a salvação dos eleitos”.[2]
A confiança devida na obra do SENHOR vai além de uma espera apática e inerte, mas num constante esforço de lembrar a nós mesmos de que o Deus que não mente, comprometeu-se em nos resgatar, e além das inúmeras provas que ele nos deu tanto pelo Testemunho da Escritura Sagrada que é testificado aos nosso corações pelo Espírito, quanto pelo agir deste em nossas vidas, nos confirma sua palavra por meio da aliança que nos faz ver através da Bíblia que culmina em Cristo Jesus, aquele em quem algo muito maior do que o feito em Noé fora realizado, para nosso consolo e esperança.
Conclusão
De maneira artística e clara, podemos resumir o texto de Gênesis 8.1-19 no poema escrito por William Geddes, um puritanos do século XVII:
Esta é a aliança da graça,
Que traz consolo tão doce à minha alma.
Há um pacto gracioso
Entre o Pai e o Filho.
E entre o Filho e a raça de Adão,
Que deve se arrepender e buscar a graça do Filho.
O Filho ao Pai falou:
Tomarei sobre mim a natureza do homem.
Darei eu mesmo um resgate
Pelo eleitos para que vivam.
Vem, Filho (ele diz), se assim o fizeres,
Serão salvos do inferno e da desventura.
O Pai ao homem disse:
Se creres com fé salvadora
Neste meu Filho, dar-te-ei a paz.
Amor eterno te cingirá.
[1] Confissão de Fé de Westminster – São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 69.
[2] CALAMY, Edmund Apud BEEKE, Joel – Teologia puritana: doutrina para a vida – São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 360, 361.